sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

105 assentos, 360 passageiros!

 Esta estória aconteceu em 1972, no final da guerra do Vietnam.

O avião era um Boeing 727-100 da World Airways, enviado para a retirada de refugiados que estavam em Da Nang, até então uma cidade no Vietnam do Sul onde havia uma base militar norte americana.

A bordo do avião, além da tripulação, estava o presidente da empresa, Edward J. Daly, dois jornalistas e um cameraman. O embarque dos refugiados transcorria em ordem, com as tropas vietnamitas locais fazendo um cordão de isolamento em torno do 727. Porém, rumores de que tropas inimigas se aproximavam rapidamente da base começaram a se espalhar, e o que era um embarque relativamente organizado tornou-se uma grande confusão, com a multidão em pânico, tentando embarcar. Percebendo que a situação estava fugindo ao controle, Daly ordenou ao Cmt. Kenneth Healy para iniciar imediatamente os procedimentos para a decolagem.
O 727, por ter seus três motores na cauda, e em posição elevada, não oferece maiores riscos às pessoas nas proximidades. Assim que os motores foram acionados, a multidão entrou em pânico, receando ser deixada para trás. A confusão se instalou, com soldados empurrando mulheres e crianças que tentavam embarcar. Soldados abriram fogo atingindo a aeronave e uma granada foi lançada sob a asa, causando danos no trem de pouso e parte dos flapes. Ainda em velocidade reduzida, o avião se dirigiu à pista de decolagem enquanto refugiados e soldados lutavam entre si para subir no avião pela escada traseira, sendo ajudados e puxados pelos que já estavam a bordo.

De acordo com o Cmt. Healy, eles estavam com aproximadamente nove mil quilos acima do peso máximo de decolagem, o que é bastante. Havia provavelmente 360 pessoas dentro de um avião configurado para 105 passageiros! Na cabine, 268 pessoas, entre “passageiros” e tripulantes, se espremiam enquanto cerca de 80 a 90 pessoas viajavam no compartimento de carga, cujas portas permaneceram abertas durante todo o voo! Testemunhas disseram que durante a corrida e fase inicial de decolagem, pessoas foram caindo do avião, já que no desespero, vários tentaram viajar no compartimento dos trens de pouso.

Não foi um voo fácil, pois vários problemas surgiram. A escada traseira do 727 permaneceu parcialmente estendida. Os trens de pouso principais não foram recolhidos uma vez que havia danos causados pela explosão da granada, além disso, recolhê-los significaria um risco àqueles que estavam espremidos no compartimento das rodas. Dois terços do flape interno da asa esquerda também estavam danificados devido à granada, e o avião não pode ser pressurizado, sendo o voo realizado a 10.000 pés de altitude. Apesar do tremendo aumento no consumo, a tripulação finalmente pousou o 727 com segurança em Saigon, restando pouquíssimo combustível nos tanques.

Anos mais tarde o Cmt Healy assumiu a vice presidência da World Airways, sempre elogiando o Boeing 727 pela sua excelente performance, confiabilidade e resistência.

• Esta estória eu tirei de um dos meus livros ilustrados de aviação. É um dos meus favoritos, chama-se “The Boeing 727 Scrapbook” de Len e Terry Morgan.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Do ar ao mar: as ondas, o surf, Ubatuba e o meu irmão.

Minha sogra me deu um livro de Natal que eu adorei, chama-se "A Onda". Escrito por Susan Casey, uma jornalista norte americana, o livro é sobre as grandes ondas. As que afundam navios e derrubam plataformas de petróleo, as ondas causadas por tsunamis, tempestades e outros fenômenos naturais e principalmente sobre as grandes ondas do surf. Ondas de 20 e até 30 metros de altura!  Susan Casey se juntou a um grupo de surfistas, com destaque para o havaiano Laird Hamilton, para contar sobre este fantástico esporte que é também uma aventura perigosíssima quando as ondas são verdadeiras muralhas d’água. Adorei o livro!


