sábado, 26 de junho de 2010

Aeroportos que valeram a viagem

Aeroportos podem ser grandes e modernos como o de Paris, ou pequenos e modestos, como o de Uberlândia. Entre os internacionais, um dos meus preferidos é o Schiphol em Amsterdam, que fica a menos onze pés (3,3 metros) de elevação, ou seja, abaixo do nível do mar! Antigamente era mais fácil passear e conhecer os aeroportos, porém, hoje em dia, mesmo sendo tripulante, há muitas restrições quanto à circulação de pessoas, além disso, o tempo que ficamos parados entre uma etapa e outra é cada vez menor, o que dificulta aquela passeada pelo saguão.


Foi voando nas rotas nacionais, principalmente na época do 737-200, que mais pude curtir a simplicidade de alguns aeroportos que faziam as viagens valerem a pena só pelo fato de lá pousar.

Naquela época, frequentemente fazíamos escala em Petrolina/PE. Lá o tempo é sempre bom, vento soprando forte, alinhado com a pista e a temperatura em torno dos 30 graus. Uma paisagem linda com muitas terras cultivadas e o visual do Rio São Francisco. Durante a escala, enquanto passageiros desciam e subiam e a aeronave era reabastecida, metade da tripulação (um piloto e dois comissários) aproveitava para dar uma volta pelo saguão do aeroporto para comprar alguns produtos locais. Frutas maravilhosas, vinhos da região do Vale do São Francisco e uns aspargos deliciosos. Até o dia que encontrei em um supermercado perto de casa os mesmos aspargos, só que com um preço ainda melhor!

Outro aeroporto interessantíssimo é o de Trombetas. Este pequeno aeroporto, localizado a 200 quilômetros de Santarém, atende principalmente ao Porto Trombetas, localizado às margens do rio Trombetas, em Oriximiná/PA, o segundo maior município do estado. Inteiramente construído em madeira, amplo e arejado, lembrava uma grande churrascaria de cidade de interior. Era gostoso observar a arquitetura do local e conversar com o operador da estação de rádio-comunicação, que sempre nos falava da A.F.A. Era a Associação de Fofoqueiros da Aviação local, que tinha até estatuto e folhetos impressos com as regras do pessoal. Uma delas era pedir aos pilotos que por lá passassem, que caprichassem nos pousos e decolagens, se esforçando para proporcionar sempre o melhor visual para aqueles que estavam em terra observando o vem e vai dos aviões. Assim, nas decolagens, assim que saíamos do chão, voávamos em um breve rasante sobre a pista para em seguida subir em curva acentuada sobre o aeroporto. O operador da rádio, em nome da AFA, agradecia.

Finalmente vale a pena comentar sobre o aeroporto de Campina Grande/PB, onde éramos extremamente bem recebidos pelo mecânico Francisco “Canindé”. Durante o mês de junho, as escalas em Campina Grande tinham um charme todo especial. As festas juninas se estendiam até o pátio das aeronaves, e durante todo o tempo de "trânsito" do voo, uma quadrilha junina se apresentava junto ao avião. Os passageiros ao descerem a escada do avião, já passavam pelo "túnel" formado pelos integrantes da quadrilha. No momento do embarque era a mesma coisa. A cada dia um novo grupo se apresentava durante aqueles 25 minutos em que ficávamos por lá. Era muito bacana de ver!

É uma pena que hoje em dia a aviação seja muito corrida, pois o contato que tínhamos com o pessoal dos aeroportos era muito gostoso, e isto fazia com que cada escala tivesse um sabor especial.

sábado, 19 de junho de 2010

Nas asas da British

No começo de 1989, quando minha mulher e eu ainda estávamos no início do namoro, ela também trabalhava na Varig. Casal voando na mesma empresa traz alguns benefícios, pois fica fácil acompanhar o outro em uma viagem, isso quando não se consegue voar sempre na mesma tripulação e tirar férias no mesmo período.

