sábado, 29 de agosto de 2009

Nevoeiro em São Paulo

Nevoeiro na região de São Paulo é algo bastante comum, principalmente no inverno e no aeroporto de Guarulhos, aliás, dizem que a palavra "cumbica" significa nuvens baixas, em Tupi-Guarani. Nesta última quinta feira saí para fazer um voo com destino a Natal, decolando de Guarulhos à meia noite. Como o tempo estava bom, céu claro e temperatura de 13 graus, parecia que seria mais um voo tranquilo, exceto pela luta para se manter acordado na cabine. O embarque estava quase terminando, quando em menos de 20 minutos uma forte névoa tomou conta do aeroporto, se transformando em um denso nevoeiro que reduziu a visibilidade para 300 metros ao longo da pista. Os aviões que vinham para pouso não conseguiam avistar a pista, e foi uma sucessão de arremetidas. Um após o outro, os aviões na aproximação subiam novamente, prosseguindo para suas alternativas, que são, de um modo geral, Campinas e Galeão no Rio de Janeiro. Como o valor de visibilidade requerido para as operações de decolagem são inferiores aos valores necessários para pouso, fomos autorizados a iniciar nossa movimentação e taxi para a cabeceira da pista. Com a visibilidade tão restrita, a movimentação das aeronaves nos pátios e taxiways requer uma atenção redobrada para não errar o caminho, e principalmente para não entrar na pista em uso. Entrar inadvertidamente na pista em uso é o que na aviação chamamos de "runway incursion", sendo que acidentes terríveis já ocorreram por causa disso, entre eles, uma colisão entre 2 jumbos, um da KLM e outro da PanAm, em 1979 nas ilhas Canárias. Morreram todos os 500 e tantos ocupantes dos aviões, foi o acidente aéreo com mais vítimas na história da aviação. Na decolagem ficamos bem atentos, pois correndo pela pista a 220 quilômetros por hora, com apenas 300 metros de visibilidade, mal podemos piscar os olhos. Assim que ganhamos altura já saímos do nevoeiro, voando novamente em céu claro e tempo bom, com as luzes da cidade sob a vasta camada de nuvens. No regresso de Natal para São Paulo, decolamos com 2 horas de atraso, pois o aeroporto de Guarulhos continuava fechado para pousos. Foi um verdadeiro caos na aviação aquela manhã de sexta feira. Conseguimos autorização para decolar com destino ao Galeão no Rio de Janeiro, e a idéia era que, em voo, caso Guarulhos abrisse, seguir para lá ou pelo menos para Viracopos em Campinas. Como ninguém conseguia pousar em São Paulo (Congonhas também amanheceu com nevoeiro), os pátios dos aeroportos do Galeão, Campinas e Confins-BH ficaram lotados e o controle de tráfego aéreo estava determinando que as aeronaves prosseguissem para outras alternativas, sendo que Brasília também estava ficando impraticável, devido à superlotação nos pátios. Teve um voo que foi desviado para Uberlãndia! Nós continuavamos com autorização para seguir para o Galeão, e chegando mais perto pedimos para seguir com destino a Guarulhos. Fomos autorizados, mas como ainda estava fechado, ficamos cerca de 30 minutos voando em círculos sobre o mar na região de Ubatuba. Um lindo visual das praias, e não pude deixar de pensar no meu irmão ao ver a praia de Itamambuca onde ele mora. Ele devia estar lá no maior sossego, pisando na areia naquela manhã tão linda na região. E eu lá, voando em círculos, monitorando o consumo e quantidade de combustível, falando com os passageiros e com a companhia aérea. Chegou um momento em que não dava mais para esperar, então conseguimos autorização para prosseguir para Viracopos. Fizemos a descida com velocidade reduzida na expectativa de abertura de Guarulhos. Lá pelas tantas, já sobrevoando a cidade de São Paulo, as operações para Guarulhos foram retomadas, pois a visibilidade tinha melhorado um pouco. Porém havia uma sequência para aproximação, e caso desejássemos entrar na fila, teríamos pelo menos mais 45 minutos de espera. Não tínhamos tanto combustível, então seguimos para pousar em Viracopos. Lá, pudemos observar que realmente o pátio estava lotado. Jumbo da British Airways e Lufthansa e aviões da Gol, Tam, Azul e de outras empresas que não tinham conseguido pousar em São Paulo, além dos inúmeros aviões cargueiros que lá pousam regularmente. O aeroporto de Viracopos não