domingo, 29 de maio de 2011

Gente diferenciada


     Dia 31 de maio é dia do comissário(a) de bordo, profissionais sem os quais um voo comercial não decola. É uma atividade bacana, sobretudo porque ao contrário dos pilotos que lidam com uma máquina, os comissários lidam com gente.  Gente de todos os tipos e origens; artistas, desconhecidos, milionários, passageiros de primeira viagem, crianças, idosos, estrangeiros e brasileiros de todos os cantos.  Por isso, os comissários possuem muitas estórias para contar.

     O perfil dos passageiros mudou muito nestes últimos anos, e hoje em dia todos podem voar. Isso é ótimo, pois desta maneira o número de aviões necessários é bem maior, portanto a oferta de emprego na aviação aumentou muito. Os passageiros pouco acostumados a viagens aéreas, principalmente os idosos, dão um pouco de trabalho durante o embarque e desembarque, mas em compensação, durante o voo são super tranquilos.  Já os mais habituados, estes sim, podem dar um pouco mais de trabalho à tripulação de cabine. Nem todos perceberam que o “glamour” das viagens de avião, definitivamente faz parte do passado.

 Talvez por serem muito bajulados, há muitos artistas que não querem sequer dirigir a palavra aos comissários, nestes casos seus assessores fazem a comunicação.   Já os políticos não perdem a oportunidade para sorrir e tentar ganhar mais um voto para as próximas eleições.  Os músicos costumam ser mais extrovertidos e volta e meia dão um pulo na galley e puxam papo com os tripulantes. Além de carregar CDs para distribuir, sobretudo as bandas menos conhecidas, muitas vezes acabam convidando a tripulação toda para ir ao show, quando este acontece na cidade de pernoite. Certa vez, em um voo de Airbus A-300, terminado o serviço de bordo, o Tim Maia estava batendo papo com as comissárias. Uma delas, minha amiga Dayse, disse que era tão fã dele que já tinha ido a um show que nem ele próprio tinha comparecido! É que Tim Maia tinha fama de se atrasar e até de não aparecer em seus shows. Ele ficou sem graça e tratou de dar uns CDs para a Dayse.

     Um colega da minha mulher, o Mário, também tem uma estória de um passageiro diferenciado.  Mário estava fazendo o voo São Paulo/Londres, e na classe executiva ele observou um senhor viajando sozinho com uma pequena mala de mão.  Dois dias depois, quando o Mário embarcou para fazer o voo de volta ao Brasil, adivinha quem também estava embarcando?  O mesmo passageiro, o que não é comum em viagens intercontinentais. Ao reconhecer seu passageiro de dois dias atrás, encontrou um tempo para bater um papo com ele. Este senhor comentou que tinha ido até a Ásia para uma reunião de negócios e que não queria perder tempo. O Mário fez as contas e concluiu que neste caso, aquele senhor não tinha dormido uma noite sequer fora do avião, e perguntou: ­- Como é possível? O distinto senhor explicou que viajava apenas com uma mala de mão, pois para ele, tempo era dinheiro, e que usando as salas VIPs a que tinha direito ele  economizava em diárias de hotel e voltava para o trabalho em São Paulo mais rápido. O Mário, que àquela altura do bate papo já tinha conquistado o passageiro, ainda teve a cara de pau de dizer que mal podia imaginar a situação da cueca!  Ambos deram muitas risadas. Antes de desembarcar em São Paulo, nosso distinto  e econômico passageiro disse ao Mário que tinha gostado muito dele e entregou seu cartão pessoal, dizendo que se precisasse de algo, para procurá-lo. Nosso colega quase não acreditou quando descobriu que aquele senhor era um bilionário, dono de várias empresas, entre elas uma empresa de aviação.

     Outra colega da minha mulher, Sílvia, também teve um contato curioso com uma passageira diferenciada. Ela estava em Guarulhos esperando o pouso do avião procedente de Londres, para seguir trabalhando para o Rio de Janeiro. Enquanto aguardava, ela foi tomar um cafezinho e observou uma distinta senhora olhando o balcão da cafeteria. Como esta senhora não carregava uma bolsa, Sílvia gentilmente ofereceu um café a ela. A senhora agradeceu a gentileza e recusou a oferta. No minuto seguinte Sílvia percebeu a chegada de uma verdadeira comitiva se aproximando daquela senhora. Assessores, segurança e membros do Governo Brasileiro.  Foi então que ela percebeu que a senhora em questão era a Rainha Sílvia, casada com o Rei Carlos XVI da Suécia! A Rainha Sílvia, embora nascida na Alemanha, tem nacionalidade brasileira, pois sua mãe é brasileira, tendo com ela morado no Brasil entre 1947 e 1957.  Durante o curto voo para o Rio de Janeiro, em que a Rainha Sílvia foi passageira da comissária Sílvia, nossa amiga foi à primeira classe.  A Sílvia comissária fez questão de falar com a Sílvia Rainha, e disse estar sem graça, pois não a havia reconhecido naquele momento em que oferecera um cafezinho. A Rainha disse que não havia motivo para pedir desculpas, muito pelo contrário, ela é que devia se desculpar por ter recusado o café, mas que sabia que logo seu marido chegaria e que provavelmente teria que dar atenção a ele e aos demais membros da comitiva.  A Rainha ainda acrescentou que um dos motivos que amava o Brasil era justamente esse: as pessoas.

     Gente diferenciada é outra coisa....

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Combustível mínimo


 Este episódio aconteceu em 1996 em um vôo de Boeing 737-300 da “velha” Varig.Era para ser uma etapa de pouco mais de uma hora de vôo entre Goiânia e Belo Horizonte, mas acabou se tornando uma longa viagem.

