quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Ônus e bônus

No mês de agosto ocorre em São Paulo a Labace, Latin American Business Aviation Conference & Exhibition, que é um evento voltado para a aviação executiva, com vários aviões e helicópteros expostos em um grande pátio do aeroporto de Congonhas. O visitante pode ver de perto um Robinson 22, helicóptero para 2 pessoas, um Bombardier Global 6000, um Gulfstream G650, ou um Falcon 7X, que estão entre os maiores jatos executivos com capacidade de transportar até 4 tripulantes e 18 passageiros em voo de São Paulo para Moscou sem escalas! Há também stands de diversos prestadores de serviços para a aviação executiva.


Estive por lá nesta última edição, e além de poder entrar em alguns aviões que há tempos eu gostaria conhecer, foi muito legal reencontrar colegas de profissão e conversar com aqueles que já foram da aviação comercial e que migraram para a aviação executiva. Atualmente estes pilotos da aviação executiva, especialmente os que voam  os maiores jatos, ganham um salário bem superior ao que se paga na aviação comercial. Também pudera, pois ao contrário da aviação comercial onde a estrutura de apoio está sempre funcionando, bastando ao piloto comparecer ao avião e exercer o ofício de piloto, na aviação executiva, embora haja uma estrutura a disposição, cabe ao piloto gerenciar estes recursos de maneira correta e acioná-los no tempo certo. Planejamento do voo, análise da quantidade de combustível, autorizações de sobrevoos, serviços aduaneiros, limpeza da aeronave, programas de manutenção, local de pernoite do avião e tantos outros itens são preocupações dos pilotos da executiva. Se as coisas não saírem direito o patrão não vai gostar, por isso ele paga bem aos seus pilotos!


Esta é uma aviação onde a discrição é fundamental, eles nunca revelam quem são os patrões, detalhes do avião ou quem foram os passageiros de determinada viagem.

ÔNUS E BÔNUS


Como quase tudo na vida, para cada bônus há um ônus, e as estórias que os pilotos da aviação executiva contam são interessantíssimas.  


Uma dupla de pilotos, após um longo voo de São Paulo para Paris, estava finalmente se acomodando no apartamento do hotel quando o telefone toca. Era o seu patrão perguntando como eles estavam se sentindo, pois havia surgido a necessidade de buscar um casal em Nova Iorque, e que isto seria importante para ele e para a empresa. O piloto diz que não há problemas e pergunta para quando seria este voo. – Para já! Responde o patrão. Fecha-se as malas e os pilotos voltam para o aeroporto, voam para os EUA, lá ficam uma hora em solo e retornam a Paris. Chegam exaustos no hotel no dia 31 de dezembro e só acordam no final da tarde do dia seguinte! Dias depois, ao regressar ao Brasil, cada um recebe do patrão um envelope com U$ 10.000 como forma de reconhecimento pelo trabalho.


Aspen, no Colorado, é outro destino que os milionários (bilionários parece mais adequado) adoram, principalmente no inverno.  Dia 20 de dezembro um destes jatos de 30 milhões de dólares decola para uma temporada de inverno nas estações de esqui americanas. Para os seletos passageiros uma verdadeira farra, para os pilotos nem tanto assim. Eles não podem alugar um par de esqui e descer as montanhas, afinal, se alguém for quebrar a perna é o patrão e seus convidados, e os pilotos devem estar prontos para transportá-los para onde for necessário. Um dos comandantes, sabendo que eles não regressariam ao Brasil antes do dia 5 de janeiro, consegue com muito jeito perguntar ao patrão se ele se importaria em liberá-lo para regressar ao Brasil em avião comercial, com a promessa de estar de volta no dia 2 de janeiro. O patrão diz que vai pensar, mas no mesmo dia diz que prefere que ele fique em Aspen, pois a qualquer momento os planos podem mudar.


Os planos mudam muito nesta aviação executiva. Um dos patrões mais folclóricos é um senhor do ramo do dinheiro, um renomado banqueiro. Dizem que os pilotos deste patrão nunca sabem para onde vão até que chegam ao avião. Certa vez havia uma viagem programada para decolar ao meio dia, assim, logo cedo os pilotos, e em muitos aviões a comissária também, já estavam no aeroporto para deixar tudo pronto e impecável. Acontece que quando se tem um avião particular, quem determina os horários é o dono, e foi somente no final da tarde que o patrão apareceu e embarcou. Neste momento o comandante cumprimentou seu patrão comentando que ele estava aguardando-o há horas. Já na Europa, ao desembarcar, o patrão teria dito ao comandante para regressar em avião comercial e passar na empresa para receber as contas, pois no dia em que ele, patrão, tiver que dar satisfação ao motorista, digo, ao piloto, ele se aposentaria.


 Um outro colega, que voa um avião de médio porte, daqueles para 10 passageiros, de alcance médio e que custa apenas 17 milhões de dólares, comentou que a rotina é bem variada. Voa-se para tudo quanto é lugar, com programações que podem ser de 5 dias mas que também podem ser de 40 dias! Eles ficam rodando e quando não é o patrão que está viajando, muitas vezes eles estão transportando outros empresários, políticos, a nora, a sogra e os amigos do patrão. Em um mês o valor das gratificações e diárias de alimentação chegam a seis mil dólares!


