segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Natureza em fúria e outras ocorrências

Para manter seus voos no horário, as empresas aéreas enfrentam uma série de variáveis no seu dia a dia, sendo as mais comuns, os problemas meteorológicos e de manutenção das aeronaves. Há problemas relacionados ao gerenciamento do tráfego aéreo, infraestrutura dos aeroportos e uma série de outros fatores que exige um planejamento rápido e hábil, pois a malha de voos é um grande quebra cabeças e um avião parado ou atrasado pode afetar os demais voos. Outro aspecto que ocasionalmente dá um nó na malha aérea de uma empresa são as catástrofes naturais, tais como enchentes, nevascas, terremotos, cinzas vulcânicas e tsunamis.  Por fim, de tempos em tempos surgem guerras civis e conflitos entre países que fazem com que as empresas tenham que alterar completamente seu planejamento. A “velha” Varig, em seus 79 anos de existência, acompanhou vários destes episódios, disponibilizando seus porões de carga para o transporte de mantimentos e ajuda às vítimas de catástrofes naturais, bem como deslocou aeronaves para trazer de volta brasileiros que estavam no exterior.

Vejamos alguns episódios:

Em setembro de 1985 um terremoto de 8.1 graus na escala Richter atingiu a Cidade do México. A terra tremeu por pouco mais de dois minutos, suficiente para causar mortes e destruição, tendo sido uma das maiores catástrofes naturais do México. Havia uma tripulação da Varig pernoitando na Cidade do México, onde, além do susto, nada aconteceu, pois o hotel era resistente a abalos sísmicos. Naquela noite, apesar do caos na cidade, a tripulação embarcou para um voo lotado de volta ao Brasil. Nos dias seguintes a Varig remanejou sua malha para, com o maior avião da frota - na época o DC-10 - efetuar voos extras para o México. O avião ia vazio e repatriava os brasileiros.

Nestas localidades sujeitas a terremotos, pequenos tremores acontecem todos os dias, e os tripulantes já estão acostumados a observar a água tremer na garrafa ou o lustre dar uma pequena balançada. Periodicamente os hotéis efetuam treinamento simulado para evacuação em caso de tremores.

Dez anos depois, em janeiro de 1995, o Japão sentiu a força da natureza, um terremoto de 7.2 graus na escala Richter destruiu a cidade de Kobe. Mais uma vez a Varig se viu na obrigação de ajudar e deslocou Jumbos 747, que normalmente fariam a rota para Paris, para atender a demanda de brasileiros que lá estavam. Mais uma vez o avião ia vazio e voltava lotado.

Em dezembro de 1999 a região de Caracas e Maiquetía (cidade no litoral da Venezuela onde está o aeroporto internacional que atende à cidade de Caracas) foi acometida pelas piores chuvas em cem anos. Agravado pelo desmatamento irregular e pela ocupação desordenada das encostas, a terra encharcada e saturada desceu as montanhas. Houve deslizamentos ao longo de 80 quilômetros do litoral, sendo que na região de Maiquetía, nada menos que vinte quilômetros de terra deslizaram montanha a baixo atingindo a população e causando destruição generalizada. Os números oficiais apontaram para dez mil mortos, mas extra oficialmente este número pode ter sido até cinco vezes maior!

Hospedada no Hotel Sheraton Maiquetía, estava a tripulação do comandante Traverso, que havia chegado dias antes num Boeing 767 e já observava os estragos que as chuvas vinham causando.  Como o hotel estava localizado no alto de uma pequena colina, não foi atingido pela terra que desceu carregando pedras e tudo mais que encontrou pela frente. Os tripulantes, assim como os demais hospedes, ficaram dias presos nas dependências do hotel com dificuldade de comunicação, racionamento de comida, água e luz, pois os acessos estavam todos bloqueados e o caos era total.

O dia estava raiando quando o comandante Traverso acordou com um barulho de helicóptero que parecia voar bem próximo à sua janela. Curioso, foi ver o que estava acontecendo e viu que uma operação de resgate estava sendo realizada, afinal, o hotel estava completamente cercado de terra, lama e água. Naquele momento o helicóptero dos Fuzileiros da Marinha Americana, que pousava no jardim do hotel, estava resgatando apenas aqueles que já estavam previamente autorizados. O Embaixador Brasileiro na Venezuela teve que intervir para agilizar o resgate dos tripulantes, que com o mínimo de pertences possível, embarcaram no helicóptero militar. Havia uma verdadeira “ponte aérea” do hotel para o aeroporto de Maiquetía, que tinha se transformado numa base de operações para ajuda e resgate das vítimas. De lá o gerente local da Varig disponibilizou um transporte para subir a serra em direção a Caracas, que não fora afetada pelos deslizamentos de terra. A viagem foi uma verdadeira epopeia, pois depois de enfrentar uma fila de duas horas para encher o tanque da condução, ainda amargaram mais quatro horas para chegar a um hotel em Caracas.