 Durante a descida para o pouso em Confins/BH, por volta de duas da tarde, os pilotos observaram pelo radar meteorológico que grandes nuvens haviam se formado e ocupavam praticamente toda a área sobre a cidade e o aeroporto.  A chuva, que já caia sobre a pista, estava se intensificando, mas ainda não prejudicava tanto a visibilidade e a aproximação foi iniciada. A turbulência sacudia o avião que ia perdendo altitude e se aproximando da pista de pouso, os pilotos podiam sentir os fortes ventos  e mantinham-se atentos às constantes variações de potência do motor.  A chuva se intensificava e a torre reportava uma redução da visibilidade com chuva forte,com o vento variando em sua direção e com rajadas. Ao atingir a altitude mínima de descida do procedimento por instrumentos, com ambos os limpadores de para-brisas atuando em velocidade máxima, não foi possível avistar a pista e uma manobra de arremetida foi iniciada.   Para os passageiros, uma arremetida é sempre algo inesperado e desconfortável. Para os pilotos, por mais que seja uma manobra bastante praticada em simuladores de vôo, arremeter sempre exige rapidez de ação e raciocínio, especialmente naquelas circunstâncias em que havia nuvens pesadas por toda a região.

Concluída a arremetida, os pilotos escolheram uma área livre das formações meteorológicas para efetuar uma espera e analisar a situação. O comandante efetuou um anúncio aos passageiros colocando-os a par da situação. Alguns contatos foram feitos com a empresa para obter boletins meteorológicos atualizados de Brasília e Galeão/RJ e para saber qual seria o melhor aeroporto para seguir caso o pouso em Confins permanecesse impraticável. Não havia previsão de melhora para os próximos 45 minutos, além disso, a torre informou que o balizamento da pista acabara de apresentar problemas em função de um raio que caíra. A decisão foi seguir para o Rio de Janeiro, pois além de haver passageiros para lá, já que era a sequência natural daquele vôo, a distância BH/RJ é menor que BH/Brasília e o tempo era bom tanto no Galeão quanto no Santos Dumont.
       
 Mas naquela tarde a coisas estavam acontecendo com uma rapidez surpreendente, e ao se aproximar do Rio de Janeiro, aquelas poucas nuvens que o boletim meteorológico havia informado estavam enormes! Os pilotos não estavam gostando nem um pouco da imagem que viam na tela do radar, CB’s e áreas de turbulência intensa em toda a região. Olharam para o indicador de combustível e procuraram ficar tranquilos, pois estavam a 10 minutos do pouso, seguindo um Jumbo da Air France. A exemplo do que ocorrera em Confins, os ventos estavam se intensificando e mudando de direção. O pouso com vento de cauda é permitido, mas somente se for de pouca intensidade, o que não era o caso, então a “pista em uso” no Galeão foi mudada exigindo mais uma série de proas e “vetores” para completar a aproximação. Os poucos minutos para o pouso iriam se transformar em mais um tempo precioso e desta vez o comandante não hesitou em pedir prioridade para o pouso, pois estava entrando numa condição de “minimum fuel”, ou seja, com menos de 30 minutos de autonomia de vôo. Ainda seguindo o Air France por poucas milhas na aproximação, uma nova surpresa: o comandante do Jumbo informou ao controle de tráfego aéreo que estava arremetendo após ter recebido um alerta de “windshear”! O Varig seguiu firme na aproximação, ambos os pilotos atentos, torcendo para que aquele alerta fosse uma situação momentânea e de olho na quantidade de combustível. Tesouras de vento, as “windshears”, são potencialmente perigosas para um avião em aproximação e quando o alerta soou na cabine do 737, não restou outra opção além de uma arremetida!
     
A situação estava ficando cada vez mais crítica,e da torre do Galeão veio a informação que as operações estavam suspensas devido à chuva forte,e o Santos Dumont também já estava fechado para pousos. O comandante declarou situação de emergência, e toda a prioridade foi dada a ele. Não havendo qualquer aeroporto comercial ao alcance, a Base Aérea de Santa Cruz passou a ser a única opção,e apesar de estar a 60 quilômetros de distância do Galeão não estava sob efeito do mau tempo.  Mantendo 5.000 pés de altitude o voo da Varig seguiu para Santa Cruz, sempre auxiliado pelo controle de aproximação.
         
Na cabine de comando há uma coletânea das cartas de procedimentos de pouso por instrumentos dos principais aeroportos do país, porém não das Bases Aéreas. Desta forma o comandante solicitou uma aproximação PAR, ou seja, uma “precision approach radar”,usada normalmente na aviação militar. Neste tipo de aproximação, o controlador de tráfego aéreo opera um radar de precisão, que como o próprio nome diz, possui precisão suficiente para instruir o piloto em sua aeronave até bem próximo da cabeceira da pista, tanto em termos de distância como também de alinhamento e altitude. No último minuto desta aproximação o controlador não para de emitir instruções, informando as pequenas correções de proa que possam ser necessárias, bem como a altitude que o avião deve passar a cada instante. Também é informado ao piloto o procedimento a ser executado caso ele deixe de receber instruções por mais de 5 segundos, e por fim, o procedimento de arremetida caso não seja possível estabelecer contato visual com a pista. Para os pilotos, arremeter não estava nos planos, era pousar ou pousar!
         
Por mais que o comandante tivesse efetuado constantes anúncios aos passageiros, ainda que os comissários procurassem se manter confiantes e calmos, o clima na cabine de passageiros era de bastante apreensão. Também pudera; a estas alturas já havia passado quase três horas de voo com muita turbulência, duas arremetidas, explicações por parte da tripulação e muita, muita expectativa.
           

 A mil pés de altitude, voando sobre o mar, os pilotos avistaram a pista! Um pouso suave em que a quantidade de combustível era tão pouca que ao desacelerar o avião as luzes de “low pressure” das bombas de combustível acenderam, numa indicação clara que não havia mais de 15 minutos de voo! Os passageiros aplaudiram, os comissários sorriram e na cabine de comando os pilotos trocaram olhares e cumprimentos. Muitos pensamentos passaram pela cabeça: o azar pelo mau tempo em Confins e Galeão, a sorte pela chance em Santa Cruz, orgulho pelo trabalho em equipe e indagações sobre o que fariam se não conseguissem pousar na Base Aérea.

