segunda-feira, 26 de setembro de 2011

D.M.


O corpo humano é uma máquina fantástica, não para, está sempre trabalhando! Mas de tempos e tempos ele avisa que não está legal, e trabalhar nestas condições pode ser um sério golpe. Viajar de avião, sujeito ao ar condicionado e pressurização por longos períodos, se deslocando de uma região para outra com climas completamente diferentes, só tende a agravar qualquer mal estar físico, por isso nestas horas os tripulantes podem entrar de dispensa médica, a famosa DM. Sair para voar com um simples resfriado pode ser uma péssima decisão, pois este resfriado tende a se transformar em sinusite, e aí o que poderia ser solucionado em poucos dias necessitará mais tempo parado e medicamentos mais fortes, tais como antibióticos. Além disso, voar com as vias respiratórias congestionadas não só causa desconforto em função da pressurização como ainda há o risco de perfuração dos tímpanos em caso de uma despressurização do avião. Febre a 35 mil pés de altitude é um verdadeiro tormento e até um risco para o voo se quem está com febre for um dos tripulantes.
O procedimento para entrar de DM bem é simples, basta avisar a escala de voos, e posteriormente, munido de um atestado médico, comparecer ao serviço médico da empresa para ser examinado, e a dispensa validada. Mas se entrar de dispensa médica é simples, retornar ao voo pode ser um pouco mais complicado, pois a liberação para o tripulante voltar ao trabalho fica a critério do serviço médico da empresa, que pode prolongar a DM, e até exigir exames médicos complementares. A partir do décimo quinto dia consecutivo de DM, o tripulante entra de licença pelo INSS, e neste caso o retorno ao trabalho fica mais difícil, com uma consequente redução nos rendimentos. Na “velha Varig” não era raro ocorrer um acordo entre tripulante, escala, serviço médico e chefia de pilotos, em que após um período de 13 dias de DM, o tripulante era liberado (mas ficava dispensado pela escala de voos), para dois ou três dias depois entrar em nova DM.
A maioria dos tripulantes, em especial os pilotos, possui um índice muito baixo de dispensas médicas. Outros são assíduos no serviço médico; problemas crônicos de coluna, gripes, rinite, tendinite e outros “ites” estão sempre à espreita. Há as dispensas por conta de fraturas e necessidades de cirurgias, acompanhadas atentamente pelo serviço médico da empresa, inclusive para evitar fraudes. Há ainda os problemas emocionais que também costumam afastar os tripulantes de suas atividades.
Há uns anos atrás eu tive que recorrer ao serviço médico para uma dispensa por conta de estresse. Minha filha estava com três anos de idade e numa cadeira de rodas, já que estava com uma perna quebrada, e minha mulher estava nos últimos dias de gravidez do segundo filho. Aflito com esta situação e apreensivo quanto se eu estaria por perto no dia ”D”, um dia eu acordava com febre e no outro com certo desarranjo intestinal. Fui ao serviço médico e conversando com a Doutora (especializada em medicina da aviação) ela me deu uma semana de DM. Com a cabeça tranquila o corpo ficou bom, e aquela semana coincidiu com o nascimento do meu filho.
Embora eu saiba que não se deve voar doente, a verdade é que eu não gosto de pedir DM! Quero sempre acreditar que a tosse é só uma leve irritação, e que o mal estar da noite anterior foi algo sem importância. Além disso, eu gosto do trabalho, e fico um pouco frustrado em não cumprir minha escala de voos. Por fim há o inevitável prejuízo financeiro ao deixar de voar. Voar doente é ruim, perder horas de voo também. A empresa não deseja que seus tripulantes fiquem saindo de voo por motivo de dispensa médica, e às vezes torna o procedimento para a volta ao voo tão demorado que o tripulante pensa duas vezes antes de pedir DM. Por outro lado a empresa sabe que tripulante voando sem condições adequadas de saúde, além de riscos para a segurança do voo, pode trazer mais transtorno para a “malha de voo” do que se tivesse pedido dispensa. Para a escala de voos, pior que o tripulante ficar em casa é ele se sentir mal em algum hotel e não poder assumir a programação.
Ficar doente fora de casa é uma das piores coisas que pode acontecer a um tripulante. A Varig possuía em cada uma das cidades onde os tripulantes pernoitavam um médico que em caso de necessidade nos atendia. O problema é que após examinados e medicados, podíamos ser impedidos de voltar para casa por um ou dois dias. Ficar doente em um quarto de hotel não ajuda em nada, por isso muitos já assumiram voo com a finalidade de voltar para casa, em condições de saúde precárias.
Numa ocasião, há muitos anos, eu tinha um voo para Recife, mas não estava bem, estava bem gripado. Não queria dar DM, pois era véspera do Ano Novo e poderia parecer suspeito, além do mais, o remédio que eu havia tomado tinha feito efeito e após algumas horas eu estava me sentindo melhor. No dia seguinte voltei a me sentir mal, mas aí era tarde. Conversei com o comandante do voo que disse que me apoiaria tanto se eu pedisse dispensa quanto se eu preferisse seguir no voo. Mais remédios, repouso e segui na programação. Foi péssimo, decolamos de Recife na virada do ano, e após algumas escalas pousamos em Brasília ao amanhecer. Passei o primeiro dia do ano à base de Tylenol e cama! Dia dois de janeiro eu cheguei em casa, abatido e profundamente arrependido de ter sido teimoso e ter saído para voar sem condições.  Por isso um conselho: não vá voar se sua saúde não estiver legal!