No dia seguinte a Varig deslocou um avião para resgatar a tripulação e os passageiros que precisavam regressar ao Brasil, mas como Maiquetía ainda estava interditada para as operações das empresas aéreas, o 767 pousou em Valencia, uma cidade a 170 quilômetros de Caracas. Os tripulantes, ainda com a mesma roupa que estavam no momento da evacuação, voltaram como passageiros, até porque, estavam exaustos e sem qualquer condição de trabalhar. À medida que a situação na região foi melhorando, a Varig continuou efetuando voos extras para resgatar os brasileiros.

Continua na semana que vem, aguardem...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O pêssego de ouro

Durante o tempo em que o avião fica parado no pátio do aeroporto, entre um pouso e uma decolagem, recebemos a “visita” de várias equipes. A primeira é a do pessoal do despacho de passageiros, que logo que a porta se abre faz um contato com os comissários passando eventuais informações de voos de conexão e confirmando a necessidade de atendimento especial a algum passageiro. Outro contato importante é do pessoal da manutenção com os pilotos. Se houver alguma irregularidade com o avião os mecânicos já podem trabalhar na solução antes mesmo que os passageiros desembarquem.


Há a equipe da limpeza que entra munida de sacos de lixo, aspirador de pó e outros apetrechos de trabalho para, no menor tempo possível, deixar o interior do avião em condições de receber os passageiros. Com relação a esta turma, quando o avião fica parado por um tempo de duas ou mais horas, principalmente durante a madrugada, a limpeza é caprichada, é quase uma faxina! Outra equipe que começa a trabalhar antes mesmo do desembarque terminar é o pessoal de “catering”, que retira e abastece o avião com o serviço de bordo. Há também um funcionário encarregado pelo embarque de cargas restritas que se dirige à cabine de comando para apresentar a documentação de uma eventual carga e solicitar a aprovação do comandante.
Representantes de órgãos reguladores e fiscalizadores (Anac e Anvisa) também podem eventualmente aparecer no avião durante o curto período de trânsito. Os fiscais da Anac verificam a documentação dos tripulantes e a existência a bordo de uma série de documentos e equipamentos. A equipe da Anvisa verifica a limpeza geral da cabine de passageiros, as “galleys” e toaletes e conferem quando foi realizada a última lavagem e higienização dos tanques de água do avião. Alguns inspetores exigem que os cabeçotes das poltronas sejam trocados, o que dá trabalho e toma tempo. Talvez seja por isso que o pessoal da vigilância sanitária seja carinhosamente chamado de “implicância sanitária”. Implicância à parte, o trabalho deles é importante, pois obriga as empresas a manter um padrão mínimo de limpeza e higiene.
Nos voos internacionais os tripulantes devem estar atentos às normas dos órgãos de saúde e agricultura dos países de destino. A tripulação de comissários deve pulverizar a cabine com um produto especial e guardar os sprays vazios para serem entregues às autoridades sanitárias como prova de que foram usados. O lixo com alimento deve estar corretamente acondicionado e lacrado, e os anúncios relativos às restrições a entrada no país de determinados produtos devem ser feitos aos passageiros. Alguns países são menos rigorosos quanto à entrada de produtos agrícolas e animais, mas a maioria possui um controle rigoroso e eficiente. Carnes, queijos, flores, sementes, derivados de leite, mel, medicamentos são itens proibidos aos passageiros na chegada aos países. Nos voos para o exterior a tripulação já sabe: nada de tentar entrar com frutas, queijos ou outros artigos restritos.
Certa vez efetuei um voo para Santiago do Chile, onde a fiscalização é bem rigorosa, e pude constatar o rigor e o custo de um descuido. Após passar pelo controle de passaporte e pegar as malas na esteira de bagagens, passageiros e tripulantes devem passar seus pertences pelo raio X que é examinado pelos agentes da secretaria de agricultura e entregar a declaração preenchida de que não carregam artigos proibidos. Naquele dia os agentes observaram algo suspeito na bagagem de uma das comissárias do voo e perguntaram se havia algum alimento com ela. Ela respondeu que havia apenas uma barra de chocolate que havia comprado no free shop, o que é permitido. Para a surpresa dos demais tripulantes e infelicidade da comissária, o agente retirou da mala dela um pêssego embrulhado em papel alumínio!
Coitada da comissária. Aquele pêssego estava esquecido no seu saco de roupas desde o voo anterior, quando ela levou para o hotel em outro pernoite e lá esqueceu. Ela foi levada para uma salinha para uma conversa com o supervisor que decidiria se uma multa seria aplicada ou não. Depois de muita conversa veio o veredicto: multa! Não teve desculpa, pois no entender do supervisor os tripulantes tem obrigação de saber as regras, e além de declarar que não possuía qualquer fruta consigo, quando indagada ela reafirmou não estar carregando nada. A multa teria que ser paga na hora, em pesos chilenos.
Ela ficou arrasada, pois realmente não sabia que aquele pêssego estava esquecido nas suas coisas, além de ter causado uma demora de uma hora para sairmos do aeroporto para o hotel, o que só foi acontecer às quatro horas da manhã.
O valor da multa?  R$ 475,00