 Após estacionarem o avião, outro tipo de dificuldade surgiu, pois todas as ações a partir daquele momento dependiam de autorização de um oficial da Força Aérea, o Comandante da Base. Por ser uma situação inesperada,a autorização para abertura da porta do avião, abastecer e decolar demoraram bem mais que o usual. Embora ninguém devesse desembarcar, dois passageiros não quiseram nem pensar em permanecer a bordo, e com a autorização do Cmt da Base Aérea, saíram do avião sem se importar onde estavam, como fariam ou como pegariam suas malas. Duas outras dificuldades surgiram: os caminhões de abastecimento não estavam preparados para receber um Boeing, já que os bocais das mangueiras eram padronizados para aeronaves militares. Um velho caminhão que abastecia o Boeing 707 da FAB teve que ser ativado. Além disso, o tempo fechou na região da Base Aérea, e por quase uma hora, enquanto a chuva caia torrencialmente, nada pode ser feito. Foi preciso muuuuita paciência para os passageiros e tripulantes, já que foram quatro horas parados na Base Aérea até que o 737 decolasse para o aeroporto do Galeão, que a estas alturas operava com tempo bom.
        
O comandante, que era gaúcho de descendência japonesa, aproveitou o tempo parado na Base Aérea,para, com a calma que é típica dos povos orientais, escrever um relatório detalhado sobre o ocorrido. Passado uma semana ele e o copiloto receberam em suas “pastas” uma correspondência do Diretor de Operações, elogiando-os e parabenizando-os pela atuação e decisões em um voo tão complicado.
     
Atualmente o comandante daquele voo esta trabalhando em uma empresa na China, e o copiloto, agora na função de comandante, pilota Boeing em uma empresa Brasileira.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Loucos pela aviação


 Eu já fui um louco pela aviação. Do momento em que despertei para o mundo dos aviões, até o dia em que comecei a voar no aeroclube, eu só pensava “naquilo”.  Comprava revistas de aviação, fazia coleção de tudo que se relacionava às empresas aéreas, montava maquetes e fazia passeios aos aeroportos. Voar passou a ser uma realidade depois de começar a frequentar o aeroclube em busca do Brevet, e aos poucos parei de comprar revistas especializadas, encerrei minha coleção e doei as maquetes que havia montado.  A aviação continua me fascinando, é uma grande paixão que faz com que eu exerça minha profissão com bastante alegria e motivação. Ao contrário de muitos colegas, estes sim, loucos pela aviação, o trabalho me basta.

Para os loucos pela aviação, voar o mês inteiro com apenas oito folgas não é suficiente! Principalmente entre os cariocas, há aqueles que voam de parapente ou asa delta. Estando de folga, não perdem uma boa oportunidade para saltar da Pedra da Gávea. Há também aqueles que possuem seus próprios aviões ou ultraleves.

Alguns pilotos fazem acrobacias aéreas e até participam de provas e exibições. Outros não se satisfazem em apenas pilotar aviões e tiram o Brevet de helicóptero. Recentemente conheci um colega que possui um helicóptero experimental. Que perigo, pensei eu! Nem todos são tão radicais. Há os que se envolvem ativamente nos aeroclubes, com atividades administrativas, sendo membros de diretorias e até presidentes.

Outra modalidade destes aficionados é o plastimodelismo e o aeromodelismo.  Os plastimodelistas não se cansam de montar suas maquetes, que, para o desespero de suas esposas, sempre encontram um espaço disponível em suas casas para expor sua última obra prima. E bota obra prima, pois, ao contrário das poucas opções que havia no mercado na minha época de “maqueteiro”, hoje em dia a variedade e a qualidade das maquetes é surpreendente, além do fato que, pela internet, encontra-se tudo.  Já os aeromodelistas montam e pilotam aeromodelos que podem ser desde pequenos helicópteros que evoluem dentro de um apartamento até aviões que chegam a ter mais de um metro e meio de envergadura. É claro que estes colegas, ao pernoitar no exterior, não perdem a oportunidade de ir a lojas especializadas.

Assim são os loucos pela aviação, escrevem para revistas, lecionam em aeroclubes e até escrevem em Blogs de aviação! Como diz meu colega Anacleto, estes rapazes são tão tarados pela aviação, que nos momentos de maior fissura, ao ir ao banheiro, levam consigo revistas de avião pelado!


segunda-feira, 18 de abril de 2011

Diversão garantida

O Oppermann, comandante na “velha” Varig, era garantia de diversão para os tripulantes que tinham o privilégio de fazer parte da sua tripulação. Em 2003 tive a sorte de tê-lo como meu “dupla” durante a instrução no simulador do MD-11, e nas 11 sessões de treinamento, nosso instrutor e eu demos muitas risadas com o jeito brincalhão dele e com suas estórias.


Gases inadvertidos:


Era um voo de MD-11 de Nova Iorque para São Paulo em que o Oppermann era um dos comandantes, juntamente com o Cmt “K”, o responsável pela viagem. O Cmt “K” estava sentado no assento da esquerda efetuando os preparativos antes da partida dos motores junto com o copiloto, enquanto o Oppermann ajudava nas demais tarefas. Foi quando, ao ajeitar uma da malas no bagageiro que há na cabine de comando, o Oppermann deixou escapar um pum. Antes que o pessoal percebesse, ele mesmo se entregou, tratando de explicar que havia sido sem querer. O Cmt “K” não quis nem saber e começou a lhe passar uma descompostura! Disse que era um absurdo, que ele não podia ter deixado aquilo acontecer e que era uma tremenda falta de educação. Mas foi quando o Cmt “K” disse que a mãe do Oppermann não havia dado educação, que a coisa ficou engraçada: o Oppermann não gostou do comentário, e colocando a mão no ombro do Cmt “K” conseguiu soltar um longo e sonoro pum. Disse que aquele, sim, era falta de educação, e que era totalmente dedicado ao “K”, que por sua vez ficou possesso!
 O Cmt “K” falou para o Oppermann recolher suas coisas e desembarcar imediatamente, o voo seguiria sem ele! Ao recolher as coisas dele, lembrou ao Cmt “K”que faltava apenas dez minutos para o início do voo, e que por se tratar de um voo longo, se ele desembarcasse o voo não poderia seguir com apenas um comandante e um copiloto. O ofendido voltou atrás na sua decisão, mas disse ao Oppermann que ficasse na cabine de passageiros e não aparecesse na cabine de comando durante a viagem. Sem problemas, e o Oppermann viajou o tempo toda na primeira classe! Dias depois, circulando pelo setor de Operações da Varig, o Cmt Oppermann encontrou o Piloto Chefe que o chamou para uma breve conversa. Ele disse que tinha ficado sabendo do ocorrido e que havia dado muitas risadas, pois o Cmt “K” havia feito por merecer aqueles gases, mas pediu ao Oppermann que no futuro tentasse uma saída mais diplomática...
Chute na bunda:
Mais uma vez o Oppermann estava voltando dos E.U.A., o comandante do voo era o “N, um dos mais antigos da velha Varig na ocasião, um verdadeiro “Vaca Sagrada”, como eram conhecidos os comandantes mais antigos da empresa. Ainda em solo, “N” estava de pé na cabine de comando quando o copiloto entrou. O copiloto, ao vê-lo de costas, confundiu-o com o Oppermann, e talvez abusando um pouco da relação de camaradagem que eles gozavam, deu-lhe um chute no traseiro! Imagine a situação do Cmt “N” levando um chute na bunda e se virando para ver que o autor daquele ato insano era o próprio copiloto do voo! E a cara do copiloto ao perceber que tinha chutado o traseiro de um dos comandantes mais antigos da empresa! O copiloto não sabia onde se enfiar e pediu mil desculpas, explicando o engano. “N” foi um “gentleman”, se mostrando compreensível e indulgente. No final sobrou para o Oppermann, que, quando a sós com o Cmt “N”, foi obrigado a ouvir um sermão. Ele dizia que o responsável por aquele chute era ele, Oppermann, por dar liberdade e intimidade aos copilotos! E o coitado, atônito, de braços abertos dizia: - mas comandante, que culpa tenho eu???
Previsão de mau tempo:
Nos voos para a Europa e Estados Unidos, boletins meteorológicos dos principais aeroportos podem ser recebidos a cada meia hora através de transmissões automáticas em certas freqüências de rádio. Estas freqüências de rádio, transmitidas em HF (high frequency), são muito potentes e podem ser recebidas em qualquer lugar do planeta, em compensação a qualidade da recepção pode ser ruim, acompanhada de chiado e ruído de fundo. Talvez por isso, costuma ser função do copiloto, ou do comandante “mais jovem”, colocar o fone de ouvido para ouvir e anotar os boletins meteorológicos desejados. Embora estes boletins sejam atualizados constantemente e informados a cada meia hora, os pilotos irão ouvi-los conforme a necessidade. Se a previsão é de tempo bom para destino e alternativas, não há motivo para verificações constantes, e se, pelo contrário, o tempo é ruim, uma verificação mais constante torna-se necessária. 
Pois bem, neste voo para Frankfurt, o Oppermann era o comandante mais “jovem”, e portanto, ouvia e anotava as transmissões meteorológicas de Frankfurt, Düsseldorf, Colônia e demais aeroportos da região. O tempo na região era bom e a previsão para as próximas horas idem, e isso era para ele uma oportunidade para mais uma brincadeira. Enquanto ouvia os boletins, ele anotava uma informação falsa, cujas condições meteorológicas não eram nada boas. Mostrava suas anotações ao comandante,  e com ar preocupado dizia que iria estar atento para a próxima atualização. No próximo boletim suas anotações mostravam uma significativa deterioração no tempo, com previsões de ventos fortes, neve e tendência a fechamento do aeroporto. E assim ele seguia fabricando boletins cujo tempo só piorava a cada hora, com nevascas abrangendo uma área cada vez maior, e já sugerindo um pouso em Lisboa ou Madri, onde segundo seus boletins, o tempo era bom. A brincadeira seguia, e no momento em que o comandante se mostrava realmente intrigado com tamanha mudança nos prognósticos, querendo ouvir ele mesmo as transmissões, o Oppermann caia na gargalhada, mostrando que tudo não passava de uma farsa.
Esse é o meu amigo Oppermann, uma peça rara e um grande aviador.


  • Na primeira foto está o Oppermann e eu no simulador do MD-11, e na segunda estamos com nosso instrutor, o Cmt. Galuff, durante o "briefing" para o treinamento.