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Altos e baixos


Ao trabalhar em empresas aéreas podemos ter passagens a preços fantásticos, sendo que, exceto pela taxa de embarque, que não há como fugir, uma vez ao ano a passagem sai de graça. Mas estas passagens são sujeitas a disponibilidade de assentos, portanto, nunca se sabe que tipo de acomodação vamos conseguir, e mesmo se vamos conseguir! Atualmente não há voos vazios, então...
     Nosso destino final era Munique, com conexão em Londres, voando de British Airways. Nos dias que antecederam o nosso embarque, minha mulher vinha acessando o sistema de reservas da empresa para verificar a disponibilidade de assentos. A previsão era de voo cheio, mas ainda havia alguns assentos livres. No dia da viagem o sistema indicava haver apenas três assentos livres, sendo dois na executiva e um na primeira classe. Preparados para tudo, inclusive para não conseguir embarcar e ter que voltar para casa, nos despedimos dos filhos e seguimos para o aeroporto.
    No balcão de ckeck-in soubemos que o voo estava completamente lotado, e que além de nós, havia outros funcionários na mesma situação. Quando há vários funcionários com “staff travel ticket”, a prioridade costuma ser daquele que está há mais tempo na empresa, e no nosso caso, felizmente, éramos o número um na lista. No dia anterior nem todos conseguiram embarcar, por outro lado o comandante do voo ainda poderia liberar “jump seats”, nossa sorte ainda não estava selada! Viajar num “jump seat”, que são aqueles assentos usados pelos tripulantes, não é fácil. Eles não reclinam, e não há um serviço de bordo, fica-se dependendo da boa vontade da tripulação.
 De posse de um cartão de embarque “standby” seguimos para a imigração e para o portão de embarque. A cada instante vislumbrávamos uma possibilidade: um up-grade para a primeira classe, viajar confortavelmente na executiva, amargar um “jump seat”, ou voltar para casa. Os passageiros estavam embarcando e tivemos a boa notícia de que havia dois assentos na executiva. Instantes depois, uma mudança: havia um ministro, com passagem da Tam, que vinha correndo para embarcar no British! Finalmente nosso embarque foi autorizado, viajaríamos em “jump seats”!  A dez metros para entrar no avião fomos surpreendidos com a última alteração e recebemos dois cartões de embarque com assentos na classe executiva! Assentos separados é verdade, mas isto foi um detalhe fácil de ser solucionado e logo estávamos sentados lado a lado. Os quatro “jump seats” foram ocupados por outros colegas da empresa.
Embora tenha havido um pequeno atraso,vinte minutos não é nada para um voo tão longo, a viagem foi ótima. O Jumbo 747-400 é um avião incrível, e a configuração da British Airways é primorosa. Champagne no embarque, vinho na refeição, um bom filminho e capotei!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Férias 2011

Estou de férias e amanhã vou fazer uma viagem. Vou para Munique e Praga, na República Checa. Vou de British Airways e regressarei dia 15 de setembro com mais uma estória para o Blog. É isso, até lá!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ponte Aérea, uniforme e chinelo de dedo.

Era um voo da Ponte Aérea, ainda na época do Electra. Já era noite e durante o embarque a porta da cabine de comando permanecia aberta enquanto os tripulantes efetuavam os preparativos para a partida e decolagem. Um dos passageiros, o Jô Soares, que além de assíduo na Ponte Aérea era também um grande entusiasta do Electra, adentrou a cabine de comando e após saudar a tripulação perguntou ao comandante qual era a hora prevista de chegada em São Paulo. O comandante disse que seria por volta de dez e meia a onze horas da noite. Diante da imprecisão da informação, Jô Soares comentou: - Dez e meia, onze horas...Não está muito preciso este estimado. O comandante Cezar foi rápido, e disse que a chegada em São Paulo estava igual ao programa do Jô que começava onze meia, meia noite e às vezes até mais tarde.

