Quando comecei a voar na Varig, em 1986,
recebíamos duas malas, uma média que era usada nos voos domésticos e que
carregávamos na cabine e uma outra,
grande, que era usada nos voos internacionais e viajava no porão de bagagens do
avião. Eram malas robustas, de madeira,
pintadas de azul com o logo da Varig e o interior forrado de tecido. Alguns
anos depois, além da média e grande, surgiu uma versão pequena, que chamávamos
de “pochetinha”, sendo que nenhuma delas era equipada com rodinhas, novidade
que surgiu no final da década de 80. O que tínhamos e era usado principalmente
na aviação internacional, eram os carrinhos de malas; Continental I,
Continental II, Concorde e outras versões que, apesar do monta e desmonta, eram
a salvação.
Tripulante carrega cada tranqueira na mala!
Já vi colegas levarem álbuns de
fotografias, patins, pesos para exercício, livros para estudo, material de
costura/crochê, roupas que com certeza não serão usadas, baralho, tubos enormes
de desodorante e xampu e até “brinquedinhos” eróticos. Recentemente voei com um
casal de comissários que carregavam o próprio lençol de cama, pois diziam que
já tinham tido problemas com lençóis contaminados. Atualmente muitos destes
itens foram agregados ao computador que virou mais uma tralha na mala, lógico
que acompanhado dos fios, extensões, adaptadores, memórias, etc.
Quando voava o Electra na Ponte Aérea, a
mala estava sempre leve pois carregava apenas um pulôver e uma pequena
nécessaire, já que não havia pernoites. Mais tarde, voando o Airbus A-300 isso
mudou. Passei a carregar algumas tralhas na mala. Com voos de cinco dias para
Fortaleza e Manaus, eu carregava meu walkman, umas três ou quatro fitas
cassetes e mais um par de autofalantes para ouvir música no quarto do hotel.
Algumas vezes carregava raquetinhas de
frescobol, além dos óculos de natação. Na Varig havia uma certa rigidez quanto
a padronização das malas e carregar sacolas não era permitido. Mas voando o
Airbus onde a maioria dos comandantes eram oriundos da Cruzeiro do Sul, esta
rigidez não existia e eles carregavam , além da mala, uma sacola com o logo da
Cruzeiro que eles chamavam de “xepa”. Pois eu tratei de comprar uma sacola azul
com o logo da Varig e meus problemas acabaram; dava para carregar tudo e ainda
sobrava espaço para a castanha de caju, a garrafa d’agua, o jornal, as boas
compras da Zona Franca de Manaus e as “pilhas” geladas, que eram as latinhas de
cerveja que levávamos para o pernoite.
Certa vez,
num pernoite em Curitiba, combinei de sair à noite com o copiloto para
tomarmos uma cervejinha. No horário combinado eu liguei para ele, que
disse estar um pouco enrolado e para eu dar um pulo no quarto dele. Lá chegando
eu vi sobre a cama um tabuleiro de Gamão e achei incomum, o tipo de tralha que
eu ainda não tinha visto. O Assis me explicou que o jogo era da filha dele, que
ela estava insistindo para ele levar nos pernoites e aprender a jogar. Perguntou
se eu sabia jogar e diante de um oponente que dizia estar aprendendo, eu logo disse que sim, que era fera no gamão! - Pois então antes de sairmos vamos fazer um
joguinho, assim eu posso aprender melhor os movimentos do gamão. – propôs
ele.
O Assis disse que tínhamos que apostar
algo para dar mais emoção ao jogo, nem que fosse a rodada de chopp. Meu avô já
dizia: eu teimo mas não aposto! Mas um
chopp não haveria de fazer mal apostar. No primeiro jogo ele deu sorte nos
dados e ganhou. Na segunda eu tive azar e ele venceu novamente. No gamão o
valor das apostas podem ser dobrados e até quadruplicados, assim ao final da
segunda partida eu já estrava devendo algumas canecas para o Assis. Vamos mais
uma, desta vez a sorte vem para o meu lado! Não teve jeito,
fui derrotado mais uma vez. Foi quando o Assis não aguentou e revelou a farsa:
ele era fera no gamão, ranqueado com vários títulos e profundo conhecedor, não
apenas das técnicas do jogo, mas também da história e filosofia do gamão. Como
eu pude cair neste golpe? Perguntou ele. Ele jamais carregaria um tabuleiro
daquele tamanho se ele não soubesse jogar.
Ele contou que vários outros comandantes já
haviam caído no golpe do gamão. O Assis é um cara sensacional e minha dívida
foi fácil de ser equacionada pois troquei chopp por decolagens e pousos. Nos
dois dias seguintes de nossa programação, só ele pousou e decolou o 737.