Tesoura de vento, ou windshear com é conhecido na aviação, é um fenômeno meteorológico onde há uma súbita mudança no gradiente do vento, ou seja, na velocidade e direção do vento em uma pequena região. Fortes rajadas descendentes podem afetar significativamente a performance das aeronaves que estão nas fases de decolagem e pouso quando a velocidade e a altitude são relativamente baixas. Nuvens de trovoadas com chuva podem causar “microburst e downburst”, cujas rajadas são tão intensas que podem até derrubar um avião voando próximo a área do aeroporto.
Após inúmeros acidentes aéreos nas décadas de 70 e 80, a industria aeronáutica, através da NASA, realizou um amplo estudo para conhecer uma windshear. A partir daí, foi desenvolvido equipamentos para a detecção de uma tesoura de vento e se necessário, procedimentos para que os pilotos possam voar por ela com segurança. De 1988 em diante, as aeronaves comerciais passaram a possuir equipamentos de detecção e alerta de winshear. Os equipamentos estão evoluindo com os anos, sendo que as aeronaves mais modernas não apenas detectam a presença, mas também estimam a possibilidade de haver windshear na área à frente dos aviões. Nos EUA, há equipamentos também na área do aeroporto com a finalidade de detecção de winshear. Com isso, o número de acidentes causados por este poderoso fenômeno da natureza, vem diminuindo com o passar do tempo.
Os pilotos e as empresas aéreas, sabem que este fenômeno, frequentemente associado a nuvens pesadas, chegadas de frentes frias ou correntes descendentes vindas de regiões montanhosas, não duram muito tempo, e são restritos a uma pequena área. Assim, se há reporte ou indícios de windshear em determinado aeroporto, a ação mais recomendada é aguardar 10, 15 ou 20 minutos para iniciar o procedimento de decolagem ou pouso. Após este período, as condições de windshear certamente desaparecerá.
Pois bem, a estória que e eu vou contar, aconteceu no aeroporto de Brasília.
A decolagem para Goiânia estava programada para as oito horas da noite e apesar de algumas áreas de chuva no Distrito Federal, as operações eram normais com uma boa visibilidade ainda que houvesse breves momentos de chuva leve sobre o campo. Enquanto os pousos eram realizados em uma pista, seguimos em direção a segunda pista que estava sendo usada para as decolagens. Ao sermos autorizados para a decolagem, sob uma chuva leve, alinhamos na pista efetuando as últimas verificações antes da decolagem. O sistema PWS (predictive windshear system - sistema de previsão de tesoura de vento) é ligado automaticamente ao acelerar os motores na decolagem, e faz uma varredura no segmento adiante da aeronave. Assim, com a aeronave a menos de 40 quilômetros por hora, deu-se o alerta que piloto nenhum gosta de ouvir:. – WINDSHEAR, WINDSHEAR! Além do aviso sonoro vindo dos alto-falantes da cabine, há também um a indicação visual no painel de instrumentos dos pilotos. Imediamente interrompemos a corrida de decolagem, que mal havíamos iniciado. Ficamos surpresos com o alerta, mas verificando a apresentação do radar meteorológico, dava para ver que havia uma grande nuvem de tempestade a cerca de oito milhas à frente da pista. Saímos da pista e informamos à torre de controle que devido ao alerta de WS iríamos aguardar a melhoria das condições antes de uma “nova” decolagem. Nestas situações, cabe aos pilotos decidirem se aceitam ou não a decolagem, a torre de controle apenas informa a situação, até porque naquela noite, os pousos transcorriam normalmente na outra pista que é paralela e separada por apenas 1500 metros de distância.
Neste instante, uma aeronave de outra companhia estava taxiando em direção a cabeceira da pista para decolagem. Apesar de ser informada que nós havíamos interrompido a corrida devido ao alerta de tesoura de vento, e que outro Boeing se encontrava próximo à cabeceira em uso aguardando a melhoria das condições, o comandante disse que tinha condições e solicitava autorização para a decolagem. Alinhou o avião na pista e iniciou a corrida. Instantes de suspense, já que sendo aquele avião também dotado sistema PWS, a probabilidade de soar o alerta e ele também interromper a decolagem era enorme. Correu por cerca de meio minuto, e então ouvímos o ruído dos motores em máxima aceleração reversa quando a corrida foi interrompida! Decolagens abortadas em baixas velocidades são manobras simples, mas quando realizadas em altas velocidades, não apenas exige rapidez de ação por parte dos pilotos, com também causa certo susto aos passageiros. Após livrar a pista em uso, ela seguiu para também aguardar a melhoria das condições meteorológicas.
Mais uma aeronave, agora de uma terceira companhia, saía do pátio principal e também foi informada pela torre de controle sobre a situação. O comandante não quis nem saber e disse que se os outros comandantes não queria decolar era problema deles, mas que ele tinha o direito e desejava prosseguir para a cabeceira em uso. Quanto arrojo, quanta valentia! Este avião, um pouco menos moderno, não era equipado com um sistema que prevê, ainda no solo, a possibilidade de haver uma windshear, mas apenas o equipamento que percebe o fenômeno ocorrendo de fato, com a aeronave em voo. Enquanto o avião seguia para a cabeceira, um gracejo na fonia pode ser ouvido: Macho, macho man! O avião decolou e sequer os pilotos deram qualquer informação sobre as condições encontradas. Pode não ter ocorrido nada, pode ter tido apenas uma turbulência leve ou moderada, ou mesmo um encontro com a tesoura de vento. Não ficamos sabendo.
O comandante do avião à nossa frente, o número um na sequência de decolagem, pediu para aguardar mais uns minutos antes de decolar. O comandante do avião atrás de nós, aquele que interrompera a decolagem em alta velocidade, solicitou instruções para taxiar de volta ao terminal, já que tendo consumido uma quantidade significativa de combustível em sua manobra, necessitava de um reabastecimento de querosene. Porém a torre de controle instrui-o a manter a posição, pois com aviões à frente e à retaguarda, ele teria que aguardar, aprendendo assim, o que todo piloto já deveria saber: que em condições de windshear, não de deve decolar ou pousar, e sim aguardar. Eu, durante todo este tempo, procurei manter os passageiros informados, explicando a eles que devido a ventos com mudanças bruscas de direção e intensidade, nosso equipamento de bordo havia detectado e informado uma condição não segura para a decolagem.
Alguns minutos depois o Boeing adiante de nós decolou, transmitindo a informação de condições normais em voo. Como a nossa interrupção de decolagem havia sido feita em baixíssima velocidade, não houve um consumo signifiticativo, então solicitamos autorização de decolagem. Pousamos em Goiânia com meia hora de atraso, mas apesar da demora, foi um voo tranqüilo, sem surpresas, como deve ser.