tem infra-estrutura para atender a tantos aviões e passageiros ao mesmo tempo, então, após estacionarmos, tivemos que aguardar pelo menos 30 minutos até que um ônibus da Infraero chegasse para o desembarque dos passageiros. De Viracopos, seguimos todos em ônibus, para quase 2 horas depois chegar em São Paulo-Guarulhos, pois o trãnsito na Marginal Tietê estava terrível! Lá peguei o carro para novamente enfrentar a Marginal na volta para casa. Mais uma hora e meia de trãnsito, e por volta de 14:30hs, cheguei exausto em casa. Direto para um banho, almoço e cama, pois havia saído para trabalhar, após um dia longo, às 9 horas da noite do dia anterior! Nevoeiro em São Paulo atrapalha bastante, mas não costuma ser tão intenso quanto o da semana passada, e é por isso que mesmo naqueles dias em que o tempo parece estar lindo, que tudo indica que vai ser mais um dia de trabalho fácil, temos que estar descansados e preparados para surpresas.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Meus primeiros passageiros






Em 1983, já de posse do Brevet de piloto privado,minha meta era acumular horas de vôo. Junto com colegas no aeroclube, programávamos passeios aéreos nos fins de semana. Voávamos pelo interior de São Paulo, Alfenas, Vitória, Paranaguá, Ubatuba, ou mesmo um vôo até Jundiaí e Atibaia. Gostava de fazer um sobrevôo na região de Bragança onde minha família tem um sítio, e lembro que em um desses sobrevôos, enquanto voava em círculos sobre o sítio, lá em baixo, minha tia e primos ficaram no gramado agitando toalhas coloridas. Com cerca de 80 horas de vôo, o chefe dos instrutores no aeroclube me autorizou a levar passageiros em meus vôos. Mas quem poderiam ser minhas primeiras cobaias? Minha família, é claro! Então, num sábado de tempo bom,levei para um passeio meu pai, minha mãe e a Suca, minha irmã caçula. Corajosos, eles! Outros que se aventuraram comigo foram meus amigos Olavo, Cymba e Joyce, sendo que quando a mãe desta minha amiga, (que na época devia ter 17 anos) ao saber do passeio da filha, ficou louca da vida, fazendo-a prometer que jamais repetiria tal programa. Aliás, colocando-me agora em seu lugar, teria me sentido igual. Em outra ocasião a Lucky, minha irmã mais velha, precisava ir a trabalho para Rio Claro, então a levei de avião. Porém na volta, o Campo de Marte estava fechado para vôos visuais e me restou pousar e deixar o avião no aeroporto em Jundiaí, onde o resgataria no dia seguinte. Acontece que nem eu, ela ou o colega dela tínhamos dinheiro suficiente para voltar para São Paulo, assim fomos os 3 para a margem da Rodovia dos Bandeirantes pedir carona. Conseguimos com uma Kombi que nos deixou em algum ponto da Marginal, de onde pegamos um taxi de volta para o Campo de Marte, onde lá sim eu tinha dinheiro em minha carteira que havia deixado no carro. Essa foi boa, ir de avião e voltar de Kombi! No primeiro semestre daquele ano de 83, eu estava cursando Administração de Empresas na P.U.C., mas, como meu negócio definitivamente era a aviação, larguei a faculdadee em julho fui passar o mês em Porto Velho –RO onde tive a oportunidade de co-pilotar um Piper Aztec, avião bimotor para 7 pessoas, da empresa em que meu pai trabalhava. Foi ótimo, pois voava sob supervisão do Cmt DeMarco, que não só possuía bastante experiência, como também me emprestou manuais técnicos, onde pude me aprofundar em determinados temas. Eram vôos de cerca de 1 hora sobre a mata, pousando em pistas curtas abertas em clareiras nas proximidades de minas de cassiterita. No final daquela temporada, após as decolagens, o Cmt DeMarco abandonava seu posto e ia sentar-se junto dos demais passageiros, que arregalavam os olhos desconfiados por ele deixar o comando a um jovem que mal tinha barba no rosto. Antes de deixar Porto Velho, consegui uma autorização para efetuar 2 voos sem passageiros no Azteca. Vôo de instrução, com manobras de “stall”, vários pousos e simulações de emergências. De volta a São Paulo, continuei na busca por horas de vôo, instrução e experiência, me preparando para obter a licença de Piloto Comercial e vôo por instrumento, o que iria ocorrer no ano seguinte, em 84, quando a Varig passou a ser uma possibilidade.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Love is in the air