Em março daquele ano ela leu no caderno de empregos do jornal O Globo que a British Airways estava recrutando comissárias de bordo. Exigia-se fluência em inglês e espanhol. A British Airways havia assumido as rotas e a base de comissários da British Caledonian, que dois anos antes encerrara as operações no Brasil. Parecia uma grande oportunidade e ela não perdeu tempo, enviando o currículo para a empresa. Após algumas entrevistas e dinâmicas de grupo, ela foi contratada junto com outras quatro candidatas. Por melhor que fosse voar na Varig, a mudança foi um grande avanço. Melhor salário, garantias trabalhistas aqui do Brasil, vôos de Jumbo para Londres e muito mais folgas por mês.

Eu, namorado e depois marido, tive direito ao benefício de passagens a “preço de banana” e com isso, tenho acompanhado minha mulher em seus vôos a Londres, praticamente uma vez por ano. Na maioria das vezes viajo na classe executiva, mas eventualmente consigo viajar de primeira classe e muito raramente na classe econômica, o que ocorre quando o voo está completamente lotado.

O Jumbo 747, por si só, já é um avião lindo, e o da B.A. é simplesmente um espetáculo! Possui um interior sempre muito bem conservado, uma configuração de assentos moderna e um serviço de bordo que agrada até ao mais exigente dos passageiros. Na era pré Bin Laden, pude estar presente na cabine de comando durante pousos e decolagens, inclusive de Gatwick e Heathrow, um dos aeroportos de maior movimento na Europa. As decolagens e pousos do ponto de vista de quem está na cabine do 747, são algo incrível que mesmo um piloto com anos de profissão fica encantado.

De todas as minhas viagens de British Airways, a que mais marcou, não só a mim, mas também a minha mulher, aconteceu em 97. Naquela ocasião resolvemos levar nossa filha que recém tinha completado dois anos de idade. A decolagem de São Paulo estava marcada para as cinco horas da tarde, mas pelo horário em que foi iniciado o embarque, já dava para perceber que haveria um pequeno atraso. Tudo bem, nós da aviação compreendemos como ninguém as várias razões que podem atrasar um voo, além do mais, minha mala de mão era uma bolsa de bebê, com fraldas, chupetas, biscoitos, sucos e outros acessórios para manter minha filha distraída enquanto minha mulher estava à bordo recebendo o embarque dos primeiros passageiros.

Fomos acomodados na classe econômica, afinal, mesmo com assentos disponíveis na executiva, não é recomendado up-grades para crianças de dois anos, que, verdade seja dita, eventualmente são capazes de infernizar a viagem de outros passageiros. Minha filha estava cansada, e ao mesmo tempo agitada quando viu a mãe passando uniformizada de um lado para o outro do avião. Isso bastou para que ela começasse a chamar pela mãe, que naquele momento não podia dar atenção a ela, pois a tripulação toda estava em preparativos finais para fechar as portas do avião. Eu ficava segurando minha filha, tentando mantê-la sentada enquanto ela chamava pela mãe aos berros: - Socorro, me ajude! Socorro, ele “tá” me pegando, me solte! Apesar dos olhares desconfiados dos passageiros ao lado, que a essas alturas deviam achar que eu era um seqüestrador de criancinhas, ou no mínimo um pai inescrupuloso fugindo com a filha, eu me mantinha firme no propósito de não deixar que a pequena escapasse das minhas mãos. Minha mulher também estava aflita, não sabia o que fazer. Eu estava sentado a 5 metros da porta do avião, que continuava aberta, era só dar uns passos, sair com minha filha e voltar para a segurança da minha casa. Desistir era a saída mais sensata, e tinha certeza que minha mulher deveria estar pensando a mesma coisa.

Foi quando o comandante do voo anunciou pelo sistema de som que por motivos de tráfego aéreo, haveria mais uma demora de pelo menos 20 minutos para o início do voo. Com este estimado, minha mulher pode dar um tempo em suas atividades para acalmar a nossa filha. Com ela no colo, foi até a galley (“copa/cozinha”) do avião, onde, mais que um suco e um biscoito, deu a ela atenção suficiente para acalmá-la! Foi um alívio geral e a idéia de abandonar o avião foi deixada de lado.

