quarta-feira, 13 de março de 2013

O Voo


Assisti “O Voo”, filme cujo protagonista é Denzel Washington, que faz o papel de um piloto dependente de drogas e álcool. Gostei do filme, ainda que alguns procedimentos, e principalmente a manobra que o Cpt. Whip executa sejam absurdas.  Problema de alcoolismo e drogas existe em todas as áreas e a aviação não é exceção.

O regulamento diz que o piloto não pode beber nas oito horas que antecedem o trabalho. As empresas recomendam doze  e até dezoito horas de abstinência alcóolica antes do voo. O regulamento também diz que ninguém poderá exercer qualquer função a bordo sob efeito de drogas ou álcool. No entanto, ao contrário da atual Lei Seca para motoristas, ainda não há no Brasil uma quantidade álcool no sangue que possa ser considerada um limite máximo. Teoricamente, um piloto que bebeu 3 caipirinhas entre meio dia e duas da tarde, pode assumir um voo as dez da noite para voar a madrugada toda. Estará ele em boas condições? Se ele deu uma dormida à tarde, acho que sim, caso contrário, provavelmente terá dificuldade para encarar a jornada.

Uma lata de cerveja no jantar às sete da noite, parece não ser um problema para um voo as duas da manhã (sete horas depois) se o piloto conseguir dormir um pouco antes de assumir o voo. O problema é que as pessoas são diferentes, tanto na maneira de pensar como na maneira que o organismo reage ao álcool. Há os que não bebem uma gota de álcool no dia em que vão voar, mesmo que este voo seja à noite, e há os que não se importam e beber no almoço e voar no final da tarde.

Com relação às drogas, o problema é similar. Aposto minhas divisas que deve haver pilotos que, em algum momento antes do voo, consomem drogas ilícitas. E se deve acontecer com pilotos, certamente também ocorre entre os comissários(as). Não é incomum sentir cheiros suspeitos nos corredores dos hotéis de pernoite. Há ainda outras drogas que podem alterar a capacidade de raciocínio, tais como estimulantes.

Em 1984 eu tinha um professor de inglês que era piloto e fora afastado do voo devido ao alcoolismo. Nestes anos de aviação comercial, sabíamos de colegas que tinham sérios problemas com a bebida. Quase sempre estas pessoas são muito queridas e capazes, exímios pilotos, com uma pilotagem acima da média. Certa vez houve um colega que, ao se apresentar para o voo em Belém, teria dado sinais de que estava de ressaca, ou talvez até embriagado. A tripulação de comissários se recusou a efetuar o voo e um grande problema surgiu. Como o comandante já tinha tido problemas de outra natureza com a chefia de pilotos, ele acabou sendo demitido. Foi em 1990, nada ficou provado.

Em uma empresa estrangeira, dois pilotos tomavam alegremente sua cerveja num pub. Flertando com duas mulheres, conversa  vem, conversa vai e eles comentaram que eram pilotos e que voariam na manhã seguinte. Foram denunciados e horas depois, na apresentação para o voo, foram submetidos ao teste do bafômetro. Foram demitidos.

Em 2008,  ao passar pelo detector de metais e colocar sua mala de mão no raio X de um aeroporto na Europa, um comandante foi interpelado pelo agente de segurança, pois tinha um canivete na mala. Ao ser questionado, este piloto teria sido ríspido com o agente de segurança, que sentindo um cheiro de álcool no hálito do comandante, desconfiou da sua sobriedade. Ele ficou retido, foi o maior problema. Ele foi afastado do voo para tratamento e meses depois voltou ao trabalho. Não durou muito, o problema era sério e ele foi demitido.

Hoje em dia, um piloto como o representado pelo Denzel Washington não duraria muito numa empresa de aviação comercial. No nosso dia a dia, temos que interagir com muitas pessoas e um piloto sob efeito de drogas ou álcool, teria que ser muito hábil para não deixar transparecer sua condição. No passado, alguém percebendo ou suspeitando que um piloto estivesse sob efeito de álcool, teria receio de denunciar ou se recusar a fazer parte daquela tripulação. Hoje é diferente, e a maioria dos tripulantes não hesitaria em denunciar e se negar a voar com um piloto que aparentemente não estivesse bem.

As empresas de aviação no Brasil estão cientes do problema e estão criando programas para detectar e evitar que tripulantes possam trabalhar sob o efeito de drogas e álcool. Elas temem o que possam encontrar ao submeter seus tripulantes a exames específicos e aleatórios. Além do custo que pode ocorrer, já que a princípio, um tripulante que for considerado um alcóolatra não pode ser demitido, deve ser submetido a um tratamento. Algumas empresas submetem seus funcionários ao “teste do cabelo” onde uma amostra do cabelo (ou unha, ou qualquer outro pelo do corpo) é enviada para análises específicas que detectam a presença de uma série de substâncias que podem estar presentes até semanas após o uso.

No final da “velha Varig”, no surgimento da “nova Varig” (antes desta ser adquirida pela GOL), nós pilotos, fizemos este exame. Alguns poucos colegas não quiseram se submeter a este teste e ficaram de fora da nova empresa, outros, cerca de 3% do total que foram examinados, foram reprovados.

Eu passei, sou “ficha limpa”, e agora se me dão licença, fico por aqui e vou pegar uma cervejinha na geladeira.