Após acordar em Salvador antes do nascer do sol, chegamos em Foz do Iguaçu por volta de meio dia. Chegamos famintos e ao efetuar o check-in no hotel não perdemos tempo para ir a uma churrascaria que havia do outro lado da estrada. Para não perder tempo eu e o copiloto tiramos as divisas da camisa de voo e deixamos o quepe e a mala na recepção do hotel. Era uma típica churrascaria de beira de estrada: dois ônibus estacionados no pátio, vários turistas brasileiros e argentinos e um cantor com um repertório duvidoso. Sentamos numa mesa de canto e desfrutamos de um belo churrasco. Na hora de pedir a conta veio a surpresa: O garçom, nos julgando pelos nossos uniformes (sapato preto, calça azul marinho e camisa branca), achou que éramos os motoristas dos ônibus de excursão, e disse que o almoço era uma cortesia, que éramos da casa. Agradecemos e saímos “de fininho”.
Uniforme de piloto é assim; quando completo, ficamos elegantes, mas em compensação, sem quepe e faixas douradas podemos facilmente passar por motoristas, zeladores ou porteiros. Há uns anos atrás, após chegar em casa vindo do aeroporto, precisei comprar umas lâmpadas, fita isolante e interruptores elétricos. Tirei as faixas douradas, o quepe, a gravata e o paletó e fui a pé até numa casa de materiais de construções. Escolhidos os produtos, ao me dirigir ao caixa eu soube da novidade: o vendedor me perguntou qual era o prédio em que eu trabalhava, pois porteiros e zeladores ganham um desconto especial sobre o valor da venda!
No dia a dia de um tripulante estamos constantemente agindo conforme os diversos regulamentos e normas que regem a aviação comercial. No entanto, algumas normas são, ou pelo menos, eram extremamente anacrônicas, por isso, desde que não afete a segurança do voo, e justamente para não causar maiores transtornos e atrasos à viagem, pode acontecer do comandante “fechar os olhos” para certas regras.
Um exemplo desta situação ocorria em decorrência de uma norma em que não permitia que o passageiro viajasse com chinelo de dedo ou camiseta tipo “regata”. Até pouco tempo atrás alguns poucos comandantes levavam muito a sério esta determinação e não raro impediam o embarque de passageiros nesta condição. Uma tremenda falta de sensibilidade, especialmente porque geralmente isso ocorria com passageiros menos favorecidos, embarcando em localidades com Cruzeiro do Sul, Marabá ou Tabatinga. Ainda bem que é uma norma antiga que não vigora mais,  pois como desembarcar tanta gente de bem, e até passageiros famosos que viajam de sandálias Havaianas? Além do mais, hoje em dia qualquer um pode voar!
Certa vez, ao pousar no Santos Dumont, fui procurado pelo pessoal do despacho de passageiros que precisava da minha ajuda para solucionar um problema. Havia um passageiro que tinha sido impedido, pelo comandante da Ponte Aérea anterior, de embarcar para São Paulo. O passageiro era um cantor baiano que fez sucesso nos anos 80 com músicas do estilo “axé-reggae-pop” e que, não sei por qual motivo, estava descalço! A despachante disse que ele tinha desembarcado no Galeão e que sua mala havia sido extraviada e que ele já estava há horas no saguão tentando embarcar. Ainda assim eu não conseguia compreender o porquê dele estar descalço, mas como ele estava se tornando um problema para a empresa e acreditando que devemos solucionar os problemas e não aumenta-los, resolvi autorizar o embarque do cidadão. Ele estava acompanhado e pedi para que ele e o amigo embarcassem antes dos demais passageiros e que fosse reservado a eles o assento junto à janela e o imediatamente ao lado. As comissárias não gostaram da minha decisão, e menos ainda ao medir o passageiro da cabeça aos pés, que por sinal, estavam sujos como se há muito não fosse lavado! Eu disse a ele que ao autorizar o embarque eu estava abrindo uma exceção para resolver o problema. Por isso ele deveria sentar junto à janela, cobrir as pernas e os pés com uma manta e só se levantar para o desembarque após todos os demais passageiros terem desembarcado. E assim foi feito, o problema foi solucionado sem prejuízo aos demais passageiros.
   Ao contar o caso para a minha mulher, ela disse que anos antes, em 1988, este mesmo cantor tinha viajado num voo dela, e que ele ficava descalço no avião, era uma característica dele!    
Em outra ocasião, também na Ponte Aérea, presenciei um flagrante desrespeito às regras e desta vez, ameaçando a segurança. Durante o embarque dos passageiros, numa época em que não havia as pontes de embarque, um cidadão acende tranquilamente um cigarro enquanto aguarda na fila para subir a escada do avião. Uma tremenda falta de respeito e de bom senso, afinal, um cigarro aceso no pátio é um risco a segurança, pois há diversas aeronaves sendo abastecidas e possíveis vapores de combustível no ar. Imediatamente abri a janela da cabine de comando e gesticulei para que ele apagasse o cigarro! Ele deu uma longa tragada, jogou o cigarro no chão e pisou para então apaga-lo.
Fiquei bravo com o passageiro que continuava na fila para embarcar. O copiloto aproveitou para dizer que achava que eu deveria impedir o embarque do passageiro, pois se ele estava fumando no pátio, era bem capaz de acender um cigarro durante o voo. Bem que ele merecia, porém, para impedir o embarque dele, eu teria que chamar o pessoal do despacho, teria que confrontar o passageiro e possivelmente chamar a Polícia Federal. Isso evidentemente causaria atraso no voo, transtorno aos demais passageiros, e um stress desnecessário. É verdade que o tal passageiro desrespeitou uma norma de segurança, mas foi fora do avião, fora da área de minha responsabilidade, e não poderia recusa-lo baseado no pressuposto que ele iria acender um cigarro durante a viagem. Como eu acredito que não devemos causar mais problemas, e sim, resolve-los, apenas aguardei o passageiro na porta do avião e passei uma leve descompostura nele. Decolar emocionalmente estressado é péssimo, e mesmo um caso simples como este fez com que durante o taxi eu ainda estivesse um pouco estressado, imagine se eu  tivesse sido rigoroso e impedido o embarque do cidadão?
O voo trancorreu normalmente, sendo que no desembarque o passageiro reiterou o pedido de desculpas alegando que estava desatento no momento que acendeu o cigarro. 