Mesmo depois de um bom tempo após a decolagem, a “bateria” da minha filha ainda não havia se esgotado, ao contrário da minha, que já havia acabado há tempos! Quando ela finalmente dormiu, relaxei e pensei nas minhas opções: Tomar um uísque, assistir um filme pelo sistema de entretenimento, ou dormir? É melhor dormir, pois nunca se sabe quando e com que humor o “monstro” vai despertar!

Os dias em Londres foram gostosos, não nos arrependemos da aventura. Mas se alguém estiver pensando em levar uma criança de dois anos num voo tão longo, recomendo que pense bem antes de atravessar a porta do avião.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O curinga da frota

De todos os aviões a jato que a Varig operou, foi o Boeing 767 que mostrou a maior versatilidade. Em 1986 chegou o primeiro, de um total de 25 deste belíssimo avião, que gradativamente substituíram os Airbus A-300. Ele havia sido lançado pela Boeing em 1982, portanto, quando vieram para a Varig, era o que havia de mais moderno na aviação comercial. Na versão 300, seis metros e meio mais longo que a versão 200, acomodava 227 passageiros em classe econômica e executiva, e decolava com até 181 toneladas de peso máximo. É bem verdade que mesmo na versão ER (extended range), com autonomia de vôo maior, ele não era o avião ideal para vôos com mais de 10 horas de duração, pois nestes casos, com os tanques repletos de combustível e todos os assentos ocupados, não havia disponibilidade para levar carga em seus porões, apenas as bagagens dos passageiros. Mesmo assim, ele chegou a voar para Londres, Paris e Frankfurt em vôos de até 11 horas de duração. Era um avião muito versátil e cumpria bem o seu papel nas etapas curtas. Os 767 estavam sempre voando pelas capitais do Nordeste, Manaus, Porto Alegre e praticamente para todos os países da America do Sul. Nas etapas de 7 a 9 horas de vôo, o 767 mostrava o seu melhor aproveitamento, por isso, Lisboa, Miami e Nova Iorque eram destinos regulares do “meia-sete”.

Com toda esta versatilidade, o 767 sempre foi uma espécie de curinga na frota da Varig, sendo capaz de suprir lacunas na malha de vôos. Se um Boeing 737 ficava indisponível para voar do Rio de Janeiro para Santiago do Chile, lá ia o 767 cobrir esta rota. Se um MD-11 não pudesse voar para o México, o 767 era colocado em seu lugar e até um Jumbo 747 em manutenção e inapto para o vôo de São Paulo/Manaus podia ser substituído por ele. Tendo uma malha de vôos tão ampla e diversificada, o 767 foi o avião preferido de muitos pilotos e também de tripulantes de cabine. As programações de vôos nas escalas mensais de trabalho podiam incluir um pernoite em Fortaleza ou Recife em uma semana e na outra um vôo para Lisboa. Um voo “bate-volta” para Salvador, e dois dias depois uma viagem para Orlando. Minha mulher, na época em que voava na Varig, adorava a escala do 767, voava para Montreal e até para Los Angeles. Uma escala bastante variada que agradava bastante.

A modernidade de seus equipamentos e instrumentos era outro aspecto que fazia do 767 um avião especial. Foi o primeiro avião da Varig a incorporar a tecnologia EFIS (eletronic flight instrument system) em que os indicadores de parâmetros do motor, instrumentos de vôo e navegação que até então eram “convencionais”, com ponteiros e partes móveis, foram substituídos por seis telas no painel dos pilotos. Através destas telas, os pilotos podiam receber muito mais informações, permitindo assim um controle maior e melhor do vôo.