domingo, 3 de abril de 2011

Quando uma profissão só não basta


  Em 1985, quando entrei para a aviação comercial, quase a totalidade dos pilotos da Varig eram apenas pilotos, até porque, muitos iniciaram cedo na profissão, antes mesmo de ter idade suficiente para concluir um curso superior. Uma excelente carreira que oferecia bons salários, promoções ao longo dos anos, estabilidade no emprego e uma ótima aposentadoria. No grupo de pilotos, era raro encontrar alguém que tivesse outra profissão além de aviador. Havia alguns comandantes que eram também advogados e outros poucos que possuíam algum tipo de comércio, mas a maioria vivia apenas de pilotar aviões e estar empregado na Varig (ou qualquer outra grande empresa) parecia bastar.
  Na minha turma de Evaer (Escola Varig de Aviação, que frequentávamos por certo período antes de voar uma das aeronaves da empresa), havia um colega dentista. Ele fechou o consultório e informou aos pacientes que estava encerrando as atividades para seguir carreira na Varig. Outro colega de turma era engenheiro, tendo inclusive trabalhado nas obras do “futuro” aeroporto de Guarulhos.
Com o passar dos anos este quadro sofreu mudanças. Muitos pilotos (e comissários também) passaram a fazer faculdade ou abrir pequenos negócios. Direito parecia ser a opção preferida, e quanto aos pequenos negócios, restaurantes, cafeterias e outros serviços estavam nos planos dos aeronautas. Alguns prosperaram nestas atividades paralelas, outros não.
    No começo da década de 90, surgiu em Porto Alegre o primeiro curso superior na área da aviação civil. Um convênio foi firmado entre a Varig e a PUC-RS, e assim, após ter formado quase a totalidade dos pilotos da Varig, a Evaer encerrou suas atividades. Nos anos seguintes os novos pilotos contratados pela Varig já eram formados em Ciências Aeronáuticas. Outras faculdades, além da PUC, criaram cursos similares na área da aviação civil, atraindo, inclusive, pilotos que já trabalhavam há anos nas empresas aéreas.
 Movidos por uma preocupação com o futuro, já que a crise na Varig (e também na Transbrasil e Vasp) se intensificava ano após ano, ou talvez por um desejo pessoal, cada vez mais aeronautas partiram em busca de uma segunda profissão. Muitos tripulantes se tornaram também advogados, arquitetos, psicólogos, fonoaudiólogos entre outras profissões. Mas a verdade é que são poucos os que conseguiram exercer estas atividades simultaneamente com a aviação. Um destes colegas, que já era formado em Ciências Aeronáuticas, conseguiu voar no quadro fixo da Ponte Aérea e após quatro anos se formou em Direito. Após passar nos exames da OAB e exercer a profissão junto com colegas da faculdade, ele se matriculou num curso superior de Gastronomia. Formou-se e continuou voando na Varig. Com o fim da “velha” Varig, ele se sentiu tranquilo, intensificando suas atividades de advogado. Mas ele sentiu falta da profissão de piloto, ao mesmo tempo em que foi se desencantando com o Direito. Após mais de um ano fora do mercado da aviação, foi contratado para voar de copiloto na Gol. Menos de um ano depois, foi voar em outra empresa, na Azul, onde em poucos meses foi promovido à função de comandante. Hoje ele exerce o cargo de instrutor, está feliz e nem sonha em voltar à atividade de advogado. Quanto à atividade de “chef de cuisine”, até onde eu sei, meu colega Muraca deixou de lado.
   Outro caso interessante é de um colega que depois dos 40 anos se formou em Administração de Empresas. Até aí tudo bem, ser um executivo ou ser advogado parece ser a opção mais lógica para os pilotos, acontece que já depois dos 50 anos de idade ele cursou medicina veterinária! Está cheio de idéias para o futuro e enquanto pilota Boeing pelo Brasil afora, ele faz planos para abrir um negócio no ramo veterinário.
   Há também o Cmt. Carlos Batista, que há anos exerce a atividade de psicólogo. Além de prestar serviços na área de recrutamento de pilotos, ele atende seus pacientes em consultório, sendo que neste caso, assim que recebe sua escala mensal de voos, ele abre a agenda para os pacientes.
Hoje em dia a aviação está repleta destes casos em que tripulantes que possuem outras atividades. Eu sou só piloto e muitas vezes acho que está faltando tempo no meu dia a dia para atividades de lazer ou para ficar tranquilo com minha mulher e filhos! Assim, admiro muito estes colegas que conseguem abrir mão do convívio familiar, se envolvendo em estudos e outras atividades além de sua profissão.


  • Duas fotos do Concorde que eu tirei de um livro ilustrado sobre a história dele. Na foto em que ele está estacionado no aeroporto de Los Angeles, aparece um outro avião. Adivinha de que empresa?



domingo, 20 de março de 2011

O D.O.

O D.O. (pronuncia-se DÊ Ó) é a sala do despacho operacional, no aeroporto, onde as tripulações se reúnem antes de seguir para os aviões e também permanecem os tripulantes que estão de plantão. Um espaço amplo com vários sofás, uma televisão, bebedouro, banheiros e local para o briefing das tripulações. Embora seja equipado com prateleiras para a acomodação das malas dos tripulantes, há sempre uma profusão delas espalhadas pelos cantos. Em alguns aeroportos, caso de Guarulhos em São Paulo, o D.O. funciona 24hs por dia, tem sempre alguém por lá, afinal, os voos não param na madrugada e há sempre tripulantes entre uma chegada e uma saída. Os tripulantes podem ficar no D.O. por um período maior quando estão efetuando uma reserva, ou por apenas poucos minutos, tempo suficiente para registrar sua chegada e se mandar para o avião.

Há certos períodos do dia em que o maior número de voos saindo faz com que o movimento em um D.O. seja surpreendente. Um exemplo disso era o antigo D.O. da Varig no Galeão/RJ, que no final da década de 80 e inicio dos anos 90 ainda concentrava boa parte dos voos internacionais. Todos os dias, a partir das oito horas da noite até a decolagem do último voo, o movimento era intenso. As tripulações dos voos para Frankfurt, Paris, Los Angeles e demais destinos se reuniam no D.O. Era um ambiente alegre, com muitos encontros e abraços entre os colegas.

O D.O. do Galeão contava com um diferencial em relação a Guarulhos, Congonhas ou Santos Dumont. É que lá tinha também uma melhor estrutura voltada para o conforto dos tripulantes. Havia sempre os jornais do dia, revistas da semana, café, chá, biscoitinho, um vídeo cassete (de quatro cabeças!) com seleção de filmes, e até manicures para as comissárias. Na época, era a ACVAR, a Associação dos Comissários da Varig, que organizava e bancava estas pequenas mordomias. Durante um período chegou até a disponibilizar uma mesa de snooker em uma sala próxima ao D.O. Outro diferencial do Galeão atendia pelo nome de Inalva. Ela era funcionaria da Varig e sua função era justamente de zelar pelo D.O. Ela sabia de tudo e de todos, e por isso era uma verdadeira fonte de informações. Com o tempo o Galeão perdeu parte de sua efervescência para o aeroporto de Guarulhos, que passou a concentrar a maior parte do movimento.

