Todos os acidentes possuem vários fatores contribuintes, dificilmente um fator isolado pode derrubar um avião. No caso deste último acidente, parece que um dos fatores foi o mau tempo que havia na rota. Pelo que vi na internet esses dias, havia formações meteorológicas muito intensas e cobrindo uma área muito grande. Já voei várias vezes naquela rota, e já vi muito tempo ruim por lá, mas os pilotos sempre encontram uma passagem entre as nuvens de CB's, que se não é um caminho de tempo bom, pelo menos se acha um caminho menos ruim. Toma-se as precauções necessárias (aviso de apertar os cintos; sistema de anti-gelo do avião ligado; anúncio aos passageiros e etc.) e sempre se chega do outro lado. As vezes os desvios devem ser realmente longos, muitas vezes entrando em rotas adjacentes, sendo que ao entrar nas rotas adjacentes, ou obtemos autorização via rádio, ou usa-se procedimentos padronizados de contingência para quando não se consegue o contato rádio para obter tal autorização. Já que falei em comunicação, na região do Atlântico muitas vezes não conseguimos contato com a área de Recife, e principalmente com a área de Dakar, que faz a coordenação em boa parte da região. Já voei mais de 90 minutos na área de Dakar sem conseguir contato com eles. Essas nuvens de CB são realmente grandes e cheias de atividade dentro delas. Correntes de ar ascendentes e descendentes, muito gelo, água e turbulência. São nuvens que sempre evitamos com desvios. Só se entra em uma nuvem dessas se não houver alternativa. Nesses 24 anos voando, sempre encontrei uma alternativa. Na região sul/sudeste do Brasil, freqüentemente há as chamadas “linhas de instabilidade, que são vários CB's que avançam em linha, muitas vezes com centenas de quilômetros de comprimento. Essas frentes vem da Argentina, onde nascem as frentes frias, e avançam rápido, com muita intensidade. Os CB's nesta região não são tão altos como na linha do Equador, mas são muito fortes, então podem ser necessários desvios muito grandes para se atravessar uma linha dessas. Já houve casos de vôos de São Paulo para Buenos Aires, onde o vôo teve que efetuar desvios de 90 graus à esquerda, voando por mais de 200 quilômetros antes de achar uma passagem. Já houve casos do vôo retornar, pois os pilotos julgaram que não havia uma passagem segura, ou que até poderia ter, mas o desvio seria tão grande que aumentaria significativamente o consumo de combustível, inviabilizando a autonomia para se atingir o destino com segurança. Lembro de um caso ocorrido em 1986, onde um vôo de Boeing 727 decolou de Guarulhos com destino a Foz do Iguaçu. Havia um “paredão de CB’s”, uma linha de instabilidade na rota,e o comandante achou um caminho. Um caminho péssimo! Rachou o pára-brisas da cabine, amassou toda a lataria do avião, passageiros passaram mal,teve um início de despressurização, enfim ,foi um filme de horror! Melhor teria sido não ter enfrentado e retornado. O Boeing 727 é um avião ultrapassado, mas um excelente avião, que quase não possui automatismo. A aviões Boeing, mesmo os mais modernos, possuem um automatismo excelente, mas não tira dos pilotos a capacidade de realizar determinadas manobras ou ações. Em 1988 eu voei o Airbus, mas o A-300 que voei na época é um projeto dos anos 70, portanto sem tanto automatismo. Hoje em dia todos os aviões fabricados pela Airbus são muito automatizados, o que,na minha opinião acaba tirando dos pilotos a capacidade de controlar o avião em determinadas situações. Não foi apenas o acidente com o Airbus da TAM em Congonhas, mas vários outros com Airbus onde sempre havia um componente eletrônico que deu defeito. Costumo fazer uma analogia,comparando um automóvel Jeep 84 com um Jeep 2009. Qual é melhor? Bom, o 2009 possui mais conforto, mais economia e sistemas automáticos, ao contrário do 84. Mas qual será o comportamento dele no momento de subir uma ribanceira com terreno irregular? O 84 talvez tenha um câmbio meio duro, mas vai engatar a tração 4x4 e vai seguir em frente. O 2009, vai ter a tração 4x4 dependendo de um comando eletrônico, que vai enviar um sinal para os sistemas das rodas e através de outro componente eletrônico, ativar a tração nas quatro rodas. Uma falha em algum componente vai inviabilizar a manobra, enquanto o 84 já subiu a tal ribanceira. Em minha opinião ,os Airbus são muito automatizados, e isso pode ter sido um fator contribuinte para os pilotos perderem, ou não conseguirem restabelecer o controle do avião ao enfrentar o mau tempo. O próprio radar meteorológico dos aviões possui, hoje em dia, um controle automático do ângulo da antena. A Antena do radar, que fica no nariz do avião, possui um controle, que quando estamos pousados, ajustamos com ângulos de +5 graus para visualizar o céu em busca de nuvens. Ao voar nivelados, ajustamos com ângulo de -1 grau aproximadamente para receber o retorno das formações meteorologias. Voando em tempo ruim, ou mesmo em tempo bom à noite, os pilotos devem ficar constantemente de olho no radar, efetuando ajustes constantes na antena e no brilho e ajuste de retorno