segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Vem chegando o verão

  
Vem chegando o verão, e com ele, as grandes tempestades. As condições meteorológicas podem se alterar rapidamente não apenas na rota, mas sobretudo no aeroporto de destino, e por isso voar com um combustível extra passa a ser quase uma obrigação. Linhas de instabilidade, massas de ar quente, centros de baixa pressão e mesmo aquela típica chuva de verão que cai no final do dia, fazem com que um voo possa ser bem mais trabalhoso que o normal. Os passageiros passam por momentos que não são nada agradáveis. Em alguns trechos da rota, principalmente nas chegadas e saídas, turbulência,  relâmpagos e muita chuva podem estar no nosso caminho, pois mesmo com o radar meteorológico ligado e efetuando os desvios necessários, nem sempre estamos livres do mau tempo.

     Um das rotas mais propensas a mau tempo é sem dúvida o trecho de Curitiba para Foz do Iguaçú.
Em voo de cruzeiro as margens para desvios são maiores, porém à medida em que vamos nos aproximando do destino, os desvios vão se tornando mais estreitos. Se o tempo no destino não é bom, qualquer minuto a mais de voo ocasionado por desvios excessívos, vai acarretar em um aumento no consumo e portanto uma diminuição no adicional de autonomia. Se o pouso não for possível em função da meteorologia, a quantidade de combustível nos tanques, junto com as condiçoes de tempo nos aeroportos de alternativa, vão determinar o rumo de ação. Aguardar a abertura do aeroporto, ou seguir para a alternativa A ou B. No caso de Foz do Iguaçú, a alternativa primária costuma ser Curitiba. Ainda podemos contar com Porto Alegre, e mesmo Chapecó, Londrina e Maringá, mas temos que ter em mente que aeroportos menores possuem uma infraestrutura mais precária, seja para o atendimento ao passageiro após um pouso não previsto, mas também em função dos auxílios de rádio-navegação para o pouso.

    Ontem mesmo, no voo de Curitiba para Foz, pegamos uma boa "pauleira" na descida. Em determinado momento até um raio veio a atingir o avião. BUM! Um raio difícilmente causa algum prejuizo ao voo ou dano à estrutura do avião. Mas dá um belo susto! Nós na cabine de comando percebemos que fomos atingidos por um raio, e após uma checada em todos os instrumentos de voo e motor, ao percebermos que estava tudo normal, não nos preocupamos. Felizmente, a aproximadamente 15 minutos para o pouso, saímos do mau tempo. No desembarque vários passageiros perguntaram se aquele estrondo tinha sido um raio. Disse que sim, que na verdade é mais comum do que parece. Melhor um raio que uma colisão com pássaro. Durante o tempo de solo o pessoal da manutenção fez uma inspeção rigorosa na aeronave em busca de danos que possam ser causados pelo raio. Fiz questão de dar uma volta ao redor do avião de olho em algum vestígio. Felizmente nada foi encontrado, nenhuma marca, nem sinal de onde fomos atingidos. Na volta para Curitiba a tripulação estava preparada  para encarar o mau tempo. Mas desta vez encontramos um caminho melhor, e de qualquer forma, passados 45 minutos as nuvens mais pesadas tinham se deslocado para outro setor.

    Desvios de 10,30, e até de 60 graus da rota são fáceis de serem realizados, embora tenham que ser decididos com rapidez, afinal o avião está avançando a quase 900 Km/h. Já os desvios com mais de 90 graus ou mesmo um retorno ao aeroporto de origem, por julgar que não há uma passagem segura entre as nuvens, torna-se uma decisão mais difícil, e que deve ser muito bem ponderada.