Antigamente, na era pré computadores pessoais, internet e facebook, havia em cada D.O. uma área de documentação, onde cada tripulante tinha uma pasta para receber documentos, boletins e informativos impressos da empresa. Também podíamos usar estas pastas para deixar algo para outro colega. Ao nos apresentarmos no D.O. para um voo, um dos nossos deveres era verificar a pasta junto ao setor de documentação. Atualmente, com a informatização, não há mais este setor, tudo é enviado e recebido pela internet, e para isso, os D.O.s possuem vários terminais de computados para o uso dos tripulantes. A internet também deixou para trás o “escaninho”, que era um móvel com varias prateleirinhas, três ou quatro para cada letra do alfabeto, onde os tripulantes podiam deixar recados uns para os outros.

Mesmo com a internet e toda a automação dos tempos modernos, os D.O.s não funcionam sem o ser humano. Estes funcionários emitem passes, que são os cartões de embarque para os tripulantes que viajam como passageiros, fornecem “vouchers” de alimentação e transporte quando necessário e anotam nossos números de celulares para quando precisamos nos ausentar por um tempo (refeição, banheiro, cafezinho...) durante o período de reserva, anotam recados, guardam objetos encontrados, e uma serie de outras atribuições que só eles sabem. Conhecem a maioria dos tripulantes pelo nome e parecem saber a numeração de toda malha de voos da empresa.

A atuação deles é fundamental para o dia-a-dia da “aviação”. Sem eles os tripulantes ficariam sem rumo, sem uma série de informações necessárias: se o avião de determinado prefixo já pousou, qual a posição no pátio do voo para tal localidade, se fulano já se apresentou para o voo, se sicrano que estava de reserva já foi acionado e uma série de outras perguntas. A turma do D.O. é também uma “ponte” de comunicação entre a escala de voos e os tripulantes, e por isso, estão sempre em contato telefônico. Se a escala precisa acionar ou alterar a programação de um tripulante que esteja no D.O., lá vai o funcionário do D.O. anunciar o nome do “infeliz” pelo sistema de alto falantes. O pior é que quem quer que seja convocado, comandante, copiloto ou comissário (a), o anuncio vem sempre precedido da silaba CO! Ao anunciar - Atenção co....fulano de tal, favor comparecer ao D.O...., todos tremem, até descobrir que não foi seu nome a ser anunciado. Ok, o chamado pode até ser para algo bom, uma liberação ou apenas uma informação útil, mas de qualquer forma todos tremem, pois de um modo geral, o chamado é para mais trabalho ou alterações para pior na programação do dia.

A rotina deles não é fácil, às vezes parecem que vão surtar, tamanha a quantidade de solicitações! Alguns destes funcionários estão há mais de 25 anos atrás do balcão do D.O., possuem uma tremenda experiência e capacidade. Não e fácil administrar a confusão que se instala nos dias de muito movimento ou ainda quando há “caos aéreo”, causado por mau tempo, aviões que não chegam, mudanças de programações, tripulantes que não comparecem e uma série de outros imprevistos inerentes à rotina da aviação.

O D.O. de uma grande empresa aérea é um local interessante de se observar. Muito entra e sai de tripulantes, numa aparente confusão que diariamente, e habilmente, é gerenciada por estes "anjos da guarda”.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Pequenos e aconchegantes ou grandes e poderosos?

Aeroportos grandes são fantásticos! Heathrow, Schiphol, Charles de Gaulle e JFK são alguns destes aeroportos. São enormes com vários terminais, múltiplas pistas e taxiways com chegadas e saídas de aviões para o mundo inteiro. Estes aeroportos, ainda que sejam afastados dos centros urbanos, possuem procedimentos específicos de “noise abatement”, ou seja, redução de ruídos, para que as aeronaves executem nas chegadas e principalmente nas saídas. A menos que ocorra uma pane após a decolagem que comprometa a performance do avião, os procedimentos de subida devem ser rigorosamente cumpridos. Ângulos ou razões de subida, altitudes específicas para redução de potência e curvas em pontos precisos devem ser realizadas pelos pilotos. Muitos destes aeroportos possuem sensores de ruídos espalhados nas proximidades, sob a trajetória dos procedimentos de subida. Um pequeno descuido dos pilotos quanto à execução do “noise abatement” pode ser detectado pelos “pick-ups” de ruído, e em poucos dias a notificação da ocorrência será enviada a empresa aérea que devera informar o ocorrido. Caso não tenha havido uma pane que possa justificar um abandono do procedimento de atenuação de ruídos, a empresa recebe uma multa.

Assegurar que nenhum pick-up de ruído será “estourado” não é difícil, basta inserir nos computadores de bordo e conferir cuidadosamente os dados do procedimento de subida a ser executada após a decolagem. Efetuar um bom briefing e após a decolagem executar a parte mais importante: ligar o piloto automático e apertar os botões corretos, ou seja, LNAV e VNAV, para que a navegação Lateral e Vertical seja seguida!

Certa vez, decolando de Madri no B-767, o comandante do voo (eu era o cmt mais novo e estava sentado no jump-seat, que é o assento extra na cabine) ligou o piloto automático, mas não no modo correto e a curva imediata a direita foi iniciada com um pequeno atraso. Não deu outra, e duas semanas após, recebi uma solicitação da chefia para relatar o ocorrido.

Aeroportos grandes são legais, mas o que eu gosto mesmo é dos pequenos, apertados e encravados nas regiões centrais das cidades. Congonhas e Santos Dumont são dois clássicos que eu sempre adorei pousar e decolar. Outro aeroporto que é especial, mas que atualmente as grandes empresas não estão podendo operar, é o aeroporto da Pampulha em Belo Horizonte. Junto à lagoa da Pampulha, dentro na cidade, é uma “mão na roda” para os passageiros e para os tripulantes quando em programação de pernoite. Na aproximação final para pouso, voamos baixo sobre a lagoa e mais baixo ainda sobre a avenida próxima à cabeceira da pista. O pátio de estacionamento é pequeno e o saguão de passageiros fica a poucos metros da escada do avião. Não há pontes de embarque e os pousos e decolagens acontecem muito próximos das aeronaves ali estacionadas.