                                                                                        

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Estrela Brasileira

  Estive no lançamento do livro Estrela Brasileira, editora KindleBookBr, escrito pela Cláudia Vasconcelos, ex-comissária da Varig. Já conhecia um pouco das estórias dela através do Blog que ela mantém e agora tive o prazer de ler o livro, que embora já estivesse a um tempo no formato eletrônico (e-book), só recentemente foi lançado em papel.

O livro é ótimo! Minha mulher foi a primeira a tomar conta e leu em um fim de semana, em seguida eu li em três ou quatro dias. A Cláudia entrou na Varig em 1972 e com isso voou o Boeing 707 quando este era o maior avião da Varig, acompanhou a chegada do DC-10, bem como dos Jumbos. Esteve no baseamento em Hong Kong e em Los Angeles. São muitas estórias: de cidades, de passageiros, de acidentes, do serviço de bordo e de uma aviação que não volta mais. Ela fala da vida dela e da estória da Varig até o seu encerramento. 

Um excelente livro que com certeza vai agradar aqueles que gostam da aviação, aqueles que já foram passageiros da Varig e principalmente os que trabalharam na "velha" Varig. Ele pode ser adquirido na Livraria Cultura ou ainda através de pedido pela internet. No Blog dela ( http://aestrelabrasileira.blogspot.com/ ) há os links para pedidos. Parabéns Cláudia!

Agora estou lendo o Perda Total, editora Objetiva, do escritor Ivan Sant`Anna. O Ivan Sant`Anna é um apaixonado pela aviação e já havia escrito o livro Caixa Preta em que contava e estória de outros três acidentes com aeronaves comerciais brasileiras, além de um livro sobre os atentados de 11 de setembro. No Perda Total ele conta sobre os dois acidentes com aviões da Tam (Fokker 100 que caiu no Jabaquara e Airbus que caiu na Av. Washington Luiz) e o Boeing da Gol que foi derrubado pelo jato Legacy.

As estórias dos acidentes não são novidade, já que são recentes, mas o que torna a leitura interessante é que o escritor conta um pouco da vida de alguns personagens envolvidos nestas tragédias. Apesar de serem estórias cujo final já sabemos, vale à pena ler.



domingo, 7 de agosto de 2011

Hóspede ou tripulante?


