segunda-feira, 14 de maio de 2012

Confiança

A confiança cumpre um papel primordial na aviação. Para efetuar um voo de “A” para “B” temos que confiar em pessoas e equipamentos e para isso é preciso que a empresa possua bons funcionários, bom treinamento e bons recursos materiais. Quando, por exemplo, o funcionário responsável pelo carregamento de uma carga perigosa nos informa que está tudo devidamente acomodado no porão de cargas, conforme os regulamentos e procedimentos vigentes, e nos pede para assinar o formulário de aceitação, temos que acreditar que de fato está tudo nos conformes. Um aspecto de extrema importância na preparação de um voo, e que nós pilotos temos que confiar na equipe que executa, é a correta distribuição da carga e bagagens. Uma carga mal distribuída ou mesmo mal fixada, muito para trás ou para frente do avião, pode ter consequências desastrosas, principalmente nas operações de decolagens e pousos. Tudo deve ser pesado e distribuído de acordo com as planilhas de peso e balanceamento para gerar um documento que o comandante deve assinar. Mais uma vez temos que confiar, não dá para verificar pessoalmente a carga no porão!


E o que dizer da confiança que depositamos nas instruções do órgão de controle de tráfego aéreo? Ao lidar com os funcionários do carregamento, balanceamento, mecânicos, despachantes e tripulantes, há como olhar nos olhos e perguntar: - Tem certeza que está tudo OK?  Já o controlador de tráfego aéreo não apenas está em outro ambiente como muitas vezes temos que seguir imediatamente as instruções dadas. Antigamente, quando não havia o amplo com o uso do TCAS, radar de bordo que mostra a posição e o deslocamento das outras aeronaves nas proximidades, os pilotos ficavam completamente nas mãos do controle de tráfego aéreo, era uma confiança quase cega. Assim como os passageiros ficam 100% à mercê dos pilotos, nossas vidas dependiam do controle de tráfego aéreo. Com o TCAS é diferente, temos uma ferramenta a mais para aumentar a segurança de voo.

Na “velha Varig” havia outra relação de confiança que nos dava bastante tranquilidade para exercer nossos trabalhos: era a confiança que tínhamos na empresa e em nossas chefias, que na maioria das vezes era mútua. Acreditávamos que um erro de nossa parte, com ou sem maiores consequências, seria tratado de forma justa, não havia um medo ou receio de punição, tão pouco de demissão. A diretoria de operações, por sua vez, também confiava bastante no julgamento dos pilotos. Antes da era da internet e telefonia celular, quando surgia um problema em locais remotos e havia necessidade de um contato telefônico, era comum ouvirmos deles que o que nós, comandantes, decidíssemos, estaria bem decidido.

Os comandantes, sendo mais experientes, costumam favorecer os copilotos oferecendo a eles mais oportunidades de pousar o avião. Se o número de etapas é impar, geralmente o copiloto irá operar mais vezes o avião, e eles adoram! Quando é a primeira vez que conhecemos determinado copiloto e deixamos que ele decole e pouse o avião, estamos confiando não apenas nele, mas em todo o departamento de ensino, treinamento e avaliação da empresa. A decolagem é um processo mais simples, mesmo assim a atenção do comandante é grande. Se não ocorreu antes, durante a etapa de cruzeiro o comandante certamente vai sondar o copiloto a respeito de sua experiência profissional. Assim, sabemos o que esperar do copiloto quando ele estiver manejando os comandos na hora da aproximação e pouso.

Por fim há a autoconfiança, talvez a parte mais interessante da nossa atividade. Devemos confiar em nossas habilidades e conhecimentos, saber quão prontos estamos para as situações que possam surgir e também estar cientes de nossas limitações. Saber o momento de avançar, de parar e o momento de recuar. É importante ter em mente que com toda a confiança que depositamos em pessoas e equipamentos, temos que ter sempre um plano “B”, uma pequena desconfiança.  O que fazer se o carregamento não estiver correto, se os instrumentos de voo fornecerem informações errôneas, se a instrução do controlador de tráfego aéreo nos parecer conflitante com a segurança do voo e se panes surgirem pela frente?  Um constante exercício de se antecipar aos problemas, ou como se diz na aviação, estar um passo à frente do avião.

Antes que digam que eu me esqueci da enorme confiança que é depositada na área de manutenção e engenharia aeronáutica, deixo esta parte para a próxima postagem.



17 comentários:

  1. E depois alguns dizem que não se pode ter fé,veja os exemplos que o comandante deu em todos eles a que se acreditar cegamente de que o que está sendo informado está correto,isto é uma experiencia de fé,pois fé é a certeza a respeito naquilo que não se vê!!!
    E realmente em aviação está é uma cadeia de eventos em que nada pode falhar,parabens Comandante Roberto este post que pode ser encarado de diversas formas,mas sem duvida nenhuma nos tras uma bela reflexão sobre a fé em tudo na vida!!

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  2. Salve Comandante, primeiro parabéns pelo seu blog. Já o li de cabo a rabo e agora está no meu checklist. Sempre volto para ver se tem novidades.
    Como vc explica o excesso de autoconfiança do comandante que em vez de botar 027, usou 270 e foi vítima de pane seca? Onde estavam o copiloto e até o passageiro que identificou que o sol estava do lado errado?

