quarta-feira, 27 de junho de 2012

Férias, again

Quem não conhece pessoas que dizem, até com certo orgulho, estar há anos sem férias? Vendem-nas, adiam e vão protelando; quando muito tiram uma semana no final do ano. Muitos são profissionais liberais que simplesmente não conseguem parar por duas semanas. Na aviação comercial brasileira as férias anuais não podem ser negociadas e nem fragmentadas, devem ser gozadas em 30 dias corridos.  Tão pouco as férias podem ser adiadas indefinidamente, no mais tardar antes de vencer o segundo período de trabalho anual, o tripulante é obrigado a dar um tempo do trabalho. Que bom! 

As passagens com preços especiais para funcionários das empresas aéreas são um incentivo para viajar e conhecer novas paisagens, mas como estes bilhetes não dão garantia de embarque, é sempre bom analisar se o barato não vai sair caro. Depois que eu entrei para a aviação comercial, fiquei muitos anos sem saber o que era comprar uma passagem aérea a preços normais.

Em 2003 a situação da Varig estava complicada e um acordo fora feito com a TAM de forma que elas dividiam meio a meio os assentos e a receita dos voos domésticos. Naquela época, TAM e Varig enfrentavam problemas diferentes: a Varig não tinha equipamentos suficientes para atender à sua malha aérea e a TAM, pelo contrário, tinha aviões em número maior que a necessidade. Este acordo foi bom para as empresas, mas foi péssimo para os funcionários da Varig que queriam viajar com suas passagens sujeitas a espaço. Em um avião havia somente a metade disponível para cada empresa, e quase sempre a metade destinada a Varig estava lotada.

Em janeiro daquele ano estava de férias e o plano era passar uns dias num resort próximo a Recife, justamente quando os voos estão cheios devido às férias de verão. Recorri a uma agência de viagens! Com o hotel pago e translado agendado, não queria correr o risco de não conseguir embarcar e ter que tentar o próximo voo, que podia ser só no dia seguinte. Fui de GOL, e foi uma maravilha! No saguão de embarque em Congonhas havia um funcionário da agência de viagens nos aguardando e que agilizou o check-in e nos deu os cartões de embarque. Um luxo ter assentos assegurados em um voo lotado no mês de janeiro! Na volta de Recife foi a mesma praticidade, sendo que lá, eu encontrei um colega da Varig que estava voltando para São Paulo com a esposa e que estava passando um sufoco. Ele não havia conseguido voltar no dia programado e já estava no aeroporto há mais de oito horas tentando embarcar.

Agora estou de férias até o dia quinze de julho e desta vez vou aproveitar as férias escolares dos filhos para fazer uma viagem aos EUA. Como nesta época os voos estão simplesmente lotados, não vai dar para viajar com passagens baratas. Pelo contrário, os bilhetes aéreos na alta temporada são bastante caros, e nem sonho com a possibilidade de um “up-grade” para a executiva da United Airlines.

Em compensação o embarque é garantido tanto na ida como na volta, sem stress, sem surpresas. Assim espero.



terça-feira, 19 de junho de 2012

Selo de segurança

Confiar na manutenção é fundamental para que o piloto se sinta seguro antes de uma decolagem. Não importa o avião, seja um pequeno monomotor, um tubo-hélice ou o maior dos aviões comerciais, é essencial que os serviços preventivos e corretivos sejam realizados absolutamente de acordo com normas aprovadas pelo fabricante do avião, da empresa que realiza o serviço e finalmente da autoridade aeronáutica. 

Nos meus primeiros anos de aviação, período em que voava nos aviões do aeroclube, não tive nenhum problema de manutenção. Ainda bem, pois se tem uma área crítica para se voar de monomotor é sobre a cidade de São Paulo. Se após a decolagem do Campo de Marte houver falha do motor, o piloto dificilmente vai encontrar um local para um pouso de emergência.  Em meus voos para a região de Jundiaí e Atibaia, até que a Serra da Cantareira ficasse para trás, o nível de alerta era grande, sempre de olho em um possível local para “jogar” o avião em caso de parada do motor.

