terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os Pegadores


Na aviação, assim como em outras atividades, há muita paquera entre colegas de profissão. Pilotos, comissários falam a mesma língua, possuem interesses e estilos de vida parecidos e muitas vezes, ao saírem para uma programação de voo, ficam juntos por dias, o que pode tornar a ocasião propícia para flertes. Muitos destes acabaram em casamentos e muitos casamentos acabaram por causa de flertes. Há os fieis, há os sossegados e há os que passam a vida em busca de emoções, não se cansando de novas conquistas e relacionamentos. Estes são os “pegadores”! Para eles, quanto mais difícil a conquista, maior o desafio, uma boa oportunidade para exercitar o poder de sedução e usar todas as táticas disponíveis.

Quando eu voava o Electra na Ponte Aérea, conheci um dos maiores pegadores da Varig. Já naquela época, ele, que como eu também era copiloto, tinha fama de se relacionar com as mais badaladas modelos e atrizes do eixo Rio-São Paulo. Com vinte e poucos anos, cabelos louros, óculos escuros de grife e um arsenal de cantadas na ponta da língua, ele sempre convidava e levava mulheres bonitas para fazer a viagem na cabine. Sua promoção a Comandante só aumentou a lista de vítimas de sua lábia. Hoje em dia, já na casa dos cinquenta anos, ele continua o mesmo, ou quase o mesmo, já que os óculos escuros se revezam com os de leitura, e a pele mostra os sinais do tempo.

Em 88 eu conheci o comandante Mateus, que não tinha nada do biótipo de galã. Embora fosse baixinho e careca aos 40 anos, era um excelente “caçador”, e com uma conversa envolvente despertava a atenção da mulherada. É bem verdade que ele era adepto do lema “para treinar qualquer bola serve”, o que facilitava sua busca incessante por uma aventura. Um dia o Mateus me perguntou se eu gostaria de me tornar um “pegador”. – Claro que sim! - respondi animado. Para isso ele me aconselhou a comprar umas roupas de grife, me desfazer de certas marcas que não davam status, e jamais usar qualquer peça de roupa do uniforme quando não estivesse trabalhando. Diante de meu espanto em relação à metodologia ele me perguntava: você quer ou não quer se dar bem com a mulherada? Segui os conselhos e não é que deu certo? Por alguns meses choveu na minha horta até que eu conheci a minha mulher, quando então passei para o time dos “camisolões”. Desde então sou membro da JACA nnt, ou seja, a associação Jamais Alguém Comeu Alguém, nem nunca tentou!

Atualmente gosto de conversar com os copilotos que contam suas estórias de conquistas, que hoje em dia, em épocas de redes sociais e sites de relacionamentos, está cada vez mais fácil. Um colega me contou que conheceu e saiu com uma “coroa” em Porto Alegre. Das páginas da internet para um barzinho e de lá para o motel. Disse que a tal “coroa” tinha um corpo legal apesar da idade, que era bonita e o sexo tinha sido bom. Tive que rir quando ele disse a idade da coroa: 32 anos!

Outro colega “das antigas”, que além de comandante é também psicólogo, me contou que quando criança tinha o desejo da invisibilidade; poder circular livre e principalmente entrar no vestiário das meninas era sua fantasia. Os anos se passaram, ele virou adulto e ele percebeu que somente agora, com quase cinquenta anos, é que se tornou invisível. Às vezes ele tem a impressão de que as mulheres não olham mais para ele, e está finalmente se sentindo invisível! Ele diz que veste uma camisa bacana, penteia o cabelo e arma seu melhor sorriso, mas não funciona!

 Dia desses ele estava pernoitando em Buenos Aires e uma chance se apresentou. A tripulação havia combinado de se encontrar na recepção do hotel para saírem para jantar, mas no horário combinado ninguém apareceu, exceto uma das comissárias. Assim sendo, saíram os dois para jantar. A comissária era jovem e bonita e ele ficou bem animado, afinal, um jantar com uma taça de vinho poderia trazer surpresas. Caminhando por calçadas estreitas em direção ao restaurante ele instintivamente trocou de posição com a garota de forma que ela ficasse do lado “seguro” da calçada. Neste momento ela se vira para ele e diz: - comandante, o senhor fez igualzinho ao meu pai! Depois, durante o jantar, mais um comentário do nosso colega e a garota diz a ele que o pai dela costuma falar exatamente a mesma coisa. Não adianta, ele definitivamente está se sentindo invisível!