As empresas aéreas, ao fecharem contrato de hospedagem dos tripulantes com os hotéis, incluem o serviço de lavanderia para uma peça de roupa por tripulante. Isto é ótimo, para não dizer essencial, principalmente para aquelas programações de cinco dias voando pelo Brasil. Assim, sair para voar com apenas uma camisa de voo é suficiente, embora os mais previdentes sempre carreguem uma extra na mala. Essa precaução é bem vinda, especialmente nos casos dos comissários(as) cujos uniformes estão mais expostos a “acidentes”  durante o trabalho.

Ao entrar no apartamento uma das primeiras providências é preencher o “rol de lavanderia” e deixar a camisa (vestido, calça, ou qualquer outra peça do uniforme) do lado de fora do apartamento. Confusões e enganos ocorrem de vez em quando e pode acontecer de, ao se arrumar para um voo, descobrir que a camisa que o serviço de lavanderia devolveu não é a sua! Um número maior ou menor, ou ainda da mesma numeração, mas que não era a sua. Nestes casos, é um “tal” de tentar localizar o outro tripulante que também recebeu uma camisa errada por engano. Outra coisa chata que acontece é que muitas vezes estamos no melhor do sono quando somos acordados para receber a tal camisa de voo.

Na época da velha Varig tínhamos direito a dois refrigerantes ou garrafinhas de água por diária, hoje em dia é só uma garrafinha de água e ponto final!  Alguns hotéis dão um “vale drink”, que vale mais pela capacidade de agregar os tripulantes que pela bebida em si. Em Recife, nos “velhos tempos”, era uma delícia encontrar os colegas que se reuniam para tomar uma caipirinha antes de saírem para jantar. 

Um dos hotéis que sempre se esmerou no atendimento é a rede Meliá. Em Madri era quase obrigatório tomar uma taça de vinho ou de cerveja no lobby do hotel antes de sair para passear pela cidade. Em Londres os comandantes podiam desfrutar de um buffet que funcionava o dia inteiro e servia bebidas, canapés variados, salmão, queijos e outros petiscos. Havia colegas que passavam dias em Londres só se alimentando neste buffet, e assim não gastavam um tostão com comida. Em Caracas os pilotos ficam em apartamentos “superiores” onde encontram, a título de boas vindas, um balde com duas garrafinhas de cerveja no gelo e uma bandeja com torradas, queijos, presunto de Parma e salmão. Uma delícia.

Uma das coisas que os tripulantes mais prezam nos hotéis é o café da manhã. Come-se muito, até porque, geralmente depois do café da manhã o tripulante quer fazer apenas uma refeição por dia, ou o almoço ou o jantar. É o famoso “almojantar”. Por isso, quanto mais tarde o café da manhã for encerrado, melhor será. Comemos muito mais que pães, frutas, e cereais nos hotéis. Comemos nos hotéis o que jamais comeríamos em nossas próprias casas: ovos mexidos, omeletes, tapiocas, queijos na chapa, carne seca, salmão, salsichas, linguiças, bacon e até arroz com feijão eu já andei comendo por aí!  


Na época em que eu voava  Airbus , o café da manhã do hotel em Fortaleza era uma verdadeira festa; eram várias tripulações que se reuniam diariamente no restaurante do hotel. Outro café da manhã que era concorrido, era o oferecido pelo Hotel Tropical em Manaus. Diariamente, dezenas de tripulantes esticavam o bate papo até não dar mais. Em Manaus, nos meses em que há horário de verão no Brasil, o café da manhã vai até o meio dia, horário de Brasília, o que é uma mão na roda para aqueles tripulantes que chegam de voo muito tarde. Antigamente alguns hotéis ofereciam, sem custo adicional para o tripulante, o café da manhã servido no apartamento até as onze da manhã para os que chegassem na madrugada, assim  podíamos dormir até um pouco mais tarde. 

Outro café da manhã antológico era no Hotel Nacional em Brasília. O salão ficava repleto de políticos, os garçons eram da época da inauguração da cidade, assim como eram os talheres  de prata, os bules e açucareiros. E os pães de queijo estavam sempre quentinhos.

Nos voos com pernoite nos EUA e Europa, em função da diferença de fuso horário, nem sempre o café da manhã estava incluso na diária. Nestes casos recebíamos uma quantia em dinheiro para nos alimentarmos pela manhã. Em Miami, comer torradas com ovos fritos no “Cubano” era o costume entre os tripulantes e em Frankfurt, comer um Bratwurst (cachorro quente) com muita mostarda era fantástico. 