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    1. Realmente Tony, o acidente do voo 254 foi um absurdo. Um excesso de confiança, uma boa dose de prepotência, um copiloto pouco assertivo, um desprezo por sinais claros que o rumo estava errado, muita distração e nada de CRM. Foi lamentável. Abç, Roberto.

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  3. Muito bom excelente, e claro espero a proxima postagem!!!

    Mudando de assunto...
    Comandante eu gostaria de colocar um link do seu blog no meu blog, la na area destinada as parcerias, mas o sr não possui banner, eu poderia colocar so o link ou talvez utilizar uma de suas fotos em postagens anteriores?

    até a proxima
    Carlos H Peroni Jr

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    1. Caro Carlos Peroni, eu sou muito fraquinho em computação, por isso não tenho banner. Pode colocar o link, será um honra. Abç, Roberto.

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  4. Tranquilo Comando já esta lá

    http://manutencaodeaeronaves2011-2013.blogspot.com.br/

    Honra é nossa
    abraço
    Carlos Peroni

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  5. Boa Comandante,

    Aproveitando o assunto,
    Ficará meio inviável para fazer um banner para o sr. conforme conversamos via email, porém vou colocar o link do teu blog para que muitos consigam disfrutar de tão exelente blog.
    Depois de uma olhada: www.voevarigv.com

    um abraço,
    Diego

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    1. Bom comandante,

      Se um dia criar um banner, peço que me avise para que eu coloque no meu site

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  6. Olá beto, gostaria de parabenizar pelo excelente blog, contando sua historia da aviação e nos dando otimas dicas, estou com 18 anos fazendo o PC teorico e espero viver historia como as suas. Em especial a do voo na varig para o japão. Obrigado pela motivação que você nos dá. Continue assim. Grande abraço

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  7. Bom dia comando. Demorei mas voltei rs. Gostaria de saber do senhor se existe algum "código de piscadas" daquelas luzes na ponta das asas e onde se encontra esse material? Pergunto pois observo nos aviões que passam pela minha regiao que não piscam de maneira uniforme. Aparentemente em cada momento do voo é de uma forma e eu gostaria de saber. Um forte abraço e parabéns pelo blog.

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    1. Caro Leandro. As luzes vermelhas são as "anti-colisão", e estão acima e abaixo da fuselagem. geralmente elas são giratórias. Há também as luzes vermelhas e verdes de navegação sendo a verde na ponta de asa direita e a vermelha na ponta da asa esquerda. E há as "strobo-light", também nas pontas de asa e na cuda. nem todos os aviões possuem strobo na cauda, mas os grandes sim. O padrão de intervalo destas luzes podem variar de fabricante para fabricante. Ouvi dizer que no Boeing é uma piscada a intervalos regulares, e no Airbus são duas piscadas a intervalos regulares. Um grande mistério.... Um abraço, Roberto.

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    2. Muitas vezes aciona-se as "anticollision" no gate para dar aquele gas na galera que está carregando as malas no bagageiro.. e dar aquele susto. é ou não é assim comte? :-)

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  8. Beto podemos supor então que corremos risco da chefia das atuais empresas aereas nao tomares decisões corretas ou q nao condizem com uma punição que realmente seria adequada? Pode ocorrer demissões por motivos pifios?
    Grande abraço de um grande fã do seu blog e de suas historias!

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    1. Bom Emidio, não é tão simples julgar o que pode ser uma decisão correta ou não. Demição por motívos pífios é difícil. Quando alguém é demitido há sempre muitas versões, dificilmente dá para saber o real motivo. Algumas punições parecem injustas, mas vai saber o que realmente se passa né?

      Abç, Roberto.

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  9. Olá Beto, lendo seu texto recordo parte de nossos vôos na "falecida Varig". Sabíamos o que era confiança. Sempre soubemos o que era uma equipe. Eramos sim uma grande equipe de aeronautas, desde a cabine de comando até a cauda da aeronave. Não sei como é hoje pois não voltei pro mercado de trabalho.
    Amigo, passei para rever seus escritos e deixar meu carinho e admiraçao por sua sempre impecável conduta. Beijos na família e que Deus te abençoe em seus vôos. Abração !!

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    1. Grande Dayse, que satisfação ver seu comentário aqui no Blog! Muitas das boas estórias que eu passei na aviação foi com você na época do Airbus. Fortaleza, Manaus, Buenos Aires e no Rio de Janeiro. Um beijo, saudade. Beto.

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  10. Só vi este post agora!

    Na parte que me toca (controle de tráfego aéreo) temos que ter uma confiança cega entre nós controladores e pilotos, principalmente em TMAS convencionais como é o caso aqui de SBTE. Afinal solicitamos ou ordenamos algo ao piloto e esperamos que ele assim o faça. E disto resultará na separação e ordenação correta do tráfego e que o piloto pouse ou decole para seu destino com segurança e eficiência.

    Excelente post Roberto!
    P.S: Durante meu estágio prático, minha primeira aeronave controlada foi o PR-GGG 738 da GLO! Gravei vídeo, mas ainda quero tirar uma foto no cockpit dela. Só estou esperando ela aparecer novamente aqui em Teresina!

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