de imagens do radar. Há técnicas para o melhor ajuste da antena, e parece que quanto mais antigo o piloto, mais complexo pode ser esse ajuste. Mas com um bom e constante ajuste manual, com certeza consegue-se uma imagem melhor que o ajuste automático. Então,penso que mais uma vez o automatismo pode estar atrapalhando, pois os pilotos podem se tornar complacentes quanto ao controle do radar. Veja o que ocorreu a cerca de 20 dias com o Airbus (igualzinho o da Air France) da TAM na chegada em Guarulhos. Em minha opinião, o avião entrou inadvertidamente onde não deveria ter entrado. Ontem estava conversando com um colega que voa o Airbus A-320, que comentou que realmente há proteções nos sistemas de vôo automático, onde o piloto automático toma ações que os pilotos não tem como interferir, nem desligando o piloto automático! Ele não aceita. Lembram do filme 2001 Uma Odisséia no Espaço? Aviões modernos possuem proteções para o caso de atingir velocidades mínimas ou máximas. Se atingir a velocidade mínima, a potência dos motores é automaticamente aumentada, e o piloto automático comanda uma descida para que a velocidade aumente. De maneira inversa, se atingir a velocidade máxima, a potência será reduzida, e o avião inicia uma subida para que a velocidade seja reduzida. Na linha Boeing, e do MD-11, isso é verdadeiro até que o piloto automático e o sistema de potência automática sejam desligados pelos pilotos. Na linha Airbus não. Mesmo desligando, ou tentando desligar, o automatismo toma conta do vôo! Segurança? Sim, porém esta tirando dos pilotos a capacidade de agir. Os aviões possuem capacidade aerodinâmica para efetuar uma manobra de 360 graus em torno do seu eixo longitudinal. Os Airbus também, mas os computadores não permitem. Ainda sobre CB’s, as vezes na descida e aproximação para pouso temos que passar pertinho deles, e muitas vezes dentro deles. Mas quando isso ocorre, estamos voando mais baixo, por exemplo, a 10 mil pés (em cruzeiro voamos de 31 mil a 41 mil pés de altitude) onde não há formação de gelo, e principalmente onde a diferença entre a velocidade máxima permitida e a mínima é bem grande. Explico: Há uma velocidade mínima para o vôo, onde abaixo dela, o ar que passa sobre a asa teria o fluxo turbilhonado causando a perda da sustentação, e a velocidade máxima, onde algo parecido ocorre. A 10 mil pés, por exemplo, podemos voar a 250 milhas por hora, e a velocidade mínima é de 200 e a máxima de 320, portando em caso de turbulência e variações na velocidade, temos uma boa margem até os limites. Quando o avião sobe, estes limites ficam menores, sendo que a 35 mil pés (nível de vôo do air France), dependendo do peso, as margens para as velocidades mínimas e máximas são pequenas. 15 ou 20 milhas de variação pode ser suficiente para se atingir a mínima ou máxima. Em vôo, antes de aceitarmos um nível de vôo, devemos verificar nosso peso, e se há ou previsão de turbulência, desvio e etc., pois quando efetuamos uma curva, momentaneamente as margens de velocidade diminuem. No caso do Air France, eles devem ter entrado no mau tempo, não acharam uma brecha para passar, talvez não tenham visualizado corretamente o mau tempo à frente através da tela do radar meteorológico. A tripulação era experiente, composta por 3 pilotos.Nestes vôos, exceto na decolagem, subida, descida e pouso, um dos pilotos está descansando em uma caminha fora da cabine de comando, sendo que voando em 3 pilotos o melhor período para se descansar é o período do meio. Possivelmente tudo pode ter se passado no período em que o comandante do vôo estava em seu repouso. Ambos os co-pilotos, o Sênior e o outro, eram experientes o suficiente para saber efetuar os desvios necessários. Talvez tenha havido tempo para que o Comandante saísse de seu descanso para ver o que estava ocorrendo, talvez não. Já comentei que quando não dá para atravessar uma área de mau tempo uma solução é retornar. Nesta rota do Atlântico, nunca ouvi falar em alguém retornar por mau tempo! Se essa possibilidade passou pela cabeça dos pilotos da Air France, deve ter sido descartada. Em mau tempo, com vento e turbulência, a variação da velocidade do avião vai ocorrer, e aí o automatismo vai tentar corrigir. Parece que houve panes elétricas e de pressurização, que não se sabe se foram ou não decorrentes do mau tempo, ou se por causa das panes os pilotos tenham tido que enfrentar os CB’s. Quando há uma falha total dos sistemas elétricos, para que o avião não fique apenas na bateria, existe um sistema onde uma pequena hélice é abaixada da fuselagem do avião para gerar energia para boa parte dos componentes. Não teria funcionado este sistema? Ou os pilotos na cabine não teriam comandado? E se não comandaram, foi por qual motivo? Há que se aguardar as investigações, pois tudo que se disser, são apenas opiniões. Em minha opinião, a Indústria Aeronáutica deveria repensar o excesso de automatismo nos aviões, e agora voando sobre o oceano, os pilotos devem considerar a possibilidade de regresso. Há um adesivo que diz: IF IT’S NOT BOEING, I’M NOT GOING!