segunda-feira, 26 de setembro de 2011

D.M.


O corpo humano é uma máquina fantástica, não para, está sempre trabalhando! Mas de tempos e tempos ele avisa que não está legal, e trabalhar nestas condições pode ser um sério golpe. Viajar de avião, sujeito ao ar condicionado e pressurização por longos períodos, se deslocando de uma região para outra com climas completamente diferentes, só tende a agravar qualquer mal estar físico, por isso nestas horas os tripulantes podem entrar de dispensa médica, a famosa DM. Sair para voar com um simples resfriado pode ser uma péssima decisão, pois este resfriado tende a se transformar em sinusite, e aí o que poderia ser solucionado em poucos dias necessitará mais tempo parado e medicamentos mais fortes, tais como antibióticos. Além disso, voar com as vias respiratórias congestionadas não só causa desconforto em função da pressurização como ainda há o risco de perfuração dos tímpanos em caso de uma despressurização do avião. Febre a 35 mil pés de altitude é um verdadeiro tormento e até um risco para o voo se quem está com febre for um dos tripulantes.
O procedimento para entrar de DM bem é simples, basta avisar a escala de voos, e posteriormente, munido de um atestado médico, comparecer ao serviço médico da empresa para ser examinado, e a dispensa validada. Mas se entrar de dispensa médica é simples, retornar ao voo pode ser um pouco mais complicado, pois a liberação para o tripulante voltar ao trabalho fica a critério do serviço médico da empresa, que pode prolongar a DM, e até exigir exames médicos complementares. A partir do décimo quinto dia consecutivo de DM, o tripulante entra de licença pelo INSS, e neste caso o retorno ao trabalho fica mais difícil, com uma consequente redução nos rendimentos. Na “velha Varig” não era raro ocorrer um acordo entre tripulante, escala, serviço médico e chefia de pilotos, em que após um período de 13 dias de DM, o tripulante era liberado (mas ficava dispensado pela escala de voos), para dois ou três dias depois entrar em nova DM.
A maioria dos tripulantes, em especial os pilotos, possui um índice muito baixo de dispensas médicas. Outros são assíduos no serviço médico; problemas crônicos de coluna, gripes, rinite, tendinite e outros “ites” estão sempre à espreita. Há as dispensas por conta de fraturas e necessidades de cirurgias, acompanhadas atentamente pelo serviço médico da empresa, inclusive para evitar fraudes. Há ainda os problemas emocionais que também costumam afastar os tripulantes de suas atividades.
Há uns anos atrás eu tive que recorrer ao serviço médico para uma dispensa por conta de estresse. Minha filha estava com três anos de idade e numa cadeira de rodas, já que estava com uma perna quebrada, e minha mulher estava nos últimos dias de gravidez do segundo filho. Aflito com esta situação e apreensivo quanto se eu estaria por perto no dia ”D”, um dia eu acordava com febre e no outro com certo desarranjo intestinal. Fui ao serviço médico e conversando com a Doutora (especializada em medicina da aviação) ela me deu uma semana de DM. Com a cabeça tranquila o corpo ficou bom, e aquela semana coincidiu com o nascimento do meu filho.
Embora eu saiba que não se deve voar doente, a verdade é que eu não gosto de pedir DM! Quero sempre acreditar que a tosse é só uma leve irritação, e que o mal estar da noite anterior foi algo sem importância. Além disso, eu gosto do trabalho, e fico um pouco frustrado em não cumprir minha escala de voos. Por fim há o inevitável prejuízo financeiro ao deixar de voar. Voar doente é ruim, perder horas de voo também. A empresa não deseja que seus tripulantes fiquem saindo de voo por motivo de dispensa médica, e às vezes torna o procedimento para a volta ao voo tão demorado que o tripulante pensa duas vezes antes de pedir DM. Por outro lado a empresa sabe que tripulante voando sem condições adequadas de saúde, além de riscos para a segurança do voo, pode trazer mais transtorno para a “malha de voo” do que se tivesse pedido dispensa. Para a escala de voos, pior que o tripulante ficar em casa é ele se sentir mal em algum hotel e não poder assumir a programação.
Ficar doente fora de casa é uma das piores coisas que pode acontecer a um tripulante. A Varig possuía em cada uma das cidades onde os tripulantes pernoitavam um médico que em caso de necessidade nos atendia. O problema é que após examinados e medicados, podíamos ser impedidos de voltar para casa por um ou dois dias. Ficar doente em um quarto de hotel não ajuda em nada, por isso muitos já assumiram voo com a finalidade de voltar para casa, em condições de saúde precárias.
Numa ocasião, há muitos anos, eu tinha um voo para Recife, mas não estava bem, estava bem gripado. Não queria dar DM, pois era véspera do Ano Novo e poderia parecer suspeito, além do mais, o remédio que eu havia tomado tinha feito efeito e após algumas horas eu estava me sentindo melhor. No dia seguinte voltei a me sentir mal, mas aí era tarde. Conversei com o comandante do voo que disse que me apoiaria tanto se eu pedisse dispensa quanto se eu preferisse seguir no voo. Mais remédios, repouso e segui na programação. Foi péssimo, decolamos de Recife na virada do ano, e após algumas escalas pousamos em Brasília ao amanhecer. Passei o primeiro dia do ano à base de Tylenol e cama! Dia dois de janeiro eu cheguei em casa, abatido e profundamente arrependido de ter sido teimoso e ter saído para voar sem condições.  Por isso um conselho: não vá voar se sua saúde não estiver legal!


