segunda-feira, 18 de abril de 2011

Diversão garantida

O Oppermann, comandante na “velha” Varig, era garantia de diversão para os tripulantes que tinham o privilégio de fazer parte da sua tripulação. Em 2003 tive a sorte de tê-lo como meu “dupla” durante a instrução no simulador do MD-11, e nas 11 sessões de treinamento, nosso instrutor e eu demos muitas risadas com o jeito brincalhão dele e com suas estórias.


Gases inadvertidos:


Era um voo de MD-11 de Nova Iorque para São Paulo em que o Oppermann era um dos comandantes, juntamente com o Cmt “K”, o responsável pela viagem. O Cmt “K” estava sentado no assento da esquerda efetuando os preparativos antes da partida dos motores junto com o copiloto, enquanto o Oppermann ajudava nas demais tarefas. Foi quando, ao ajeitar uma da malas no bagageiro que há na cabine de comando, o Oppermann deixou escapar um pum. Antes que o pessoal percebesse, ele mesmo se entregou, tratando de explicar que havia sido sem querer. O Cmt “K” não quis nem saber e começou a lhe passar uma descompostura! Disse que era um absurdo, que ele não podia ter deixado aquilo acontecer e que era uma tremenda falta de educação. Mas foi quando o Cmt “K” disse que a mãe do Oppermann não havia dado educação, que a coisa ficou engraçada: o Oppermann não gostou do comentário, e colocando a mão no ombro do Cmt “K” conseguiu soltar um longo e sonoro pum. Disse que aquele, sim, era falta de educação, e que era totalmente dedicado ao “K”, que por sua vez ficou possesso!
 O Cmt “K” falou para o Oppermann recolher suas coisas e desembarcar imediatamente, o voo seguiria sem ele! Ao recolher as coisas dele, lembrou ao Cmt “K”que faltava apenas dez minutos para o início do voo, e que por se tratar de um voo longo, se ele desembarcasse o voo não poderia seguir com apenas um comandante e um copiloto. O ofendido voltou atrás na sua decisão, mas disse ao Oppermann que ficasse na cabine de passageiros e não aparecesse na cabine de comando durante a viagem. Sem problemas, e o Oppermann viajou o tempo toda na primeira classe! Dias depois, circulando pelo setor de Operações da Varig, o Cmt Oppermann encontrou o Piloto Chefe que o chamou para uma breve conversa. Ele disse que tinha ficado sabendo do ocorrido e que havia dado muitas risadas, pois o Cmt “K” havia feito por merecer aqueles gases, mas pediu ao Oppermann que no futuro tentasse uma saída mais diplomática...
Chute na bunda:
Mais uma vez o Oppermann estava voltando dos E.U.A., o comandante do voo era o “N, um dos mais antigos da velha Varig na ocasião, um verdadeiro “Vaca Sagrada”, como eram conhecidos os comandantes mais antigos da empresa. Ainda em solo, “N” estava de pé na cabine de comando quando o copiloto entrou. O copiloto, ao vê-lo de costas, confundiu-o com o Oppermann, e talvez abusando um pouco da relação de camaradagem que eles gozavam, deu-lhe um chute no traseiro! Imagine a situação do Cmt “N” levando um chute na bunda e se virando para ver que o autor daquele ato insano era o próprio copiloto do voo! E a cara do copiloto ao perceber que tinha chutado o traseiro de um dos comandantes mais antigos da empresa! O copiloto não sabia onde se enfiar e pediu mil desculpas, explicando o engano. “N” foi um “gentleman”, se mostrando compreensível e indulgente. No final sobrou para o Oppermann, que, quando a sós com o Cmt “N”, foi obrigado a ouvir um sermão. Ele dizia que o responsável por aquele chute era ele, Oppermann, por dar liberdade e intimidade aos copilotos! E o coitado, atônito, de braços abertos dizia: - mas comandante, que culpa tenho eu???
Previsão de mau tempo:
Nos voos para a Europa e Estados Unidos, boletins meteorológicos dos principais aeroportos podem ser recebidos a cada meia hora através de transmissões automáticas em certas freqüências de rádio. Estas freqüências de rádio, transmitidas em HF (high frequency), são muito potentes e podem ser recebidas em qualquer lugar do planeta, em compensação a qualidade da recepção pode ser ruim, acompanhada de chiado e ruído de fundo. Talvez por isso, costuma ser função do copiloto, ou do comandante “mais jovem”, colocar o fone de ouvido para ouvir e anotar os boletins meteorológicos desejados. Embora estes boletins sejam atualizados constantemente e informados a cada meia hora, os pilotos irão ouvi-los conforme a necessidade. Se a previsão é de tempo bom para destino e alternativas, não há motivo para verificações constantes, e se, pelo contrário, o tempo é ruim, uma verificação mais constante torna-se necessária. 
Pois bem, neste voo para Frankfurt, o Oppermann era o comandante mais “jovem”, e portanto, ouvia e anotava as transmissões meteorológicas de Frankfurt, Düsseldorf, Colônia e demais aeroportos da região. O tempo na região era bom e a previsão para as próximas horas idem, e isso era para ele uma oportunidade para mais uma brincadeira. Enquanto ouvia os boletins, ele anotava uma informação falsa, cujas condições meteorológicas não eram nada boas. Mostrava suas anotações ao comandante,  e com ar preocupado dizia que iria estar atento para a próxima atualização. No próximo boletim suas anotações mostravam uma significativa deterioração no tempo, com previsões de ventos fortes, neve e tendência a fechamento do aeroporto. E assim ele seguia fabricando boletins cujo tempo só piorava a cada hora, com nevascas abrangendo uma área cada vez maior, e já sugerindo um pouso em Lisboa ou Madri, onde segundo seus boletins, o tempo era bom. A brincadeira seguia, e no momento em que o comandante se mostrava realmente intrigado com tamanha mudança nos prognósticos, querendo ouvir ele mesmo as transmissões, o Oppermann caia na gargalhada, mostrando que tudo não passava de uma farsa.
Esse é o meu amigo Oppermann, uma peça rara e um grande aviador.


