quarta-feira, 20 de julho de 2011

Um trânsito legal

Nas programações de voo, entre um pouso e uma decolagem, o tempo em solo pode variar muito. Este tempo em solo, que chamamos de “trânsito”, quando um voo está atrasado pode ser de apenas 15 minutos ou até menos. Dependendo do número de passageiros desembarcando e embarcando, da agilidade do pessoal de limpeza, abastecimento, carregamento e de outras tarefas, este tempo pode ser ainda menor. Todo cuidado é pouco, já que como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição.

Nem sempre o tempo em solo é de correria.  Há ocasiões em que ficamos uma, duas e até três horas no avião aguardando o horário da próxima decolagem, o que não é legal, pois dá uma “quebrada” no ritmo. Tempo parado é bom em casa, na praia, na piscina ou mesmo descansando no hotel.  Já que ficamos parados, o ideal é aproveitar este tempo para fazer alguma coisa.

No MD-11 havia dois voos bate-volta, Paris-Amsterdam-Paris e Londres-Kopenhagen-Londres, em que ficávamos mais de duas horas aguardando o horário do voo da volta. Uns aproveitavam para se acomodar na primeira classe e descansar, outros assistiam a um filme ou davam uma passeada no aeroporto com direito a compras no freeshop. Ler, estudar ou conversar é outra maneira de fazer o tempo passar e bacana mesmo é quando conseguimos aproveitar este tempo saindo dos limites do aeroporto.

Certa vez, após pousar no Santos Dumont por volta da sete da noite de um sábado, ficaríamos duas horas e meia parados até o horário da decolagem para São Paulo. Ficar no avião ou passear pelo aeroporto, eis a questão! Nem um nem outro, a oportunidade pedia algo diferente. Convidei toda a tripulação, mas só o copiloto (sempre ele, o fiel companheiro do comandante!) topou sair para jantar um galeto na brasa em Copacabana!  Colocamos nossas gravatas e divisas na mala deixando-a no D.O., avisamos o pessoal da escala de voos e pegamos um taxi. Em 10 minutos o copiloto Leuckert e eu estávamos sentados numa das melhores galeterias de Copacabana! Galetinho, arroz à grega e para beber....coca cola. Terminada a refeição, caminhamos pelo calçadão até o Leme de onde pegamos o ônibus dos tripulantes de volta ao Santos Dumont. Embarcamos no avião faltando ainda quarenta minutos para a decolagem, foi ótimo.   

Recentemente consegui mais uma vez aproveitar ao máximo o tempo parado no aeroporto, e desta vez foi um “sightseeing” pela cidade.  Decolando de Caracas para Aruba, com pouso previsto para as quatro e meia da tarde, teríamos um transito de três horas antes de decolar de volta para Caracas. Mais uma vez, somente o copiloto topou o programa, e assim já saímos do hotel vestindo sunga por baixo da calça, pois o plano era dar um mergulho no Mar de Caribe.

O voo atrasou e o nosso tempo foi reduzido para duas horas e meia, ainda suficiente para conhecer a ilha. O copiloto e eu, carregando uma sacolinha de plástico, desembarcamos após o último passageiro, passamos pela imigração e procuramos um taxi para negociar nosso passeio. Fechamos por U$ 50,00 um tour de pouco mais uma hora, e saímos a bordo de um carrão dirigido por uma taxista simpaticíssima.

Assim que o taxi começou a andar pedimos licença para a motorista e tratamos de nos livrar do paletó, gravata e camisa de voo para vestirmos uma camiseta. Passeamos pela a avenida principal com os grandes hotéis, conhecemos a marina e fizemos uma parada na praia para conhecer as famosas árvores divi-divi, que são árvores típicas da região e que nascem na areia da praia. Já descemos do taxi sem sapatos e de com a barra da calça dobrada para podermos molhar os pés. O sol acabara de se pôr, não tínhamos muito tempo disponível, não tínhamos trazido toalha de banho, assim, não foi possível dar um mergulho.  Seguimos nosso passeio observando as casas de veraneio próximas ao mar até que chegamos ao alto da ilha onde fica o farol, California Lighthouse.  Após apreciarmos a vista e ouvirmos as estórias da nossa guia/motorista, iniciamos nosso caminho de volta ao aeroporto.

Sempre de olho no relógio, percebemos que ainda havia tempo para mais uma parada, que poderia ser para comer algo ou comprar alguma lembrancinha de Aruba. Optamos por uma rápida compra, e enquanto o taxi nos aguardava, caminhamos pela área das lojas onde encontramos “souvenirs” para filhos e esposas. No caminho de volta ao aeroporto batemos a areia do pé, calçamos sapato, vestimos a camisa de voo, gravata e paletó e demos uma ajeitada no cabelo. Passamos pela imigração e uma hora antes do horário da decolagem estávamos na cabine iniciando os preparativos para regressar a Caracas.

Foi o tempo de solo mais bem aproveitado dos últimos tempos, pena que faltou o mergulho!   

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Notam

Notam, notificação ao aeronavegante, ou ainda, “notice to airmen”, são informações relevantes aos pilotos e operadores de aeronaves que são divulgadas periodicamente. Elas dizem respeito à inoperância de frequências de rádio ou auxílio à navegação aérea, interdição de pistas, áreas cujo sobrevoo estará proibido, obra em pátios de aeroportos, enfim, informações que o piloto deve declarar ciência antes de sair para um voo. Estas notificações são elaboradas e divulgadas pelos órgãos de controle de tráfego aéreo.

Pois bem, esta estória começa com um NOTAM, que infelizmente, não foi seguido pela administradora do aeroporto.