De um modo geral, os tripulantes são bem tratados nos hotéis em que são hospedados. Há desconto nos restaurantes, internet sem custo e outras regalias. Mas há também ocasiões em que parece que somos tratados como um hóspede de segunda classe.  Talvez por estar a serviço o tripulante se comporta como um turista acidental e por isso raramente deixa gorjeta para os funcionários.

É comum o pessoal do hotel perguntar se somos hóspedes ou tripulantes! Ora, tripulante não é um hóspede?  Um colega nosso, ao ouvir esta pergunta, a respondeu com outra pergunta:  Por acaso o hotel voa?- Como assim? perguntou o funcionário da recepção. Ora – explicou o colega –  se hotel voa, então eu sou um tripulante, mas se hotel não voa, neste caso eu sou um hóspede!



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

???



Olha só o comentário que o meu amigo Moraes enviou à respeito da postagem "Trânsito legal":


Grande Carvalhinho, 

Muito embora esse seja um blog "família", ao mencionar trânsito legal não podemos nos esquecer daquele vôo do Breguinha que chegava em Campo Grande depois da meia-noite e decolava por volta das 5 da manhã.

Muita gente aproveitava esse tempo para dormir dentro do avião, mas alguns mais descontraídos passavam a noite na Boite Enigma, cujo dono era amigo do Gordo, o mecânico da base.

Trocava-se apenas a camisa e íamos para lá na Kombi da manutenção, ou seja, mesmo sem o uniforme, todas as moças do local sabiam que éramos tripulantes.

Embora não pudéssemos beber, passávamos umas horas bastante divertidas naquele lugar e, por vêzes, tinhamos a sorte de assistir a um "show do iogurte", sendo que soube de gente que não se contentou em ser apenas um mero espectador...

Vou parando por aqui porque a continuação dessa estória é assunto para outro tipo de blog.

Um grande abraço,

Moraes


Que situação, Moraes! Agora eu tenho que explicar para a minha mulher que eu nunca ouvi falar desta estória (eu juro!), e que aliás, eu nunca fiz este voo. Pelo visto era um "voo do cabide". O mecânico da base que eu me lembro é o Beltrão, que inclusive, continua por lá. Como o Moraes era baseado no Rio de Janeiro, só posso concluir que este pernoite era privilégio dos cariocas. 


Mas gostei da estória e fico imaginando o que deveria ser este "show do iogurte"! Ao encontrar os colegas "das antigas" e em especial aqueles que eram Base Rio, vou perguntar a eles sobre este voo do cabide com escapada para a Boite Enigma.






quarta-feira, 20 de julho de 2011

Um trânsito legal

Nas programações de voo, entre um pouso e uma decolagem, o tempo em solo pode variar muito. Este tempo em solo, que chamamos de “trânsito”, quando um voo está atrasado pode ser de apenas 15 minutos ou até menos. Dependendo do número de passageiros desembarcando e embarcando, da agilidade do pessoal de limpeza, abastecimento, carregamento e de outras tarefas, este tempo pode ser ainda menor. Todo cuidado é pouco, já que como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição.

Nem sempre o tempo em solo é de correria.  Há ocasiões em que ficamos uma, duas e até três horas no avião aguardando o horário da próxima decolagem, o que não é legal, pois dá uma “quebrada” no ritmo. Tempo parado é bom em casa, na praia, na piscina ou mesmo descansando no hotel.  Já que ficamos parados, o ideal é aproveitar este tempo para fazer alguma coisa.

No MD-11 havia dois voos bate-volta, Paris-Amsterdam-Paris e Londres-Kopenhagen-Londres, em que ficávamos mais de duas horas aguardando o horário do voo da volta. Uns aproveitavam para se acomodar na primeira classe e descansar, outros assistiam a um filme ou davam uma passeada no aeroporto com direito a compras no freeshop. Ler, estudar ou conversar é outra maneira de fazer o tempo passar e bacana mesmo é quando conseguimos aproveitar este tempo saindo dos limites do aeroporto.

Certa vez, após pousar no Santos Dumont por volta da sete da noite de um sábado, ficaríamos duas horas e meia parados até o horário da decolagem para São Paulo. Ficar no avião ou passear pelo aeroporto, eis a questão! Nem um nem outro, a oportunidade pedia algo diferente. Convidei toda a tripulação, mas só o copiloto (sempre ele, o fiel companheiro do comandante!) topou sair para jantar um galeto na brasa em Copacabana!  Colocamos nossas gravatas e divisas na mala deixando-a no D.O., avisamos o pessoal da escala de voos e pegamos um taxi. Em 10 minutos o copiloto Leuckert e eu estávamos sentados numa das melhores galeterias de Copacabana! Galetinho, arroz à grega e para beber....coca cola. Terminada a refeição, caminhamos pelo calçadão até o Leme de onde pegamos o ônibus dos tripulantes de volta ao Santos Dumont. Embarcamos no avião faltando ainda quarenta minutos para a decolagem, foi ótimo.   