O piloto de um conhecido empresário/dirigente de futebol conta que ao chegar de uma longa jornada foi liberado para quatro dias seguidos de descanso. – Maravilha! Vou arrumar as coisas e passar uns dias com a família em Cabo Frio. No mesmo instante em que ele colocava as tralhas no carro e saia da Barra da Tijuca, seu patrão tomava um uísque com os amigos na sua cobertura com vista para o mar. Conversa vai, conversa vem e alguém sugere uma viagem de uns dias para Mônaco. Quando? Que tal agora? O comandante estava cruzando a ponte Rio-Niterói quando o telefone toca. Ele identifica a origem da chamada e tem vontade de jogar o celular pela janela, mas resignado, ele atende: - Pois não? Cancela tudo, volta para casa e no dia seguinte já está na Riviera Francesa. Quanto “glamour”!  


A  aviação executiva é assim, sempre à disposição. Para estes grandes jatos executivos, o mundo fica realmente pequeno e nesta aviação há dia para sair, mas não há uma data certa para o regresso, e não cabe ao piloto perguntar ao patrão quando é que ele pretende voltar.


Há mais estórias que em breve eu vou contar.
  


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Descensos e demissões

Na administração de uma empresa aérea, metas e perspectivas de crescimento devem ser cuidadosamente analisadas, pois um tripulante não se forma do dia para a noite, é preciso tempo para o treinamento e altos investimentos. No caso de pilotos (comandantes e copilotos) o tempo necessário para tê-los na cabine de comando, prontos para compor uma tripulação, é ainda maior. O departamento de ensino da empresa deve estar atento à necessidade futura da malha aérea, por isso, muitas vezes o quadro de tripulantes pode ficar temporariamente inchado até que a demanda apareça. Empresa crescendo é sinônimo de contratações e promoções de tripulantes e consequentemente um momento favorável
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Acontece que nem sempre as metas de crescimento se dão como planejado, e neste caso o excesso de tripulantes se torna um problema para a empresa. Então surgem as demissões e os “descensos”, que é como chamamos os remanejamentos para os aviões e cargos anteriores. Os últimos funcionários a serem admitidos são dispensados, o comissário que havia sido promovido a chefe de equipe volta a ser auxiliar, o tripulante que saiu dos voos nacionais para os internacionais também volta para sua rota de origem. Evidentemente, diante deste quadro, é melhor um descenso que uma demissão, mas de qualquer forma, o grupo de tripulantes passa a voar com certa dose de desanimo e apreensão.
A aviação é cíclica, há os períodos de alta e de baixa, em minha carreira  já passei por dois descensos. Em ambos os casos eu voava como comandante nas linhas intercontinentais e voltei para o quadro de comandante de voos nacionais.

Certa vez, em um distante país, uma empresa de aviação estudou o mercado e previu um grande crescimento para os anos seguintes. Como não é possível esperar a necessidade para iniciar contratações e promoções, ela iniciou o processo e muitos novos comissários e pilotos foram admitidos e iniciaram o treinamento. Os copilotos mais antigos na empresa observavam atentamente seus números na lista de futuras promoções e faziam contas para ver quando seriam os novos comandantes. Foi um período de euforia, todo mês um novo grupo de copilotos era promovido a comandante, as salas de treinamento e simuladores de voo estavam lotados e os pilotos instrutores recebendo uma remuneração extra devido ao processo de instrução. Bons tempos.

Mas algo deu errado. Talvez aquele país não tenha crescido conforme as expectativas, talvez a empresa tenha sido muito otimista quanto ao mercado ou talvez tenha sido apenas uma mudança nas estratégias dos administradores. O fato é que havia um excedente de tripulantes e o fantasma da demissão e do “descenso” apareceu para todos os funcionários. Na hora da demissão é difícil falar de critérios justos; há famílias envolvidas, casos particulares, sonhos, planos e  ninguém quer ser alvo do “facão”.

Os mais de duzentos comandantes que haviam sido promovidos nos últimos tempos ficaram apreensivos. Os últimos comandantes a serem admitidos também, bem como os copilotos que recém haviam terminado o processo de treinamento, que em alguns casos durou quase um ano inteiro de grande dedicação. Os antigos comandantes (com mais de 60 anos de idade) ou que recebiam algum tipo de complementação salarial em função de aposentadoria se sentiram na “mira do tiro”. Foram meses de apreensão até que a empresa anunciasse a tal da lista dos demitidos.

Quando finalmente foi anunciada a lista e o critério para demissão, uns ficaram aliviados e outros surpresos por serem demitidos. Os comandantes novos na função ficaram, os mais antigos e experientes “dançaram”. Os novos comandantes foram promovidos por desejo da empresa, e apesar de terem pouca experiência na função de comandante, eram altamente capazes e com uma longa vida útil. Por outro lado, a empresa dispensar dezenas de pilotos com 17 a 35 anos de experiência como comandante, foi dificílimo. Foi um período tenso, ninguém merecia ser demitido. Para dificultar as coisas, o próprio mercado da aviação naquele país estava retraído, as empresas não estavam contratando. Uns procuraram seus antigos patrões, outros procuraram emprego em outros países e uns poucos se aposentaram definitivamente.

A aviação é assim, bons e maus momentos, por isso é bom aproveitar os voos, os pernoites e as oportunidades que aparecem no dia a dia do trabalho. Hoje tem, amanhã, quem sabe?