Como em todas as profissões, também na aviação há muitos casais que trabalham e voam juntos. Eu mesmo conheci minha mulher quando fazíamos parte da mesma tripulação num vôo para Fortaleza, em 1989. Eu era o co-piloto do Airbus, e ela uma das comissárias. Voávamos na mesma empresa, e fizemos alguns vôos juntos, mas foi por pouco tempo, pois naquele ano mesmo, ela mudou para melhor, foi voar na British Airways. Atualmente trabalhamos em diferentes companhias, em aviões diferentes, mas volta e meia quando estamos voando, estamos separados por apenas poucas milhas. Esta semana mesmo estivemos bem próximos, eu indo de Guarulhos para Fortaleza e ela indo para Londres. Já na saída, durante o procedimento de taxi em preparativos para a decolagem, “meu avião” estava imediatamente à frente do “avião dela”, separados por apenas alguns metros. Eu e o co-piloto estávamos mais concentrados que o normal e nos preparando para a decolagem, pois o tempo estava ruim, com chuva, vento forte e turbulência, enquanto ela também se preparava na cabine do Jumbo 747, verificando se estava tudo em ordem com passageiros, materiais a bordo etc.. O jumbo da British decolou apenas 3 minutos atrás de nós, e seguimos pela mesma rota por um bom tempo, sendo ele pouco mais abaixo de nós, porém como ele é aproximadamente 85Km/h mais veloz, (Mach 0.86 x Mach 0.78) fomos ultrapassados em um ponto onde as rotas divergem um pouco, proporcionando um belo visual. Já que estávamos próximos, efetuei um contato pelo rádio com os pilotos do British Airways e disse que minha mulher era uma das comissárias brasileiras e que quando pudessem transmitissem a ela o recado que eu estava por perto e que eu a amava. LOVE IS IN THE AIR! Eu segui para Fortaleza enquanto ela prosseguiu para Londres. Já tinha feito este tipo de contato outras vezes, sendo que em um deles, enquanto ela servia as refeições aos passageiros, o Comandante do avião anunciou pelo sistema de som da cabine que o marido dela estava no rádio e mandava recados de amor. Como todos os passageiros ouviram, seguiu-se uma salva de palmas na cabine! A estória mais legal foi certa vez em que estava vindo de Recife, e ela saindo de São Paulo para Londres. Coincidentemente, os pilotos do avião dela não estavam conseguindo se comunicar com os órgãos de controle, então eu fiz o que chamamos de uma “ponte”, transmitindo as informações e instruções do centro de controle para o British e vice-versa. Após a ponte, pedi ao British para passar para uma freqüência alternativa, onde me apresentei e mais uma vez pedi para mandar mensagens para minha mulher. O Comandante, bem humorado, pediu para eu aguardar um pouco na freqüência, pois iria chamar minha mulher na cabine para falar no rádio comigo. Minutos depois, estávamos batendo um papinho pelo rádio, e naquele exato momento pude avistar, vindo em sentido contrário, um pouco à esquerda e relativamente perto, o avião dela. Recém tinha anoitecido, então deu para ver claramente as luzes do interior da cabine de passageiro do Jumbo. Foi bacana, foi emocionante. Assim que terminamos nossa breve conversa, com “eu te amo” e “saudades”, as outras aeronaves que estavam na área, e acompanharam o episódio, começaram a fazer comentários do tipo: -“Também quero”.- “O amor é lindo!” - “Beijinhos” e “fiu fiu!” Então o Comandante da British disse na fonia: - Hold your hearts guys! No outro dia, pelo telefone, minha mulher contou que estava trabalhando no corredor do avião quando veio aquele chamado para ela comparecer imediatamente na cabine de comando. Os demais tripulantes ficaram curiosos, afinal, por que o Comandante estaria solicitando a presença dela na cabine? Depois quando ela explicou que era apenas seu marido, comandante em outro vôo, que queria falar com ela, foi a maior sensação, especialmente entre as comissárias. Então ela teve que dizer: Hold your hearts girls!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Meu amigo Santos Júnior