Até consigo pegar umas ondas, mas definitivamente não sou um surfista, pois no final das contas, as ondas me pegam mais do que consigo surfá-las. Na minha infância, junto com meu irmão mais velho, tínhamos pranchas de isopor e nos divertíamos muito na praia de Pitangueiras, no Guarujá. Lembro que para não ficarmos com a barriga assada de tanto roçar no isopor, minha avó forrava as pranchinhas com tecido.  Meu irmão evoluiu e com 12 anos já tinha uma prancha de surf e com facilidade “varava” a arrebentação para pegar as grandes ondas. Talvez as ondas não fossem tão grandes assim, mas para mim, com 11 anos, elas eram enormes.

Mais tarde, quando por sete anos frequentei as praias de Ubatuba na minha adolescência, sempre que podia eu acompanhava meu irmão e seus amigos que iam surfar. Pranchas no “rack” do carro, Stanley Jordan no toca fitas, cuidado na passagem do posto da polícia rodoviária, e seguíamos para a praia de Itamambuca ou para a praia do Felix. Como eu nunca fui um surfista, eu tinha que pegar uma prancha emprestada e enquanto meu irmão já tinha surfado algumas ondas, eu ainda estava lutando para chegar ao fundo. Quando lá, eu só queria sentar na prancha e descansar.  Em vez de ir nas ondas, eu ficava fugindo delas, até que vinha uma sequência de ondas grandes e uma delas acabava me pegando. Novamente eu tinha que remar para chegar ao fundo. Ao voltar para casa, o pessoal contava das várias ondas, tubos, “dropadas” e “cut-backs”, além dos tombos e caldos, é claro. Eu provavelmente tinha pegado uma ou duas ondas no máximo, mas tinha feito meu exercício e me divertido à beça.

Meu irmão, hoje com 47 anos, mora em Itamambuca, que é uma das mais belas praias de Ubatuba. Ele não apenas continua surfando como também fabrica pranchas. Se tornou um especialista na fabricação de pranchas de madeira, e possui uma verdadeira coleção delas em sua casa. Pequenas, médias e grandes. As de madeira são tão bonitas que parecem objetos de arte. Uma das especialidades dele é o “stand-up paddle surf”, onde sobre pranchas dois metros e meio a três, e munido de um grande remo, passa o tempo inteiro em pé na prancha. Não há aquele esquema de deitar na prancha e remar com as mãos, até porque, a prancha de stand-up é tão larga que para isso seria necessário braços muito compridos. Ele diz que o stand-up surf é fácil de praticar, e realmente parece, mas só parece.

Tem um ano que ele e sua mulher transformaram a casa onde moram em uma pousada. A apenas 400 metros da praia, possui nove suítes em que eles recebem de uma maneira toda especial. Por ser uma extensão da casa deles, fica-se muito à vontade e os hospedes acabam se entrosando já que só há uma televisão (a da sala de estar da casa), o café da manhã é servido na sala ou no terraço. Não há um hospede que não chegue com um “engradado” de cerveja para deixar gelando na geladeira da cozinha. Um dos atrativos por lá é a noite da pizza em que o casal prepara altas “redondas” para a galera. De sobremesa uma pizza doce, tudo isso acompanhado de um bate papo ou uma música quando alguém leva um violão.

O que é mais gostoso por lá, e que faz toda a diferença em relação às outras pousadas, é a presença do casal e do filho deles. Meu irmão, o Kiko, é um cara muito legal, não há quem não goste dele. Um cara simples, bom de papo, de boa índole e sempre pronto para ajudar as pessoas. A mulher dele, Fátima, também é ótima. Além de “dona da pensão” ela também é paisagista e entende tudo de plantas e jardinagem. Há também meu sobrinho, que com sete anos é um fofo e finalmente o cachorro,  Barú, que é quase um membro da família. Tranquilo, da paz!

Com minha mulher e filhos, estivemos em Ubatuba neste último fim de semana e foi ótimo!  Praia, sol, surf, um verdadeiro descanso. Eu recomendo!

  • Link para as grandes ondas 



                                                                                                                                 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ruídos na cabine

No final de 1987, quando eu comecei a voar o Airbus A-300, uma coisa me chamou a atenção nos comandantes: todos eles me pareciam neuróticos quando se queixavam do excesso de barulho dentro da cabine de comando. Eles pediam para eu deixar o volume dos rádios no mínimo possível e, percebendo que eu parecia achar aquilo um exagero, afirmavam que um dia, após muitos anos de trabalho dentro de um aviao, eu iria finalmente dar razão a eles. Eles tinham mais de 55 anos, e eu vinte e poucos.