  • Já escrevi sobre este tema em FASTEN SEAT BELTS, de dezembro de 2009: http://betocarva.blogspot.com/2009/12/fasten-seat-belts.html

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Vale do Itajaí

O aeroporto de Navegantes atende não apenas a cidade vizinha, Itajaí, mas também Blumenau, Gaspar e Brusque, que são as principais cidades do Vale do Itajaí. Atende também ao Balneário Camboriú, no litoral, e todas as outras cidades da região. A primeira vez que eu pousei no aeroporto de Navegantes/SC foi em 89 quando era copiloto do 737-200.

Pernoitei várias vezes em Itajaí, e adorava sair com a tripulação para comer sequência de camarão (rodízio de pratos com camarão) acompanhado de caipirinha de vinho, ou mesmo uma boa cerveja nos restaurantes junto à desembocadura do rio com o mar. Também curtia comprar camarão e palmitos maravilhosos que vinham em uns potes de vidro enormes. Havia um comandante, conhecido por Alfa Alfa, (referência às iniciais de seu nome, AA) que tinha medo da balsa que fazia a travessia do Rio Itajaí, então ele fazia o motorista da condução ir de Navegantes para Itajaí onde ficava o hotel, pela BR! Uma loucura, já que a estrada era muito mais perigosa. Se bem que havia dias, e o pior, noites, em que a correnteza do rio era tão forte que a balsa tinha que navegar "caranguejando", ou seja, navegava enviesada para fazer frente à força do rio. Nestas horas eu me lembrava do nosso colega AA. Outro programa legal de se fazer nos pernoites em Itajaí era pegar as bicicletas que o hotel disponibilizava e seguir pedalando até Camboriú.


Certa vez, ao chegarmos no aeroporto para seguir para o pernoite, o copiloto do voo encontrou com um amigo que pilotava helicópteros da Aeróleo que ficavam baseados em Navegantes. Combinamos um passeio de helicóptero para o dia seguinte e com toda a tripulação reunida, saímos do hotel uma hora mais cedo que o previsto para um breve passeio pela região. Foi super legal! Já havia feito um passeio sobre a cidade de São Paulo quando tinha uns 14 anos, mas havia sido em um helicóptero pequeno. Desta vez era em um modelo Bell, grande, desses que fazem um ruído gostoso de ouvir e não pude deixar de me sentir em uma cena do filme Apocalypse Now. Embora me sinta muito mais seguro dentro de um avião, adorei o passeio. Bons tempos...

Os voos para Navegantes são em geral etapas curtas, indo ou vindo de São Paulo ou Joinville. Aliás, era nas etapas de Joinville para Navegantes que curtíamos um dos melhores voos em termos de visual. Quando o tempo estava bom, não subíamos para níveis de voo elevados, e voando baixo podíamos apreciar parte do litoral de Santa Catarina, terminado com um sobrevoo de Penha, onde fica o parque de diversões do Beto Carrero. No mês de outubro o movimento na rota para Navegantes aumenta muito em função da Oktoberfest que ocorre em Blumenau. Felizmente hoje em dia não é mais servido bebidas alcoólicas a bordo, mas antigamente era frequente os comissários terem que gerenciar pequenos conflitos por causa de bebida. Na ida os passageiros (leia-se, os passageiros homens!) já querem desembarcar "embalados" e na volta eles querem a saideira.

Sempre gostei da operação de pouso em Navegantes. Principalmente no passado, sempre que as condições permitiam, fazíamos aproximações visuais, curtindo a pilotagem. Nas chegadas com auxílio de instrumentos, ou vínhamos por cima do mar para a cabeceira 25, ou pelo continente para a cabeceira 07. Esta última chegada requer uma cautela adicional, pois além dos morros e montanhas do vale do Itajaí, quando próximo à cabeceira da pista, ao passar sobre o Rio Itajaí-Açu voa-se bem perto a barcos cuja altura dos mastros e antenas é consideravelmente grande. Há também guindastes enormes nas proximidades do porto, e portanto, do aeroporto, além da pista ser curta. Respeitando as regras de voo, normas da empresa e os mínimos do procedimento, o aeroporto de Navegantes é ótimo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Caracas!

