Nove horas da noite e eu estou em Manaus, assistindo
TV. Deveria estar dormindo, mas como dei uma cochilada a tarde, não consigo. A decolagem será às três da madrugada num voo
para o Rio de Janeiro onde, após uma escala de uma hora, farei uma segunda
etapa para Recife pousando lá às onze da manhã. Aqui, sentado na cama, fico
pensando na hora em que vou cair exausto em outra cama, no hotel em Recife!
Programar e efetivamente conseguir
descansar adequadamente antes de cada voo é um verdadeiro desafio na vida de um
tripulante. Os ciclos de descanso e vigília a que estamos sujeitos são muito
inconstantes.
Vejamos uma situação típica:
O primeiro
dia de uma programação começa com a decolagem no final da tarde e encerra às
duas e meia da manhã. Você segue para o hotel e quem sabe consegue dormir às
quatro da manhã. Os mais jovens conseguem esticar o sono até meio dia ou além.
Os mais velhos (meu caso) dificilmente conseguem ir além das dez da manhã. No
segundo dia a condução está marcada para as duas da madrugada então você deve
dormir bem cedo. Mas quem disse que o corpo consegue? Afinal de contas, no dia
anterior este era o período de vigilância! Serão 4 ou 5 dias trocando a noite
pelo dia, e ao chegar em casa você está cansado, seu ciclo circadiano confuso. É
necessário mais de uma folga para as coisas voltarem ao normal.
A programação
seguinte também é uma daquelas que você gostaria de ter em seu corpo um botão
liga/desliga. Com decolagens entre 5 e 6 da manhã, o despertar será cedo, bem
cedo. Um dia de folga e há uma nova programação, agora com voos decolando à
noite. O corpo não entende; agora nada de dormir cedo, pelo contrário, a vigília
terá que ser até o nascer do sol!
Não
é fácil. Cada um tem sua estratégia e a que mais funciona é aquela que diz para
não deixar para depois a dormida que pode ser realizada agora! E se há a
estratégia para dormir, há também para se manter desperto durante os voos:
comer é algo que se pode fazer na hora que o silêncio e escuridão da cabine de
comando estão fazendo seus os olhos fechar. O problema é que este método
engorda. Uma solução é levar um punhado de mexerica ou outra fruta bem
perfumada. Café e chá são os clássicos da madrugada e há vários métodos para se
preparar um bom cafezinho. Numa destas viagens, quando o sono de um estava
contagiando o outro, o copiloto me ofereceu um café passado na hora; fez um
furo embaixo de um copo de plástico e com um coador de papel improvisou um
filtro. Ficou ótimo o café e nos manteve desperto, pois todo este processo
levou tempo.
Ler é uma boa atividade, mas cuidado: dependendo
do conteúdo a leitura poderá aumentar ainda mais o sono e por outro lado, se a
leitura estiver muito boa, o nível de atenção ao voo vai cair um pouco. Vale
tudo; ficar em pé, ir ao banheiro, acender a luz da cabine, conversar e até,
dependendo das condições do voo (tempo bom, sem turbulência) e do seu
companheiro na cabine de comando, dar um cochilo.
O que me consola ao me ver acordado na
cama, quando deveria estar dormindo, é que tem dado certo. Nestes anos todos, com
ou sem o descanso apropriado, sem ter o tal do botão liga/desliga, eu chego ao
final da programação achando que até que não foi tão terrível assim. Acho que é
o instinto de sobrevivência.