O embarque de passageiros enfermos, acidentados, menores desacompanhados e de grávidas, é regulamentado por uma série de regras. Dependendo da doença ou da gravidade do acidentado, é necessário um atestado médico ou mesmo da presença de um médico para acompanhar o passageiro. Para as grávidas, dependendo do estágio da gestação, também é requerido um atestado médico. Acontece que voando pelo Brasil afora, principalmente em rotas que atendem regiões mais carentes de recursos, nem sempre o passageiro consegue cumprir com as regras. Nestes casos, o “problema” acaba caindo no colo do comandante do voo, que, se seguir as normas, o passageiro fica, e se as ignorar, o passageiro embarca.
No passado, na “velha Varig”, não era raro fazermos “vista grossa” para algumas regras para permitir o embarque do passageiro nestas condições. Acreditávamos no bom senso e achávamos que se algo desse errado teríamos o apoio da empresa, que colocaria o departamento jurídico ao nosso favor. Uma das regras que a maioria não se incomodava de violar, era quanto ao código de vestimenta requerido ao passageiro. É que antigamente era vetado o embarque com chinelo de dedo, mas como vetar o embarque de pessoas simples que, por exemplo, viajavam de Cruzeiro do Sul para Rio Branco calçando sandálias Havaianas? É bem verdade que sempre havia um ou outro comandante (geralmente recém promovido e ávido para por em prática seu poder de comando) que recusava o embarque destas pessoas. Felizmente o regulamento mudou e hoje basta estar “calçado adequadamente”. Mas este era um caso simples, mais complicado eram os casos de passageiros doentes e acidentados.
Certa vez, quando eu era copiloto de 737-200 e efetuava voo RG 254 de São Paulo para Belém com escalas, houve uma situação em que as regras foram ignoradas. Em Marabá se apresentou para o embarque um garoto que necessitava seguir para Belém em busca de atendimento médico urgente, pois havia sido mordido por uma cobra. O menino, que deveria ter 12 anos, estava realmente em péssimas condições, com uma das pernas inchada e envolta em ataduras. Ele não viajaria com a mãe ou com o pai, mas em companhia de uma senhora que dizia ser tia dele, e que tinha a incumbência de segurar um frasco de soro que estava sendo ministrado ao garoto. Além de não ter qualquer atestado médico que o liberasse para viajar de avião, ele mal conseguia se sentar corretamente, pois o corpo doía muito. Difícil a situação dele.
O comandante era o Eduardo Silveira, um excelente aviador oriundo da Cruzeiro, que conversando com o pessoal de solo em Marabá, iniciou uma coleta de informações para decidir se levava o garoto naquelas condições ou não. O menino estava vindo do hospital de Marabá que já não tinha como cuidar dele, por isso a necessidade de seguir para Belém. Seguir as regras e impedir o embarque seria uma crueldade. Por outro lado, ignorá-las, seria assumir a responsabilidade caso algo desse errado durante a viagem, coisa que não parecia improvável, tamanho era o sofrimento do menino. O comandante Eduardo fez o que era certo naqueles tempos, e decidiu ajudar.
Me lembro que assim que as portas do avião foram fechadas, fizemos uma operação “high speed”, ou seja, agilizando a partida dos motores, procedimento de taxi e voando na velocidade máxima do Boeing 737. Para o comandante Eduardo, aquela operação high speed era absolutamente normal, pois era assim que os pilotos da Cruzeiro voavam. Na aproximação para o pouso em Belém podíamos observar uma chuva forte sobre a cidade e que se dirigia para cima da pista de pouso. Nos últimos instantes, já cruzando a cabeceira da pista, entramos em uma chuva torrencial. Ainda bem que era o comandante que estava pilotando o avião, pois aquela situação estava além de minha capacidade. Talvez o mais prudente tivesse sido arremeter e aguardar pela melhora das condições, mas de acordo com as comissárias que estavam monitorando o garoto, 20 minutos a mais de voo poderia ser muito para ele. Apesar da chuva forte, foi um pouso perfeito, e assim que o avião foi estacionado, o menino desembarcou antes dos demais, sendo imediatamente acomodado em uma ambulância.
Fui copiloto do cmt. Eduardo Silveira em diversos voos no período de 89/90, e anos depois voamos juntos no MD-11. Ele continua voando aqui no Brasil, e sempre que eu encontro com ele nos corredores de aeroportos nós relembramos daquele voo em que a decisão dele provavelmente significou muito para aquele menino, talvez a própria vida.
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