Ah! Bons tempos aqueles quando além dos dois pilotos havia também o engenheiro de voo na cabine! O engenheiro de voo, o FE -flight engineer- também chamado de mecânico de voo, esteve presente na cabine de comando dos grandes aviões comerciais por muitos anos até que a tecnologia tornou sua presença desnecessária. Eu tive a sorte de voar dois aviões em que o FE fazia parte da tripulação e só tenho boas recordações.
O Electra foi um deles, aliás, alguns diziam que o Electra podia voar sem o copiloto, talvez até sem o comandante, mas não sem o FE! Embora o comandante fosse o responsável, era atribuição do FE o monitoramento de uma serie de parâmetros, tais como temperaturas, RPMs, pressões, voltagens e amperagens de cada um dos quatro motores. Como os Electras eram aviões antigos e sem qualquer dispositivo eletrônico para coleta de dados dos motores, durante o curto trajeto da Ponte Aérea o FE tinha que anotar em uma planilha uma serie informações de consumo de combustível para que posteriormente a área de engenharia da manutenção pudesse acompanhar o desempenho de cada um dos motores. Trabalhavam muito os FEs do Electra, tanto é que eles dificilmente acompanhavam o comandante e o copiloto nos passeios pelo saguão do aeroporto.
Com um conhecimento de mecânica (motores, hidráulica, sistemas de combustível etc.) mais abrangente que o dos pilotos, voar com eles na cabine era um conforto e uma segurança adicional. Também era responsabilidade deles a leitura de check-lists, análise de tabelas, preenchimento de cartões de performance e anotações burocráticas nos livros de bordo. Durante o tempo de solo eles desciam para verificar as condições da aeronave (a inspeção externa) e mantinham um contato estreito com o pessoal da manutenção.
O outro avião que eu voei com “flight” foi o Airbus A-300. Um avião espetacular, que ao contrário do Electra que o não tinha um painel exclusivo para o FE, o A-300 possuía um painel lateral de onde operava os diversos sistemas do avião. Este painel, que possuía uma mesinha e uma gaveta, era também conhecido por “penteadeira”. Durante as decolagens e pousos o “flight” deslizava sua cadeira se colocando de frente para o console central dos pilotos auxiliando no ajuste e monitoramento da potencia, mas durante o voo ele sentava lateralmente cuidando do seu painel. Naquela época, voando o Airbus com o pessoal oriundo da Cruzeiro, havia duas gerações de FEs; os da “velha guarda”, com mais de cinquenta anos de idade e os mais novos com pouco mais de trinta anos. As estórias que eles contavam eram muito divertidas, não tinha monotonia na cabine.
Para os pilotos a presença do terceiro homem sempre foi sinônimo de segurança, mordomia e companhia.
Embora não houvesse necessidade de possuir uma formação em mecânica, a maioria dos “flights” eram mecânicos de aviões ou comissários de bordo que um dia tiveram a oportunidade de passar para a cabine de comando.
Em 1986 estava claro que a presença dos FEs na cabine de comando de aeronaves comerciais estava chegando ao fim, já que após o lançamento do Jumbo 747-300 no final de 82, não havia nenhum outro projeto de avião com o terceiro homem na cabine. Muitos deles, em parte por perceber a ameaça ao emprego num futuro próximo e em parte por um desejo genuíno, tiraram as licenças para se tornar pilotos e após uns anos voando na função de copiloto foram promovidos a comandante.
Apesar de quase trinta anos sem que novos aviões com FEs sejam fabricados, alguns dos antigos aviões continuam voando pelos céus do mundo, em sua maioria aviões convertidos para o transporte de carga.