Os anos se passaram e não é que, muito antes do que eu poderia supor, hoje o neurótico sou eu? É claro que não dá para eliminar os ruídos por completo, mas parte deles, principalmente quando ainda em solo, e possível diminuir bastante. O sistema de ar condicionado provoca muito ruído na cabine, e evidentemente não pode ser desligado em vôo, mas em solo, antes que os passageiros embarquem, e se a temperatura no interior do avião não estiver muito quente ou fria, desligando-o, reduz-se incrivelmente o barulho. Outra fonte de barulho na cabine de comando são as saídas de ar, conhecidas por “gasper”. A menos que esteja muito abafado, eu as fecho rapidinho!

Enquanto estamos estacionados no pátio, durante o processo de embarque ou desembarque dos passageiros, além de nos mantermos na escuta da empresa através do rádio-comunicação, também temos que ficar na escuta da torre de controle do aeroporto. Além disso, há também a necessidade de manter contato com o pessoal da manutenção, especialmente nos momentos em que a aeronave está sendo abastecida de combustível. Ao ficar ouvindo a manutenção, automaticamente estamos na escuta do interfone de comunicação dos comissários. Tem certos momentos que, sentado na cabine de comando, me sinto num manicômio, pois todos estão falando ao mesmo tempo! A manutenção pede para que seja confirmada a quantidade total de combustível a ser abastecida, a empresa nos fornece pelo rádio os dados da navegação para a etapa seguinte enquanto a torre pergunta se estamos prontos para anotar a autorização do plano de voo. Neste instante é possível ouvir o comissário efetuando um “speech” aos passageiros com as instruções para o período de reabastecimento, além da comunicação entre eles a respeito de material embarcado para o serviço de bordo. Com todo este “falatório” nos rádios, entra na cabine um despachante de voo com uma documentação de carga para que o comandante assine! É uma loucura!

Outro barulho que parece pequeno mas que ao longo do voo acaba incomodando é aquele gerado pelo vibrador do altímetro auxiliar. Além dos dois altímetros principais, um para cada piloto, há um reserva. Este reserva nem sempre é digital, portanto possui ponteiros. Para que o ponteiro não trave ou gire “aos trancos” há um pequeno vibrador embutido no altímetro que garante uma indicação precisa durante as subidas e descidas. Acontece que em alguns aviões, este vibrador, que parece um martelinho ou um pica-pau incansável, faz um barulho muito chato. Os pilotos devem suportar mais este ruído, mas a verdade é que muitos acabam por desligar este vibrador! Puxando um CB, ou circuit- breaker, que é uma espécie de fusível, o vibrador do altímetro é desligado. Sempre que o comandante decide por este procedimento, o copiloto dá aquele olhar de aprovação pela iniciativa. O ponteiro do altímetro reserva gira com alguns pulos, é verdade, mas em absoluto silêncio. Apesar de não afetar a segurança, este truque não deve ser feito, por isso se me perguntarem se eu já fiz, eu digo que nunca, aliás, eu adoro aquele “martelinho” nos meus ouvidos!

Quando as portas se fecham e o voo inicia, tudo vai melhorando. A manutenção já foi liberada, e em voo, além da freqüência dos órgãos de controle de tráfego, basta manter a escuta de uma segunda freqüência que por ser usada pelas aeronaves apenas em situações de emergência, quase não se ouve nada nela. Mesmo assim há bastante ruído na cabine. Barulho do ar condicionado e do próprio vento de encontro ao nariz do avião. Quanto mais veloz voamos, maior será o barulho. Aliás, minha mulher, que é comissária de bordo, comenta que durante o serviço de bordo, se o passageiro falar baixo, dificulta muito a comunicação. É imprescindível olhar para o rosto da pessoa, efetuando uma verdadeira leitura labial para compreender o passageiro. Ao assistir um vídeo gravado na cabine de comando ou na cabine de passageiros, percebe-se quão barulhentos são estes ambientes.

O sossego termina quando após o pouso estacionamos a aeronave para o desembarque. Novamente vem a manutenção, a empresa, o despachante e etc.