Recentemente consegui mais uma vez aproveitar ao máximo o tempo parado no aeroporto, e desta vez foi um “sightseeing” pela cidade.  Decolando de Caracas para Aruba, com pouso previsto para as quatro e meia da tarde, teríamos um transito de três horas antes de decolar de volta para Caracas. Mais uma vez, somente o copiloto topou o programa, e assim já saímos do hotel vestindo sunga por baixo da calça, pois o plano era dar um mergulho no Mar de Caribe.

O voo atrasou e o nosso tempo foi reduzido para duas horas e meia, ainda suficiente para conhecer a ilha. O copiloto e eu, carregando uma sacolinha de plástico, desembarcamos após o último passageiro, passamos pela imigração e procuramos um taxi para negociar nosso passeio. Fechamos por U$ 50,00 um tour de pouco mais uma hora, e saímos a bordo de um carrão dirigido por uma taxista simpaticíssima.

Assim que o taxi começou a andar pedimos licença para a motorista e tratamos de nos livrar do paletó, gravata e camisa de voo para vestirmos uma camiseta. Passeamos pela a avenida principal com os grandes hotéis, conhecemos a marina e fizemos uma parada na praia para conhecer as famosas árvores divi-divi, que são árvores típicas da região e que nascem na areia da praia. Já descemos do taxi sem sapatos e de com a barra da calça dobrada para podermos molhar os pés. O sol acabara de se pôr, não tínhamos muito tempo disponível, não tínhamos trazido toalha de banho, assim, não foi possível dar um mergulho.  Seguimos nosso passeio observando as casas de veraneio próximas ao mar até que chegamos ao alto da ilha onde fica o farol, California Lighthouse.  Após apreciarmos a vista e ouvirmos as estórias da nossa guia/motorista, iniciamos nosso caminho de volta ao aeroporto.

Sempre de olho no relógio, percebemos que ainda havia tempo para mais uma parada, que poderia ser para comer algo ou comprar alguma lembrancinha de Aruba. Optamos por uma rápida compra, e enquanto o taxi nos aguardava, caminhamos pela área das lojas onde encontramos “souvenirs” para filhos e esposas. No caminho de volta ao aeroporto batemos a areia do pé, calçamos sapato, vestimos a camisa de voo, gravata e paletó e demos uma ajeitada no cabelo. Passamos pela imigração e uma hora antes do horário da decolagem estávamos na cabine iniciando os preparativos para regressar a Caracas.

Foi o tempo de solo mais bem aproveitado dos últimos tempos, pena que faltou o mergulho!   

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Notam

Notam, notificação ao aeronavegante, ou ainda, “notice to airmen”, são informações relevantes aos pilotos e operadores de aeronaves que são divulgadas periodicamente. Elas dizem respeito à inoperância de frequências de rádio ou auxílio à navegação aérea, interdição de pistas, áreas cujo sobrevoo estará proibido, obra em pátios de aeroportos, enfim, informações que o piloto deve declarar ciência antes de sair para um voo. Estas notificações são elaboradas e divulgadas pelos órgãos de controle de tráfego aéreo.

Pois bem, esta estória começa com um NOTAM, que infelizmente, não foi seguido pela administradora do aeroporto.

O voo, cujo horário de saída foi ajustado para se adequar a um Notam, era de Guarulhos para Fortaleza.  O Notam dizia que a pista de Fortaleza estaria interditada das 07h15min às 09h15min por conta de obras na pista e como saímos um pouco atrasados, nosso estimado de pouso era para as 09h35min, portanto estávamos “tranquilos”.   Acontece que chegando em Fortaleza recebemos a informação de que a pista só seria liberada pela administradora do aeroporto as 09h35min, portanto, 20 minutos após o horário informado no Notam. Já havia três aeronaves em espera e com isso seríamos o número 4 na sequência para pouso.