Nesta questão da confiabilidade da manutenção, a Varig foi um gigante! Confiávamos nos aviões e mesmo nos últimos anos da empresa, quando os recursos materiais estavam escassos, acreditávamos nos serviços realizados.

Os Electras da frota da Varig eram a melhor prova da seriedade com que os mecânicos cuidavam das “garças”. Foram 30 anos sem qualquer acidente causado por problemas de manutenção, o máximo que aconteceu foi uma ocasião em que o trem de pouso do nariz não abaixou de jeito nenhum e o pouso teve que ser realizado no aeroporto do Galeão. Naquele dia, apesar da tensão e dos danos resultantes do efeito do nariz e hélices raspando na pista, o pouso foi um sucesso. O cuidado com os Electras era tão grande que até peças a Varig estava autorizada a fabricar, uma vez que se tratava de um avião que há tempos já não era mais fabricado! Além de simples acabamentos e revestimentos internos, a Varig fabricava atuadores, tubulações, dutos e outras peças para os motores. Dava gosto passear pelos hangares em Congonhas e ver as enormes hélices passando por serviços de revisão.


A Varig também foi pioneira na área de informática. Já no final da década  70 e nos 80s, quando havia uma dificuldade de importação de computadores, a Varig, através do setor de aviônica e informática, fabricou seus próprios computadores para os setores de compras e reservas de passagens. Era a TEVAR – Terminais Varig- computadores enormes com telas verdes e letras miúdas que eram sinônimo de alta tecnologia e informatização.

Em 1991, logo nos meus primeiros meses como comandante de 737, tive uma experiência muito interessante. Estava em Uberlândia e durante a inspeção de trânsito, quando entre um pouso e uma decolagem o mecânico efetua uma breve inspeção de rotina, foi detectado um pequeno vazamento de óleo do motor.  O vazamento, segundo o mecânico, parecia ser bem pequeno e ele acreditava que dava para efetuar a ultima etapa de voo até São Paulo onde o serviço corretivo poderia ser realizado. Por via das dúvidas, iríamos efetuar um “run-up” do motor (dar a partida e manter o motor girando por um curto período) para, com as capotas abertas, verificar a extensão do vazamento. Naquela noite eu estava acompanhado de outro comandante, que embora estivesse entrado na empresa há poucos meses, era bem mais experiente que eu, pois tinha sido comandante na Transbrasil, assim, enquanto ele deu a partida no motor eu fiquei com o mecânico verificando a situação. Foi incrível estar posicionado entre a capota lateral e o próprio motor, que ao ser acionado fazia um barulho tremendo! De fato, o vazamento era bem pequeno, quase nada. Antes de deixar Uberlândia ligamos para a central da manutenção, que ficava no Rio de Janeiro, e com a aprovação deles seguimos para São Paulo.

A central de engenharia de manutenção da Varig, que ficava no aeroporto do Galeão/RJ era um espetáculo à parte. Um hangar enorme que acomodava em seu interior dois Jumbos e mais alguns 737s ao mesmo tempo. A Varig efetuava a manutenção de seus aviões e de outras empresas também, havia  diversos setores referentes aos sistemas dos aviões; setor de revisão de trem de pouso, hidráulica, aviônicos, motores e etc.

Nos últimos anos da Varig a quantidade de itens pendentes constante nos livros de bordo dos aviões aumentava a cada dia. Estes itens pendentes são aqueles panes ou itens inoperantes em determinado sistema ou instrumento, que não impedem que a empresa realize um voo. Estes itens, constantes do MEL (minimum equipment list), podem estar associados a determinados procedimentos que os pilotos e a manutenção devem observar e cada item tem um prazo determinado para que seja solucionado. No ano de 2005 e 2006, ao abrir o livro de bordo do MD-11 durante o pré-voo, podíamos encontrar vários itens pendentes e nestas ocasiões quase sempre o supervisor da manutenção comparecia na cabine de comando. Analisávamos cada um dos itens vendo as implicações que poderiam causar. No final, para selar a segurança e seguindo uma dica da minha mulher, perguntava ao supervisor da manutenção se ele embarcaria a própria mãe naquele avião!