  • Na primeira foto está o Oppermann e eu no simulador do MD-11, e na segunda estamos com nosso instrutor, o Cmt. Galuff, durante o "briefing" para o treinamento.

domingo, 3 de abril de 2011

Quando uma profissão só não basta


  Em 1985, quando entrei para a aviação comercial, quase a totalidade dos pilotos da Varig eram apenas pilotos, até porque, muitos iniciaram cedo na profissão, antes mesmo de ter idade suficiente para concluir um curso superior. Uma excelente carreira que oferecia bons salários, promoções ao longo dos anos, estabilidade no emprego e uma ótima aposentadoria. No grupo de pilotos, era raro encontrar alguém que tivesse outra profissão além de aviador. Havia alguns comandantes que eram também advogados e outros poucos que possuíam algum tipo de comércio, mas a maioria vivia apenas de pilotar aviões e estar empregado na Varig (ou qualquer outra grande empresa) parecia bastar.
  Na minha turma de Evaer (Escola Varig de Aviação, que frequentávamos por certo período antes de voar uma das aeronaves da empresa), havia um colega dentista. Ele fechou o consultório e informou aos pacientes que estava encerrando as atividades para seguir carreira na Varig. Outro colega de turma era engenheiro, tendo inclusive trabalhado nas obras do “futuro” aeroporto de Guarulhos.
Com o passar dos anos este quadro sofreu mudanças. Muitos pilotos (e comissários também) passaram a fazer faculdade ou abrir pequenos negócios. Direito parecia ser a opção preferida, e quanto aos pequenos negócios, restaurantes, cafeterias e outros serviços estavam nos planos dos aeronautas. Alguns prosperaram nestas atividades paralelas, outros não.
    No começo da década de 90, surgiu em Porto Alegre o primeiro curso superior na área da aviação civil. Um convênio foi firmado entre a Varig e a PUC-RS, e assim, após ter formado quase a totalidade dos pilotos da Varig, a Evaer encerrou suas atividades. Nos anos seguintes os novos pilotos contratados pela Varig já eram formados em Ciências Aeronáuticas. Outras faculdades, além da PUC, criaram cursos similares na área da aviação civil, atraindo, inclusive, pilotos que já trabalhavam há anos nas empresas aéreas.
 Movidos por uma preocupação com o futuro, já que a crise na Varig (e também na Transbrasil e Vasp) se intensificava ano após ano, ou talvez por um desejo pessoal, cada vez mais aeronautas partiram em busca de uma segunda profissão. Muitos tripulantes se tornaram também advogados, arquitetos, psicólogos, fonoaudiólogos entre outras profissões. Mas a verdade é que são poucos os que conseguiram exercer estas atividades simultaneamente com a aviação. Um destes colegas, que já era formado em Ciências Aeronáuticas, conseguiu voar no quadro fixo da Ponte Aérea e após quatro anos se formou em Direito. Após passar nos exames da OAB e exercer a profissão junto com colegas da faculdade, ele se matriculou num curso superior de Gastronomia. Formou-se e continuou voando na Varig. Com o fim da “velha” Varig, ele se sentiu tranquilo, intensificando suas atividades de advogado. Mas ele sentiu falta da profissão de piloto, ao mesmo tempo em que foi se desencantando com o Direito. Após mais de um ano fora do mercado da aviação, foi contratado para voar de copiloto na Gol. Menos de um ano depois, foi voar em outra empresa, na Azul, onde em poucos meses foi promovido à função de comandante. Hoje ele exerce o cargo de instrutor, está feliz e nem sonha em voltar à atividade de advogado. Quanto à atividade de “chef de cuisine”, até onde eu sei, meu colega Muraca deixou de lado.
   Outro caso interessante é de um colega que depois dos 40 anos se formou em Administração de Empresas. Até aí tudo bem, ser um executivo ou ser advogado parece ser a opção mais lógica para os pilotos, acontece que já depois dos 50 anos de idade ele cursou medicina veterinária! Está cheio de idéias para o futuro e enquanto pilota Boeing pelo Brasil afora, ele faz planos para abrir um negócio no ramo veterinário.
   Há também o Cmt. Carlos Batista, que há anos exerce a atividade de psicólogo. Além de prestar serviços na área de recrutamento de pilotos, ele atende seus pacientes em consultório, sendo que neste caso, assim que recebe sua escala mensal de voos, ele abre a agenda para os pacientes.
Hoje em dia a aviação está repleta destes casos em que tripulantes que possuem outras atividades. Eu sou só piloto e muitas vezes acho que está faltando tempo no meu dia a dia para atividades de lazer ou para ficar tranquilo com minha mulher e filhos! Assim, admiro muito estes colegas que conseguem abrir mão do convívio familiar, se envolvendo em estudos e outras atividades além de sua profissão.


  • Duas fotos do Concorde que eu tirei de um livro ilustrado sobre a história dele. Na foto em que ele está estacionado no aeroporto de Los Angeles, aparece um outro avião. Adivinha de que empresa?