Quem pensa que entre os tripulantes são os pilotos que se “dão bem”, está enganado! Quem acaba tendo as melhores chances com as comissárias são os próprios comissários, pois eles trabalham juntos, sentam lado a lado e a todo momento estão se esbarrando durante o serviço de bordo.  Durante o vôo é importante que eles se entrosem bem, e esta aproximação cria um clima favorável. Já os pilotos ficam cada vez mais confinados ao ambiente da cabine de comando, presos, enjaulados pelas regras de segurança das empresas que cada vez mais restringem ao mínimo a abertura da porta do cockpit.

As pegadoras estão também por aí! Algumas interessadas em aventura e outras em um relacionamento mais duradouro. Há também aquelas interessadas no chamado “Cop-Prev”, “agarre seu copiloto hoje que ele será seu comandante de amanhã”!




sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Natureza em fúria, a continuação


Continuando...

No dia 26 de dezembro de 2004, um Tsunami devastou vários países na região da Ásia e Oceania, causando a morte de mais de 285 mil pessoas. A Varig novamente se viu na condição de ser a única empresa brasileira de aviação com estrutura e disposta a ajudar os milhares de necessitados. No dia 3 de janeiro um DC-10 cargueiro decolou carregando 50 toneladas de mantimentos com destino ao Sri Lanka. 

Em 2006 a “velha” Varig estava nos seus últimos dias, mas ainda havia fôlego para ajuda. Através do Ministério das Relações Exteriores, dois voos de MD-11 foram organizados para trazer brasileiros que estavam no Líbano, cuja situação política era instável em função de conflitos entre grupos xiitas do hezbollah e o exército israelense. Os aviões pousaram em Adana, na Turquia, e só podiam ficar no aeroporto por um curto período.

A tripulação efetuou uma programação impensável em condições normais: bate-volta numa jornada de 30 horas seguidas! O MD-11 possuia o “sarcófago” (como era conhecido o local de descanso com camas para os tripulantes), e em esquema de revezamento, dois comandantes, dois copilotos e doze comissários encararam esta maratona. Os brasileiros regressando à pátria ficaram muito agradecidos e até orgulhosos da Varig, mas houve também uns poucos que reclamaram do serviço de bordo, que com a crise da Varig, estava bastante deficitário e bem diferente do padrão usual, por haver grande falta de materiais. Um colega contou que teve que ouvir de uma senhora, viajando de graça, que do jeito que estava sendo mal tratada, teria sido melhor ficar no Líbano! De volta ao Brasil, as demais empresas aéreas brasileiras (Tam, Gol e BRA) também ajudaram no transporte dos passageiros para suas cidades, mas neste caso, em voos regulares e sujeitos à  disponibilidade de assentos.

Os serviços humanitários que a Varig prestou ao longo de sua estória, no Brasil e no Exterior, não se restringiram a transportar mantimentos em seus porões e passageiros de volta ao Brasil. Quando em 2006 houve o acidente da Gol com o Legacy,  a Varig disponibilizou, sem custos, uma equipe de vinte mecânicos para operar cinco toneladas de equipamentos, o chamado “recovery kit”, que são guindastes, macacos hidráulicos, colchões pneumáticos e ferramentas especializadas para remoção de partes de aeronaves sem que as danifiquem. A importância deste kit é para que haja o menor dano possível às partes das aeronaves para que sejam utilizadas na posterior investigação do acidente. Na América do Sul, somente a Varig estava homologada a utilizar e trabalhar com este recurso. Além disso, até a um tempo atrás, a Varig, através da Fundação Rubem Berta, possuía um serviço para trazer do exterior remédios que não havia no Brasil. O serviço estava disponível a qualquer pessoa, sendo que o custo do medicamento, evidentemente, era por conta do interessado. 

Naturalmente, a FAB sempre esteve presente em ações humanitárias, sendo esta uma das atribuições das forças armadas, mas hoje, sem a Varig, ela definitivamente perdeu sua ajudante e parceira neste tipo de missão.