Na aviação, assim como na vida, conhecemos pessoas incríveis. Em 95, eu era instrutor no Boeing 737-200 e tive o privilégio de receber o Santos Júnior como aluno num programa de instrução que durava em média dois meses e meio. Já o conhecia, pois em 1986 quando eu era co-piloto de Electra na Ponte Aérea, ele era mecânico de voo também no Electra. Pessoa simples, muito inteligente, esforçado e parceiro para qualquer passeio. Enquanto voava como mecânico de voo, tirou o brevet de piloto e naquela ocasião iniciava o treinamento para a função de co-piloto. Antes da aviação comercial ele voava na FAB no transporte de autoridades, quando nos aviões, além dos pilotos, ia a bordo um mecânico dando o suporte aos pilotos quando necessário. Contava ótimas estórias. Contou que por volta de 1984, fazendo uma escala em Florianópolis numa noite fria e chuvosa, surgiu um problema no avião em que enquanto os pilotos passeavam no aeroporto ele se esforçava para resolver, tendo que relevar o frio e a chuva. À bordo, a esposa do Presidente da República. Ele resolveu o problema, consertou o avião, sendo que a certa altura, molhado e com frio e a Primeira Dama vendo a situação daquele Sargento de 20 e poucos anos, resolveu ajudar dando a ele uma meia de lã para ele vestir, já que ele estava ensopado. Quando pilotos chegaram e viram aquela situação, quase que deram ordem de prisão a ele, e mais tarde a Primeira Dama teve que interceder a seu favor, explicando a situação. Aliás antes dele se formar na escola de sargentos em Guaratinguetá, uma das atividades era um salto de paraquedas. Um salto "automático" onde nem é necessário puxar a cordinha, pois a mesma é fixada no interior da cabine do avião. Para o salto, os aspirantes a Sargentos ficavam enfileirados e ao comando do oficial superior se atiravam pela porta. Os que relutavam em saltar recebiam um chute no traseiro, então ele achou por bem ir "na boa". Acontece que ao abrir o paraquedas, uma das cordas enroscou por cima do pano, e ele vinha caindo rapidamente e rodopiando. Imediatamente se lembrou das instruções para neste caso, soltar o principal e abrir o auxiliar. - Nem pensar que eu vou soltar o principal, se nem este funciona, como confiar no para-quedas auxiliar? O aspirante a Sargento, num estilo Mc Gyver, foi puxando uma corda daqui, uma dalí e pouco antes de chegar ao chão, o para-quedas estabilizou e ele pousou suavemente. No período que voamos juntos ele me contou muitas estórias, e tentou me convencer a decorar o código Morse, que ele sabia de cór. Mais tarde, voando com um comandante que era tinha fama de ser chato, seu conhecimento do código Morse criou uma estória engraçada. Ao se aproximar de Campo Grande, o Santos Júnior sintonizou no rádio-navegação do avião a estação de Campo Grande, e ouvindo o código Morse que esta estação emite, ele a identificou corretamente, e anunciou: -Rádio estação Campo Grande sintonizada e identificada! Pois o Comandante, que não viu ele checar na carta de navegação os "pontos e traços" correspondentes àquela estação e não sabendo que ele sabia de cór, foi logo falando: -Não é só ouvir o "di-di-di, dá-dá-dá" tem que verificar na carta! E a resposta veio logo:-Pois eu sei o código morse de cór, e já está corretamente identificado, respondeu com segurança o "escoteiro/radionavegador". O comandante, incrédulo, rapidamente o testou se ele sabia mesmo e engoliu em seco dando razão a ele. Outra estória foi também com este comandante, e na verdade, antes do episódio anterior. Durante o procedimento de partida dos motores, ele começa a fazer perguntinhas ao Santos Júnior, testando o conhecimento do co-piloto. Perguntas do tipo: qual é a temperatura máxima permitida para os motores, ou qual a pressão de óleo durante a partida? Santos Júnior, que não tinha nada de bobo, perguntou se ele por acaso ele exercia a função de comandante examinador, e se aquele era um voo de exame para ele. -Não, não sou examinador, respondeu o comandante. Santos Jr. então perguntou se ele estava perguntando pois queria testar conhecimento, ou se era porque ele mesmo não sabia e estava com vergonha de dizer. -É só um "bate-bola". -disse o comandante, já estranhando a relutãncia do copiloto em responder. Foi então que Santos Jr. propôs: Então vamos fazer o seguinte, eu escrevo num papelzinho os valores e você escreve também, depois nós comparamos para ver as respostas. Era muito esperto esse Santos Júnior! Um grande colega, um grande coração.