Houve um tempo em que os trotes eram comuns para os calouros da aviação. Os tripulantes em seus primeiros voos de instrução já estavam prevenidos quanto a eles, mas era inevitável que caíssem nas pegadinhas que os veteranos aprontavam. Os comissários e principalmente as comissárias, eram alvo fácil e em muitas das brincadeiras, com exceção da vítima, todos os demais tripulantes estavam mancomunados.
Havia um trote clássico onde um dos comissários, geralmente o chefe de equipe, besuntava o interfone de manteiga e ligava de uma galley à outra para que o incauto atendesse. Brincadeira inocente, que as comissárias com suas maquiagens odiavam!
Havia um trote clássico onde um dos comissários, geralmente o chefe de equipe, besuntava o interfone de manteiga e ligava de uma galley à outra para que o incauto atendesse. Brincadeira inocente, que as comissárias com suas maquiagens odiavam!
Durante o voo de cruzeiro o copiloto ficava batendo na lateral direita da cabine próximo à janela e estas batidas reverberavam na galley dianteira, onde o chefe de equipe chamava o comissário novinho para ouvir aquele barulho. Logo eles “concluíam” que as batidas vinham do porão de carga, bem abaixo do piso, e iam à cabine de comando levar o caso ao comandante. Só podia ser alguém do carregamento que ficara preso no porão!
O novinho, ou a novinha, era instruído a periodicamente bater forte no piso para que o suposto homem preso no porão se mantivesse ativo e esperançoso de não congelar durante o voo. Próximo ao pouso uma nova instrução era dada à vítima do trote: preparar um café bem quente e separar uma manta para no momento do desembarque, assim que a porta fosse aberta, levar imediatamente ao coitado que devia estar morrendo de frio. Era hilariante ver a comissária correndo para o porão de carga levando café quente e manta!
Havia um comandante que era mestre em aplicar trotes. Se o voo fosse noturno e houvesse algum comissário em instrução, ele aplicava o truque do “piloto sumiu”. Com a iluminação da cabine de comando reduzida e com o auxílio de uma manta, ele e o copiloto se encolhiam ao lado dos seus respectivos assentos sobre uma caixa de manuais. Neste momento o chefe de equipe pedia ao comissário em instrução para ir à cabine de comando ver se os pilotos estavam precisando de algo. Alguns, apesar do susto inicial, logo percebiam a farsa, mas outros realmente acreditavam que os pilotos não estavam na cabine, e é claro que o chefe de equipe “dava corda” e esticava a brincadeira até onde fosse possível. Ok, ambos os pilotos se esconderem ao lado dos seus assentos com o avião em voo de cruzeiro não é nada recomendável.
Este mesmo comandante também gostava de estar no destino para receber seu próprio voo no momento do desembarque! Chegando a aeroportos menos movimentados; Macapá, por exemplo, assim que ele estacionava a aeronave e desligava os motores, preparava uma surpresa para os comissários. Rapidamente abria a janela da cabine de comando e, com o auxílio de uma corda, a emergency escape rope (um equipamento para usar em caso de necessidade de uma evacuação dos pilotos pelas janelas), ele descia e aguardava os comissários abrirem a porta para o desembarque. Era sempre um susto!
Outra pegadinha muito popular que eu e vários outros comandantes gostávamos era fazer com que a comissária acreditasse que estava taxiando o avião. Antigamente era muito comum um dos comissários acompanhar o pouso na cabine de comando, e aí era a chance de aplicar a pegadinha.
O taxi do avião é feito pelo comandante, que atua com a mão esquerda um pequeno volante. Este volante fica fora da visão de alguém que esteja sentado no “jump seat” da cabine, no caso a comissária em instrução. No console central dos aviões, há o estabilizador lateral que é uma rodinha com marcações numéricas. Para o comissário em instrução, entrando na empresa com 20 anos de idade e se deparando com uma novidade atrás da outra, qualquer coisa que os pilotos ou o instrutor digam é entendido como uma verdade absoluta! Então ao abandonar a pista dizíamos ao comissário que ele, ou ela, iria taxiar o avião.
Era só instruir a comissária a girar a rodinha, o estabilizador lateral, para um lado ou outro que o avião seguiria naquela direção. Enquanto a vítima do trote comandava o suposto taxi do avião, o comandante com a mão esquerda era quem de fato estava controlando a situação. Alguns “taxiavam” com bastante tranquilidade, outros ficavam bastante aflitos e chegavam a suar durante a manobra, principalmente quando o comandante efetuava pequenos “erros” na trajetória enquanto o copiloto alertava para a necessidade urgente de corrigir a direção. E não era só isso! No 737-200 há uma haste que dizíamos que era o freio, bastando movimentá-la verticalmente. Era muito engraçado ver a comissária aflita, nervosa e no final orgulhosa de ter ela própria taxiado o avião.
Este tipo de brincadeira é cada vez mais raro na aviação comercial. Os comissários não podem pousar na cabine, devem estar em suas posições, o que é corretíssimo. A lista de trotes é extensa, ainda mais se considerarmos as pegadinhas que eram feitas durante os pernoites.
Não acho que éramos menos profissionais no passado, mas a verdade é que hoje em dia a busca por este tal profissionalismo tornou o trabalho mais “amarrado”, menos descontraído e mais preso às regras e procedimentos. Hoje, o máximo do trote é “prender” o comissário novinho no corredor do avião, com o auxílio de dois carrinhos de alimentos,neste momento o chefe de equipe ou o comandante efetua um anúncio aos passageiros dizendo, por exemplo, que o comissário fulano de tal vai ser pai de trigêmeos. Ou dizer que a comissária que está no corredor vai se casar no dia seguinte. Os passageiros aplaudem e a vítima fica sem graça.
Nada que se compare às brincadeiras do passado!