Já em Buenos Aires, depois de décadas operando no aeroporto de Ezeiza, que fica afastado do centro da cidade, as empresas receberam autorização para utilizar o Aeroporto Internacional Jorge Newbery, mais conhecido por Aeroparque. É o “Congonhas de Buenos Aires”, beirando o Rio da Prata e ao lado de Palermo, que é um bairro nobre da capital Portenha. A cinco ou dez minutos da região da Avenida Nove de Julho, Porto Madero e Recoleta, chegar e sair pelo Aeroparque facilita muito a vida dos passageiros.

Há um detalhe que faz com que o Aeroparque seja especial. É que Congonhas está localizado num platô, e por isso a pista fica acima das ruas e prédios da região. Já na Pampulha, a área de sobrevoo quando na aproximação para pouso não é o que se pode chamar de uma região bonita. No Santos Dumont, quando voamos baixinho próximo à pista, estamos sobre o mar. Agora, na chegada ao Aeroparque há o sobrevoo de uma área muito bacana de Buenos Aires, além disso, a pista está situada ao nível do mar, ou ao nível do rio, a pouquíssimos metros das avenidas e edificações. Uma chegada espetacular, que se pudesse, puxava o freio de mão para poder admirar melhor o visual da cidade.

Após o pouso há mais um aspecto que eu gosto muito, que é taxiar até o local de estacionamento. Lá, as taxiways e pátios são extremamente apertados e movimentados. A asa de um avião pode passar a apenas quatro metros de outro avião, o que é muito pouco. Há posições de estacionamento em que a calçada junto à avenida está a poucos passos do avião. Carros passando, pedestres caminhando, árvores próximas e o Rio da Prata logo ali.

Ao término do desembarque dos passageiros, costuma haver tempo suficiente para que os tripulantes dêem uma passada no freeshop do aeroporto, que dependendo da posição de parada, fica a menos de 2 minutos de caminhada. Além disso, ao contrário de alguns aeroportos aqui no Brasil, lá no Aeroparque os tripulantes não são vistos com desconfiança pelo pessoal da segurança e da administração aeroportuária. De uniforme e crachá, caminhamos pelo pátio, acessamos o saguão de embarque, compramos um vinho ou qualquer outra coisa e regressamos ao avião na maior tranquilidade.

Aeroparque 4Ever!





sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Operação Tartaruga e a chegada em Salvador

A Tartaruga

No final da tarde de ontem pousei em Porto Alegre, e ao ingressar na "taxiway" em direção ao pátio de estacionamento havia uma tartaruga no caminho. Talvez  tenha sido uma jabuti ou um cágado, não sei bem a diferença entre estes répteis, mas ela (ou ele) vinha de uma área de banhado próxima à pista. Estava tentando cruzar a taxiway, quando ao sentir a aproximação do Boeing, efetuou 180 graus e voltou para onde estava. Deu tempo de abrir a janela e registrar o momento.

Dizem que todos os dias no final da tarde esta mesma tartaruga tenta fazer este percurso e nunca consegue, já que sempre surge um avião para atrapalhar. Persistente a bichinha, e com uma vida longa pela frente, um dia ela consegue.

Chegada em Salvador

Uma das chegadas mais bonitas aqui no Brasil é a aproximação para Salvador. Vindo da região Sul/Sudoeste, em dias de tempo bom, a vista é linda! Pouco depois de iniciar a descida, avista-se a Baia de Camamu à esquerda. Mais uns minutos de voo e a região de Morro São Paulo também aparece . Nesta fase da descida os passageiros sentados juntos às janelas da esquerda do avião podem observar a aproximação de Ilha de Itaparica. O extremo sul da ilha com a região de Cacha Prego, mais adiante o Club Méditerranée (Club Med) e em seguida a ponta norte na região da Penha. 

Os passageiros sentados junto às janelas da direita, que até então estavam "a ver navios", agora que o voo está mais próximo de chegar, podem curtir o visual da cidade de Salvador. Uma vista linda das praias, do Farol da Barra, da Baia de Todos os Santos, da cidade antiga, dos barcos e navios e do Forte São Marcelo. Mesmo à noite, esta aproximação é maravilhosa e eu não me canso de admirar!





quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Na condução


Quando saímos de casa para uma programação de dias, uma parte deste tempo passamos dentro do transporte fornecido pela empresa. Em São Paulo (e antigamente no Rio de Janeiro, na época da “velha Varig”) há ônibus em horários regulares no trecho Congonhas-Guarulhos-Congonhas. Neste trajeto, que pode facilmente levar mais de uma hora, quase sempre encontramos colegas e amigos da aviação. Outras vezes encontramos na mesma condução os demais tripulantes do voo. Há dias em que aquele tempo entre um aeroporto e o outro é um momento de descanso e relaxamento, e outros em que colocar o papo em dia é a melhor coisa a fazer enquanto o ônibus vence o trânsito caótico da cidade de São Paulo.

É nas conduções fora de São Paulo, no trajeto aeroporto-hotel-aeroporto, que momentos gostosos podem ocorrer. Durante o voo nem sempre os comissários encontram tempo para ir à cabine de comando conversar, assim, é no caminho para o hotel que a tripulação pode bater um papo descontraído, e muitas vezes animado. Quando a tripulação é pequena o clima “a bordo” vai de acordo com o ritmo do comandante, que pode estar caladão ou animado e falante. Eu faço parte deste segundo grupo, embora tenha momentos em que aproveito este tempo para fechar os olhos e descansar.