quinta-feira, 7 de junho de 2012

Conversa de salão


Durante anos a Varig ocupou vários pequenos prédios, casas e hangares junto ao aeroporto de Congonhas. Áreas administrativas, diretorias, almoxarifados, refeitórios e diversos setores da manutenção se espalhavam em “puxadinhos” cujos fundos davam para os pátios de aviões. Dentre todas estas construções, algumas ainda do tempo da Real Aerovias, há uma que chama a atenção; é uma barbearia com direito a um autêntico “barber pole” na entrada.

 Inaugurada em 1957, hoje está atendendo a quarta geração de clientes! Inicialmente os barbeiros eram o Seu Carmelo, uma verdadeira lenda, e o Odilon “Baiano”, um rádio telegrafista que, percebendo a extinção de seu ofício a bordo das aeronaves, viu uma oportunidade em terra. Alguns anos depois, em 1963, se juntou a eles o Isidoro, que continua até hoje no salão.

Há anos que eu não dava um pulo por lá, mas recentemente, aproveitando que estava numa semana de reciclagem teórica, resolvi dar um “tapa no telhado”. Logo ao entrar no salão o Isidoro me reconheceu dos tempos em que eu era copiloto e voava os Electras da Ponte Aérea. Foi muito gostoso relembrar algumas estórias da velha Varig e de pessoas que já sentaram naquela cadeira de barbeiro. 

Prestes a completar 50 anos de atividade naquele mesmo local, o Isidoro teve a oportunidade de conhecer muita gente que fez parte da história da Varig. Ele conheceu o Ruben Berta, que foi provavelmente o mais emblemático presidente da Varig, cortou os cabelos do Erik de Carvalho, outro presidente que esteve à frente da empresa de 1967 a 1979 e também do Cmte Bordini, que foi vice-presidente da Varig e que em 1984 eu tive o privilégio de ser seu aluno em aulas de navegação aérea durante o período que frequentei a Evaer (escola da Varig para pilotos) em Porto Alegre.
Enquanto ele cortava o meu cabelo, nos lembrávamos de tripulantes queridos do grupo. Ele contou que lembra como se fosse hoje de dois jovens copilotos (provavelmente pilotavam o Avro, um avião bimotor para quarenta passageiros que a Varig operou de 1966 a 1976)  que cortavam os cabelos e que pareciam ser irmãos. Eram o Fochesato e o Miguel Arnt, que por muitos anos foram comandantes da Varig. Também falou do Cmt Bujes, um comandante que sempre foi querido e respeitado por todos e que se aposentou voando o Jumbo 747. No início da década de 70 o Cmt Bujes levava seus três filhos para cortarem o cabelo e lá sentavam nas três cadeiras o Paulo, o Fernando e o Sérgio, este último, ex-comandante da Varig e hoje voando na Europa. Lembramos também do Ícaro, outro comandante que era uma unanimidade, não havia um piloto que não o conhecesse e admirasse. Com este nome ele não poderia ter sido outra coisa senão piloto da Varig! Quando a empresa encerrou suas atividades o Ícaro continuou Comandante, mas de seu lindo veleiro que fica baseado nas águas de Angra dos Reis. Lembramos do Bentinho, um mecânico de voo que era uma verdadeira figura, e que trabalhou na Varig por muitos anos, pois havia começado com pouco mais de 14 anos como ajudante de mecânico.  

Hoje, das três cadeiras de barbeiro, duas delas estão ociosas, já que o Odilon “Baiano” faleceu há muitos anos atrás e o Seu Carmelo teve que abandonar o ofício por problemas de saúde. Para melhor aproveitar o salão, duas manicures atendem a clientes e ajudam o Isidoro na manutenção do salão.

Sai de lá de “cabeça feita” e contente pela boa prosa, foi gostoso lembrar de tantos colegas que deixam saudade.