Aos que acham que eu estou neurótico (assim como eu achei que estavam os meus comandantes quando eu era mais jovem), e principalmente aos que estão começando na aviação, digo para poupar seus ouvidos e afirmo que um dia estarão todos como eu, procurando eliminar qualquer ruído desnecessário.



sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Uma marca difícil de ser superada

Não conseguir pousar no aeroporto de destino e seguir para a alternativa é algo que acontece com pouca frequência no dia a dia de um piloto comercial. Em 2010 “alternei” apenas duas vezes, uma quando Porto Alegre estava fechado para pouso devido à chuva forte, e a outra quando em Uberlândia as nuvens estavam tão baixas que não foi possível encontrar condições visuais para o pouso.

A quantidade de combustível que os aviões carregam é sempre calculada de forma que não seja transportado querosene a mais, portanto desnecessário ao voo. Quando um avião decola com o combustível mínimo para um voo, há neste total, além do necessário para voar da origem ao destino, bastante combustível a mais. Há um extra para o caso do consumo na etapa ser maior que o previsto em função de ventos desfavoráveis e não previstos, ou mesmo para o caso de desvios em rota que tornam a viagem mais longa. Há também o combustível necessário para, após uma arremetida ao não conseguir o pouso no destino, seguir para o aeroporto de alternativa. E finalmente, no cálculo do combustível mínimo, está incluído um adicional de 30 minutos de voo para eventuais esperas. Além do combustível mínimo para o voo, a critério da empresa ou do comandante, pode-se acrescentar um adicional quando conveniente. Uma previsão de mau tempo ou acúmulo de tráfego aéreo são as causas mais comuns para se voar com mais combustível. Assim, temos sempre uma reserva para espera antes que tenhamos que decidir por voar para o aeroporto de alternativa.

Mesmo com uma quantidade generosa de querosene nos tanques, houve uma ocasião em que alternei três vezes no mesmo dia, um “feito” que dificilmente vou repetir!

Foi no trecho SP/BH voando o B 737-300. Decolamos para o aeroporto da Pampulha e no regresso a Congonhas não foi possível efetuar a aproximação, pois os valores de “teto e visibilidade” estavam de tal maneira que somente os aviões equipados com receptores de GPS poderiam seguir no procedimento por instrumentos. Naquela época a “velha Varig” enfrentava dificuldades e poucos eram os aviões da frota que dispunham de GPS. Diante disso, após alguns minutos de espera e não havendo previsão de melhora em Congonhas, seguimos para o pouso em Guarulhos.

Após um tempo em solo e com novos passageiros embarcados, seguimos para mais uma etapa com destino a Belo Horizonte, desta vez para o aeroporto de Confins. Na volta de Confins para Congonhas o tempo já havia melhorado em São Paulo, mas devido ao acúmulo de tráfego aéreo do final de tarde tivemos que fazer uma espera. Em seguida, com a mudanças na direção do vento, o controle de tráfego aéreo estava coordenando uma “mudança de pista”. Ao inverter o sentido de pousos e decolagens em uma pista, já que estas operações devem ser feitas contra o vento predominante, há uma certa demora e as aeronaves em aproximação são solicitadas a efetuar espera. Nosso combustível de reserva não era muito, e após mais 20 minutos de espera com uma previsão de uma demora ainda maior, novamente tivemos que seguir para Guarulhos. Desembarcamos 130 passageiros descontentes, já que muitos teriam que enfrentar o trânsito terrível do final da tarde.

Nossa programação naquele momento passou a ser um voo de translado, ou seja, levar o avião sem passageiros para Congonhas. Após abastecer com muito mais que o mínimo de combustível, e com a confirmação de que Congonhas estava aberto para pousos, decolamos com apenas a tripulação a bordo. E não é que poucos minutos após a decolagem os valores de teto e visibilidade em Congonhas voltaram a cair? Novamente as aproximações só poderiam ser feitas por aqueles que dispunham de GPS a bordo! Congonhas não melhoraria tão cedo, então após uma breve espera sobrevoando a cidade de Santos, mantendo contato com a empresa,  regressamos a Guarulhos.

Fiquei  frustrado por não ter conseguido pousar no aeroporto de destino naquele dia. Logo eu, que adoro Congonhas? Fui para casa um pouco decepcionado e acrescentei ao meu currículo uma marca difícil de ser superada: três alternados no mesmo dia!