Antigamente o carro número 1 para transportar os tripulantes era a velha, e não tão boa assim, perua Kombi. Até meados da década de 90, se a tripulação não fosse superior a sete pessoas, era sempre uma Kombi! Para tripulações maiores, tinha que ser um ônibus, ou pelo menos um microônibus.

Um código não combinado diz que os comissários novos seguem nos bancos de trás, e o copiloto ao lado do comandante. Já o comandante tem um lugar quase certo nestas conduções, que nos veículos pequenos é o assento atrás do motorista. Na velha Varig alguns ônibus tinham um cabeçote nas primeiras fileiras reservando os assentos aos comandantes. Uma grande bobagem, até porque o primeiro assento pode ser o mais perigoso, mas a verdade é que já houve vários casos de comandantes “desembarcando” do “seu” assento aquele que lá sentasse. Dizem que nestes assentos há um pino saliente sob o estofado, e por isso os comandantes fazem questão de se sentar ali. É o famoso “pino do comandante”.

Certa vez, acomodado na primeira fileira de assentos do ônibus estava um antigo comandante da empresa. Já havia se passado dois ou três minutos do horário de saída e o motorista parecia calmo em seu assento. O comandante, de uma forma rude que lhe era peculiar, deu uma chamada no motorista dizendo que já havia passado do horario. O motorista não gostou do comentário e, levantando-se, disse que se o comandante estava com pressa, que assumisse a direção. O que ele não sabia era que aquele comandante já havia sido caminhoneiro! Pela maneira que o comandante, já sentado no assento do motorista, engatou a primeira marcha e suavemente iniciou a movimentação, o motorista percebeu que o cara entendia do assunto. Sem graça, disse ao comandante-motorista que infelizmente a seguradora do ônibus não permitiria aquela situação, e reassumiu a direção do ônibus.

Da mesma maneira que a parte mais perigosa da profissão é o trajeto de casa para o aeroporto, também nas conduções passamos por riscos de acidentes. Em Fortaleza já houve vários casos, sendo que em um deles, o comandante ficou afastado do voo por meses para se recuperar das lesões. Mais recentemente, também em Fortaleza, houve um acidente grave e enquanto não chegava o resgate, transeuntes aproveitavam para roubar as malas dos tripulantes que estavam presos dentro do veiculo ou na calçada se recuperando do choque. Foi uma loucura, uma vergonha.

Nos Estados Unidos era muito comum a condução não ter espaço suficiente para carregar as malas da tripulação, então havia nelas um reboque com um trailer para colocar as bagagens. Certa vez, a caminho do hotel em Nova Iorque, a porta deste trailer abriu e algumas malas caíram na via sem que o motorista percebesse. A condução seguiu normalmente até que uma camionete que havia presenciado a cena passou freneticamente lado do ônibus buzinando e abanando umas roupas pela janela. Só podia ser um maluco! Mas eis que alguém percebeu que na caçamba da camionete havia umas malas claramente identificadas como sendo de tripulantes! O alerta foi dado e o ônibus parou no acostamento para resgatar os pertences que haviam caído.

Certa vez, naqueles meses de alta crise na velha Varig, no trajeto do hotel para o aeroporto de Heathrow, em Londres, a conversa estava num rumo baixo astral, pois um dos copilotos do voo não parava de falar da crise. Dizia que a Varig estava para quebrar, que a administração isso, que a chefia aquilo, que o governo não estava ajudando, que nada funcionava, os aviões estavam ruim, os voos atrasados, e que ia dar tudo errado. Por outro lado, dizia ele, a Tam estava com tudo: crescendo, ampliando a malha, recebendo novas aeronaves, contratando pilotos e com ótimas perspectivas para o futuro. Aquela conversa não estava legal, então pedi a ele para mudarmos de assunto. Em uma hora estaríamos decolando um MD-11 com 270 toneladas de peso e aquele momento estava inapropriado para aquele assunto baixo astral. Se ele desejasse, depois que atingíssemos o nível de cruzeiro, poderíamos discutir sobre a situação da Varig. Foram onze horas de voo até São Paulo e praticamente não se falou de crise.

Outra situação parecida aconteceu com o comandante Cunha, também em Londres, só que no trajeto aeroporto-hotel. Mal o ônibus deixou o aeroporto e o primeiro oficial do voo pediu permissão para atualizar os tripulantes sobre a situação da Varig. Este colega fazia parte da diretoria da Associação de Pilotos da Varig, que naquela época travava uma dura batalha pela sobrevivência da empresa. Aproveitando-se do sistema de som do ônibus, em pé no corredor, ele discorreu sobre a crise, as perspectivas, dificuldades, ações, enfim um briefing completo para os demais 15 tripulantes e mais alguns familiares que estavam a bordo. Um panorama terrível em que nem o mais otimista dos otimistas deixaria de se preocupar.

Aquele papo não fez bem a ninguém, e o corpo do comandante Cunha reagiu. Já acomodado no quarto do hotel ele percebeu que não estava se sentindo bem. Pressão, suor, taquicardia, algo estava errado. Ligou pra o médico de plantão que atendia os tripulantes em caso de necessidade e rapidamente foi examinado. O médico diagnosticou um caso de alto stress, dando a ele remédio pra pressão e impedindo que ele voltasse ao Brasil trabalhando. No dia seguinte, o comandante Cunha regressou ao Brasil devidamente acomodado na classe executiva e uma semana depois já estava apto a reassumir sua escala de voos. Condução não é local nem momento para baixo astral!

Recentemente fiz uma programação de dois dias com pernoite em Belo Horizonte. Foram apenas 12 horas de hotel, chegando as 22:40 hs e saindo as 10:40 hs da manhã seguinte. Não houve tempo para passeio, mas em compensação, o trajeto de 45 minutos entre o hotel e o aeroporto de Confins foi divertidíssimo! Seis tripulantes no fundo do microônibus conversando, contando piadas e casos engraçados. Foi, sem dúvida, o melhor momento de toda a viagem!