O voo, cujo horário de saída foi ajustado para se adequar a um Notam, era de Guarulhos para Fortaleza.  O Notam dizia que a pista de Fortaleza estaria interditada das 07h15min às 09h15min por conta de obras na pista e como saímos um pouco atrasados, nosso estimado de pouso era para as 09h35min, portanto estávamos “tranquilos”.   Acontece que chegando em Fortaleza recebemos a informação de que a pista só seria liberada pela administradora do aeroporto as 09h35min, portanto, 20 minutos após o horário informado no Notam. Já havia três aeronaves em espera e com isso seríamos o número 4 na sequência para pouso.

Havia nuvens de chuva sobre a cidade que avançavam para a área do aeroporto. Ao ser liberada a pista, as três primeiras aeronaves na sequência conseguiram o pouso, sendo que a terceira delas, sabe-se lá em que condições, já que a chuva se intensificava a cada minuto.  Na nossa vez, estabilizados na aproximação final do procedimento de pouso, tivemos que descontinuar a descida, pois a chuva era intensa, sem condições de avistar a pista. Há ocasiões em que você está bem próximo da pista, e ao avistá-la, percebe que as condições (chuva forte, vento intenso de través etc.) não permitem um pouso seguro, mas, naquele dia, sequer avistamos a pista, a chuva era muito forte. Durante a arremetida ouvimos na frequência de rádio que havia uma aeronave (um “jatinho” particular) em emergência prosseguindo para o pouso. Este avião estava com princípio de fogo na cabine de comando! Que situação: após efetuar espera, ter que pousar sob chuva forte e com princípio de fogo na cabine não deve ser nada agradável. Deu certo para aquele avião, e nós seguimos gerenciando nosso voo.

Nossa alternativa inicial era Recife ou Natal, porém a espera que havíamos feito sobre Fortaleza comprometeu nossa reserva de combustível, além do quê, aquela parte do nordeste brasileiro também estava com muitas áreas de instabilidade e, portanto, sujeita a chuvas e trovoadas. Outras aeronaves ainda estavam em espera, já que após o pouso da aeronave em emergência, o aeroporto foi novamente interditado para que a administradora efetuasse uma vistoria na pista. Na cabine de comando a carga de trabalho estava elevada e uma decisão tinha que ser tomada: aguardar a melhoria e normalização de Fortaleza ou prosseguir de imediato para a alternativa? Na cabine de passageiros o clima não era bom, sendo que os comissários passavam informações básicas aos passageiros até que o comandante pudesse dar informações mais precisas. Diante do cenário, seguimos para Teresina onde o tempo era bom e estável, e foi somente ao iniciar a subida para o nível de cruzeiro que eu tive tempo de fazer um anúncio aos passageiros comentando sobre a nossa arremetida e que estávamos seguindo para o aeroporto de alternativa.

Na aviação, há muito tempo ouço que quando o comandante toma uma decisão, especialmente quando diz respeito a seguir para determinada alternativa, ele deve ser firme e seguir adiante. Eu concordo, mas também acredito que ele deve saber reavaliar suas decisões e ter coragem, e humildade, para voltar atrás e seguir em outra direção.

Foi o que aconteceu, pois no caminho para Teresina, ainda durante a subida, houve a melhora das condições de Fortaleza. Diminuímos a velocidade e, sempre de olho na quantidade de combustível nos tanques, fomos atrás de informações mais precisas. Efetuamos contato com a torre de controle de Fortaleza que nos informou que a chuva havia, de fato, diminuído de intensidade e que as nuvens aparentemente se afastavam cada vez mais da área do aeroporto. Já o controle de aproximação nos informou que a pista ainda estava interditada, mas que já estava prestes a ser liberada pra as aproximações, e que caso regressássemos seria previsto uma aproximação direta, sem qualquer espera. De posse destas informações, conversando e buscando a opinião sincera do copiloto, decidimos regressar a Fortaleza.

Mais uma vez deixei os comissários e passageiros a par da situação. E não demorou muito para que a Chefe de Equipe dos comissários me informasse que após o pouso seria necessário o pessoal da “limpeza pesada”, pois vários passageiros tinham passado mal.

Após mais um pouco de turbulência e debaixo de chuva leve, pousamos com segurança. Principalmente nestas situações, a caminho do estacionamento da aeronave, faço um último anúncio aos passageiros onde explico tudo que aconteceu. Disse que certamente não foi um voo agradável, mas procuramos manter a segurança sempre em primeiro lugar.

No desembarque, quando fico na porta me despedindo dos passageiros, um senhor me perguntou como ficaria a nossa situação se novamente a chuva aumentasse ou outra ocorrência interditasse a pista de Fortaleza. Este senhor seguiu em frente, talvez não quisesse saber a resposta. Bem, sempre temos que ter um “plano B”, e no caso seria ficar aguardando a normalização das condições de Fortaleza. Se uma segunda arremetida tivesse sido realizada (nestes anos todos de aviação comercial, nunca tive que arremeter duas vezes num mesmo voo), ainda tínhamos combustível para 50 minutos de voo, tempo insuficiente para alcançar outro aeroporto, mas suficiente para, de alguma maneira, a situação normalizar em Fortaleza. Além disso, se for para considerar o imponderável, naquela situação eu deveria considerar que o imponderável poderia acontecer também em Teresina, aonde chegaríamos com menos combustível nos tanques.

Após trinta minutos de “trânsito” em Fortaleza, seguimos de volta à Guarulhos, desta vez num voo bastante tranquilo, sem surpresas.