O primeiro grupo cuida da elaboração da escala mensal dos tripulantes. Não é um trabalho fácil, pois mesmo com programas de computador para este planejamento, as variáveis são muitas, e há certos detalhes que programa nenhum consegue prever. Por exemplo, solicitações de tripulantes que pedem para ter as manhãs de terças e quintas feiras livres (era este o meu caso quando voava na Ponte Aérea da "velha Varig), ou folga para as quartas feiras em função de determinado curso. Esta turma elabora as "chaves" de voos, procurando atender às solicitações de voos e folgas que são feitas pelos tripulantes e ainda cuidando para que os cursos teóricos, simuladores de voo e demais reciclagens periódicas sejam feitas com a devida antecedência. No final de cada mês a escala deve estar pronta, e a partir desta data um novo trabalho se inicia, visando o mês seguinte.
O segundo grupo é a turma da execução. Também não é um trabalho fácil já que eles trabalham em "tempo real" com os acontecimentos, tendo que estar atentos à eventual falta de tripulante em qualquer um dos voos diários da empresa, além de garantir que haja tripulantes disponíveis em reservas e sobreavisos. Nos dias em que a aviação está "enrolada" devido a fechamento de aeroportos, cancelamento de voos por motivos de manutenção ou outros fatores, a sala onde o pessoal da execução da escala trabalha fica uma verdadeira loucura. Várias pessoas falando ao mesmo tempo, telefonemas para demais setores da empresa para atualização de informações e principalmente o remanejamento de tripulantes para efetuarem as programações. Neste momento outras variáveis entram na pauta: um tripulante que não pode efetuar tal voo com pernoite pois está de folga no dia seguinte, ou a comissária que está na "escala mãe", ou seja, ao regressar ao trabalho após o período de amamentação, as comissárias, por um tempo, só fazem programações bate-volta com jornada de trabalho inferior a oito horas por dia. O voo tem que sair, cabe à escala deslocar tripulantes para isso. No final do expediente, o pessoal da execução vai para casa bastante cansado.
Para o tripulante, a relação com a "escala" é uma relação de amor e ódio! Há fases em que amamos a galera da escala, que elaborou uma programação boa, ou que atendeu perfeitamente às solicitações feitas. Em compensação, há dias em que se pudéssemos, esganávamos todos os escaladores que passassem pela nossa frente! A escala mexe não apenas com nossa vida diária, mas também com os nossos "bolsos", já que a remuneração está ligada à quantidade e principalmente a qualidade das horas voadas em cada mês. Quando eu falo em qualidade da hora de voo, quero dizer que o voo noturno paga um adicional maior na remuneração que a hora diurna, assim como o voo em domingos e feriados também pagam um adicional melhor. Portanto, o voo que proporciona o melhor pagamento de horas extra, é o voo de domingo ou feriado noturno. Trabalhar vinte horas de "domingo noturno" por mês, equivale a sessenta horas diurnas de voo! Quando a escala de trabalho finalmente é divulgada, eu passo um bom tempo olhando para aquela tirinha de papel, analisando como será o meu mês seguinte. Quais dias terei de folga? Vou voar mais por Congonhas ou Guarulhos? Poderei ir à festa de aniversário de fulano? E o show de rock`n roll, será que vai dar para ir? Neste momento surge nitidamente a relação de amor e ódio que comentei.
Na "velha Varig" (e tenho a impressão que em todas as empresas de aviação) havia sempre um pequeno grupo de tripulantes que mantinham "relações suspeitas" com a turma da escala. Invariavelmente estes tripulantes faziam os melhores voo e todos os meses acabavam tendo uma remuneração bem acima da média. Dizia-se que eles jogavam futebol com a turma da escala, faziam churrascos e que havia uma constante troca de favores. Diante das reclamações da maioria, de tempos em tempos surgia a figura do "fiscal de escala", que era um comandante que acompanhava de perto o trabalho da escala. Não adiantava muito, pois o fato é que sempre houve e sempre vai haver os tripulantes que se mostram mais disponíveis e flexíveis, e queira ou não, eles acabam se beneficiando desta postura.
E o ponto que eu acho muito interessante comentar é a eventual carga emocional a que o pessoal da execução da escala está submetido. É muito comum os tripulantes ligarem para a escala pedindo uma alteração na programação devido a problemas particulares. Uma necessidade de levar filho ao médico, ou mesmo ao pronto socorro, uma solicitação para sair de determinado voo devido a doença grave de algum familiar ou outros pedidos do gênero. Antigamente, antes do telefone celular estar acessível a todos e com ampla cobertura de sinal no país todo, o único meio de um tripulante ser localizado pelo seu familiar era através de um telefonema para a escala. Desta forma, ao sair para voar, muitos tripulantes deixavam em suas casas um papel com os números de telefone da escala para o caso de necessidade. Quantas vezes a escala já não recebeu telefonemas de mães a procura de seus filhos, para dar uma notícia ruim? Ou filhos tentando achar seus pais para informar o falecimento de um avô ou um acidente grave em casa? Em 1999 eu estava em Fortaleza quando a escala me ligou pedindo que entrasse em contato com minha residência. Minha avó tinha falecido. Ao voltar de Fortaleza, minha programação que deveria seguir até Florianópolis, foi encerrada em São Paulo, sendo um outro colega acionado em meu lugar.
Hoje em dia, com o celular, qualquer tripulante fica localizável por seus parentes, portanto a escala não mais funciona como um elo entre os tripulantes e seus familiares. Ainda assim, é bem possível que o número de telefone da escala de voos ainda esteja, junto com outros números importantes, afixado na geladeira da casa de muitos tripulantes.