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Altos e baixos


Ao trabalhar em empresas aéreas podemos ter passagens a preços fantásticos, sendo que, exceto pela taxa de embarque, que não há como fugir, uma vez ao ano a passagem sai de graça. Mas estas passagens são sujeitas a disponibilidade de assentos, portanto, nunca se sabe que tipo de acomodação vamos conseguir, e mesmo se vamos conseguir! Atualmente não há voos vazios, então...
     Nosso destino final era Munique, com conexão em Londres, voando de British Airways. Nos dias que antecederam o nosso embarque, minha mulher vinha acessando o sistema de reservas da empresa para verificar a disponibilidade de assentos. A previsão era de voo cheio, mas ainda havia alguns assentos livres. No dia da viagem o sistema indicava haver apenas três assentos livres, sendo dois na executiva e um na primeira classe. Preparados para tudo, inclusive para não conseguir embarcar e ter que voltar para casa, nos despedimos dos filhos e seguimos para o aeroporto.
    No balcão de ckeck-in soubemos que o voo estava completamente lotado, e que além de nós, havia outros funcionários na mesma situação. Quando há vários funcionários com “staff travel ticket”, a prioridade costuma ser daquele que está há mais tempo na empresa, e no nosso caso, felizmente, éramos o número um na lista. No dia anterior nem todos conseguiram embarcar, por outro lado o comandante do voo ainda poderia liberar “jump seats”, nossa sorte ainda não estava selada! Viajar num “jump seat”, que são aqueles assentos usados pelos tripulantes, não é fácil. Eles não reclinam, e não há um serviço de bordo, fica-se dependendo da boa vontade da tripulação.
 De posse de um cartão de embarque “standby” seguimos para a imigração e para o portão de embarque. A cada instante vislumbrávamos uma possibilidade: um up-grade para a primeira classe, viajar confortavelmente na executiva, amargar um “jump seat”, ou voltar para casa. Os passageiros estavam embarcando e tivemos a boa notícia de que havia dois assentos na executiva. Instantes depois, uma mudança: havia um ministro, com passagem da Tam, que vinha correndo para embarcar no British! Finalmente nosso embarque foi autorizado, viajaríamos em “jump seats”!  A dez metros para entrar no avião fomos surpreendidos com a última alteração e recebemos dois cartões de embarque com assentos na classe executiva! Assentos separados é verdade, mas isto foi um detalhe fácil de ser solucionado e logo estávamos sentados lado a lado. Os quatro “jump seats” foram ocupados por outros colegas da empresa.
Embora tenha havido um pequeno atraso,vinte minutos não é nada para um voo tão longo, a viagem foi ótima. O Jumbo 747-400 é um avião incrível, e a configuração da British Airways é primorosa. Champagne no embarque, vinho na refeição, um bom filminho e capotei!