Havia nuvens de chuva sobre a cidade que avançavam para a área do aeroporto. Ao ser liberada a pista, as três primeiras aeronaves na sequência conseguiram o pouso, sendo que a terceira delas, sabe-se lá em que condições, já que a chuva se intensificava a cada minuto.  Na nossa vez, estabilizados na aproximação final do procedimento de pouso, tivemos que descontinuar a descida, pois a chuva era intensa, sem condições de avistar a pista. Há ocasiões em que você está bem próximo da pista, e ao avistá-la, percebe que as condições (chuva forte, vento intenso de través etc.) não permitem um pouso seguro, mas, naquele dia, sequer avistamos a pista, a chuva era muito forte. Durante a arremetida ouvimos na frequência de rádio que havia uma aeronave (um “jatinho” particular) em emergência prosseguindo para o pouso. Este avião estava com princípio de fogo na cabine de comando! Que situação: após efetuar espera, ter que pousar sob chuva forte e com princípio de fogo na cabine não deve ser nada agradável. Deu certo para aquele avião, e nós seguimos gerenciando nosso voo.

Nossa alternativa inicial era Recife ou Natal, porém a espera que havíamos feito sobre Fortaleza comprometeu nossa reserva de combustível, além do quê, aquela parte do nordeste brasileiro também estava com muitas áreas de instabilidade e, portanto, sujeita a chuvas e trovoadas. Outras aeronaves ainda estavam em espera, já que após o pouso da aeronave em emergência, o aeroporto foi novamente interditado para que a administradora efetuasse uma vistoria na pista. Na cabine de comando a carga de trabalho estava elevada e uma decisão tinha que ser tomada: aguardar a melhoria e normalização de Fortaleza ou prosseguir de imediato para a alternativa? Na cabine de passageiros o clima não era bom, sendo que os comissários passavam informações básicas aos passageiros até que o comandante pudesse dar informações mais precisas. Diante do cenário, seguimos para Teresina onde o tempo era bom e estável, e foi somente ao iniciar a subida para o nível de cruzeiro que eu tive tempo de fazer um anúncio aos passageiros comentando sobre a nossa arremetida e que estávamos seguindo para o aeroporto de alternativa.

Na aviação, há muito tempo ouço que quando o comandante toma uma decisão, especialmente quando diz respeito a seguir para determinada alternativa, ele deve ser firme e seguir adiante. Eu concordo, mas também acredito que ele deve saber reavaliar suas decisões e ter coragem, e humildade, para voltar atrás e seguir em outra direção.

Foi o que aconteceu, pois no caminho para Teresina, ainda durante a subida, houve a melhora das condições de Fortaleza. Diminuímos a velocidade e, sempre de olho na quantidade de combustível nos tanques, fomos atrás de informações mais precisas. Efetuamos contato com a torre de controle de Fortaleza que nos informou que a chuva havia, de fato, diminuído de intensidade e que as nuvens aparentemente se afastavam cada vez mais da área do aeroporto. Já o controle de aproximação nos informou que a pista ainda estava interditada, mas que já estava prestes a ser liberada pra as aproximações, e que caso regressássemos seria previsto uma aproximação direta, sem qualquer espera. De posse destas informações, conversando e buscando a opinião sincera do copiloto, decidimos regressar a Fortaleza.

Mais uma vez deixei os comissários e passageiros a par da situação. E não demorou muito para que a Chefe de Equipe dos comissários me informasse que após o pouso seria necessário o pessoal da “limpeza pesada”, pois vários passageiros tinham passado mal.

Após mais um pouco de turbulência e debaixo de chuva leve, pousamos com segurança. Principalmente nestas situações, a caminho do estacionamento da aeronave, faço um último anúncio aos passageiros onde explico tudo que aconteceu. Disse que certamente não foi um voo agradável, mas procuramos manter a segurança sempre em primeiro lugar.

No desembarque, quando fico na porta me despedindo dos passageiros, um senhor me perguntou como ficaria a nossa situação se novamente a chuva aumentasse ou outra ocorrência interditasse a pista de Fortaleza. Este senhor seguiu em frente, talvez não quisesse saber a resposta. Bem, sempre temos que ter um “plano B”, e no caso seria ficar aguardando a normalização das condições de Fortaleza. Se uma segunda arremetida tivesse sido realizada (nestes anos todos de aviação comercial, nunca tive que arremeter duas vezes num mesmo voo), ainda tínhamos combustível para 50 minutos de voo, tempo insuficiente para alcançar outro aeroporto, mas suficiente para, de alguma maneira, a situação normalizar em Fortaleza. Além disso, se for para considerar o imponderável, naquela situação eu deveria considerar que o imponderável poderia acontecer também em Teresina, aonde chegaríamos com menos combustível nos tanques.

Após trinta minutos de “trânsito” em Fortaleza, seguimos de volta à Guarulhos, desta vez num voo bastante tranquilo, sem surpresas.