Com a parada do MD-11 eu pude pilotar o B 767 com a pintura da “nova” Varig. Não foi por muito tempo, já que as rotas internacionais de longo curso foram suspensas em 2008, mas por 10 meses eu aproveitei bastante. Voei para Londres, Madri, Paris, Frankfurt e Roma, levando inclusive minha família para passear em algumas viagens. A adaptação ao 767 foi muito fácil, pois ele apresentava algumas características de um avião grande, porém bem menor que um MD-11, e semelhanças a um avião pequeno como o Boeing 737. Um avião de fácil pilotagem, com uma cabine de comando muito confortável que os pilotos adoravam. Por 20 anos prestou bons serviços à Varig, e é uma destas máquinas que eu sempre irei admirar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O voo do cabide

Nas escalas de voos dos tripulantes há uma programação conhecida por "voo do cabide". É aquela em que após uma etapa de voo, os tripulantes devem aguardar mais de 4 horas antes de efetuar a etapa seguinte, e nestes casos, a empresa deve oferecer um descanso adequado aos  pilotos e comissários. Isso significa que os tripulantes seguem para um hotel, onde ficam um tempo antes de regressar ao aeroporrto para a conclusão da programação de voos.

      Na época em que eu voava o B 737-300, havia o voo do cabide para Assunção do Paraguai. Era um voo diurno em que decolávamos de São Paulo-Guarulhos pela manhã, e por volta das 11 horas já estávamos acomodados no hotel em pleno centro da cidade. Eu aproveitava plenamente as poucas horas em que ficávamos lá. Com a camisa de voo pendurada no cabide,  passeava pelo centro em busca das boas compras que há no Paraguai. Fazia uma refeição rápida e ao voltar para o hotel ainda sobrava tempo para pelo menos uma hora de cochilo antes de vestir novamente o uniforme e voar de volta para Guarulhos.

      Alguns anos depois, voando o MD-11,  foi a vez do "cabide" em Buenos Aires. Inicialmente, em vez de ir para um hotel na cidade (que fica a aproximadamente 40 minutos do aeroporto) a tripulação ficava acomodada em uma espécie de hotel "familiar" nas proximidades do aeroporto. Embora a acomodação fosse simples, o tempo de descanso era maior, pois estando a menos de 10 minutos do aeroporto, não havia perda de tempo no deslocamento. E o gostoso neste voo do cabide era que os tripulantes organizavam um gostoso churrasco com a autêntica carne argentina, que só não ficava melhor porque não podia ser acompanhada de uma "cerveza" Quilmes. Depois do cabide da "casinha", como era conhecido este hotel, os tripulantes passaram a ser acomodados em um hotel na cidade, em plena Avenida 9 de Julho. Era ótimo também, pois apesar de um tempo menor de descanso, ainda dava para passear pelo calçadão da Calle Florida, comprar algum "regalo" e é claro, almoçar um "bife de chorizo" antes de voltar para o hotel para um cochilo.

      Atualmente tenho feito programações de voo do cabide para Maringá, Campo Grande e Uberlândia. O esquema é diferente já que a decolagem de Congonhas é por volta das dez e pouco da noite, e o regresso às 6 da manhã do próximo dia, assim que o aeroporto inicia suas atividades diárias. Eu acho ótima esta programação, pois passo o dia inteiro em casa, saio à noite para trabalhar e às 7 horas da manhã do dia seguinte já estou de volta, levando para casa um pão quentinho para tomar café da manhã com a minha família. Nestas programações, o período parado no hotel pode chegar a 4 horas, e então, sem perda de tempo, é só colocar o uniforme no cabide e cair na cama. Ao contrário do descanso que eu conseguia ter no "sarcófago" do MD-11, a cama do hotel é grande, não tem turbulência, não tem a microvibração de um avião, o ar não é seco, o banheiro fica a 4 passos da cama e ao acordar, é só vestir o uniforme e descer para um belo café da manhã que os hoteis oferecem aos tripulantes. Só tem um porém: Ao chegar em casa não tenho a desculpa de que preciso descansar pois trabalhei a noite toda!