Minha programação naquela noite não poderia ser mais simples: apenas uma etapa de Congonhas para Brasília com decolagem as 20 h para no dia seguinte regressar a São Paulo. Apesar de ser uma programação fácil, dei uma cochilada após o almoço, afinal, nunca se sabe quando vai ocorrer uma mudança nos planos.

Eram quatro horas da tarde quando recebi um telefonema da “escala de voos” com uma solicitação para alteração na programação. Um avião que deveria ter pousado em Caracas/Venezuela teve que seguir para o aeroporto de alternativa, gerando com isso uma grande mudança na programação dos tripulantes que estavam no hotel em Caracas. Uma tripulação completa deveria ser deslocada imediatamente para lá com a finalidade de trazer o voo para o Brasil na noite seguinte.

Verifiquei a minha mala e chequei o passaporte para seguir para a terra de Hugo Chávez. A viagem até Caracas seria na condição de passageiro, voando TAM, com decolagem a meia noite. Em termos de remuneração foi uma mudança fantástica, pois ao viajar a serviço, ainda que na condição de passageiro, recebe-se o valor das horas extras/noturnas na mesma proporção que receberia se estivesse tripulando. Dinheiro fácil! O problema é que a idéia de estar na cabine de passageiros de um Airbus da TAM me deixou apreensivo. Explico: a TAM, pelo seu histórico de acidentes e a aeronave Airbus, pelo excesso de automatismo, que em minha opinião foi fator contribuinte para vários acidentes já ocorridos.

Em Guarulhos me encontrei com os demais tripulantes e seguimos para efetuar o check-in, onde recebi a reconfortante informação de que o voo seria realizado com um Boeing 767! Devo dizer que toda a viagem, do check-in ao desembarque em Caracas, foi perfeita. Fomos bem recebidos pela tripulação da TAM, inclusive pelo Comandante, que ao saber de nossa presença, fez questão de nos dar as boas vindas pessoalmente. O 767, embora com com bons anos de uso, estava com o interior bem conservado e todo o atendimento e serviço de bordo foi impecável, até parecia a Varig dos bons tempos. Um tripulante nunca é um passageiro normal, pois ele está sempre muito atento, e acaba sendo muito crítico. A aproximação final para pouso em Caracas se deu com muita turbulência e variações bruscas e constantes na aceleração dos motores. Mais uma vez eu fiquei feliz por estar em viajando em um Boeing! No desembarque, elogiei e agradeci ao Comandante pela viagem. Parabéns para a TAM!

Caracas é, em minha opinião, o pior pernoite de todos. A cidade não é bonita e nem agradável, o risco de ser assaltado nas ruas não é pequeno, não há nada de bom para comprar e o valor da diária de alimentação que recebemos para o pernoite não pode ser trocado por dólares. Outra aspecto que é muito "bizarro" na Venezuela é o fuso horário. A diferença de horas para São Paulo é de menos 02:30 hs. Duas horas e MEIA? Que maluquice! Coisa do Chávez! Há um passeio de teleférico que só vale à pena quando ele termina! É que o percurso montanha acima é muuuuito longo e em alguns trechos você reza para que a manutenção dos cabos, gôndolas e postes esteja em ordem, já que em caso de acidente a queda seria grande. Lá em cima há uma vista linda que em dias de céu claro pode se avistar o mar do Caribe. O passeio é bom, mas eu não recomendaria a um amigo.

Mas nem tudo está perdido no pernoite de Caracas! O hotel é excelente. Como o tempo estava ruim e ficamos apenas 15 horas no hotel, aproveitei para descansar bastante. Descansar da noite mal dormida por ocasião da viagem de SP para Caracas e me preparar para mais uma noite acordado, já que a decolagem na volta foi às onze da noite. Pousei em Guarulhos às seis da manhã, e pouco depois eu já estava em casa.

Contudo, entre mortos e feridos, foi bom para Caracas!