sábado, 19 de julho de 2014

Por que hoje é sábado!

Recentemente estive em Teresina num pernoite que chamamos de “inativo”. O inativo é quando temos praticamente o dia inteiro parado em determinada cidade e neste caso, chegamos ao hotel à uma e meia da madrugada para sair do hotel às três da madrugada do outro dia.

Não foi um dia de folga, mas foi quase; acordei tarde, caminhei e fiz exercícios no calçadão ao longo do rio Poty, liguei o computador, fui ao shopping com a tripulação para almoçar e depois ainda peguei uma sessão de cinema. De volta ao hotel assisti TV, fiz um lanche e tratei de dormir cedo para poder acordar disposto para o voo de volta. Foi uma sexta feira com cara de sábado.

No dia seguinte, um sábado, ao atingir o nível de cruzeiro efetuei o speech para os passageiros, comentando que era um prazer recebe-los naquele domingo de tempo bom. Depois do pouso em São Paulo desejei aos passageiros um bom domingo. Eu estava crente que era um domingo, afinal de contas, o dia anterior havia sido muito tranquilo.  Os passageiros desembarcaram dizendo que o voo tinha sido muito bom, mas que eu estava enganado quanto ao dia, ainda era sábado. OK, eu errei o dia, mas acertei o destino! 

Fiquei com esta estória de sábado na cabeça e pensei em fazer algo diferente. Semanas depois, desta vez com certeza um sábado, decolei de Recife para o Rio de Janeiro e, num momento adequado, fiz um speech que foi mais ou menos assim:

“Senhoras e senhores, meninas e meninos, bom dia. Quem fala é o comandante e hoje vou usar o sistema de som para fazer um anúncio um pouco diferente do usual. Será baseado numa poesia de Vinicius de Moraes, que em outubro de 2013 teria completado 100 anos de idade. A poesia se chama O dia da criação, porem é mais conhecida por Por que hoje é sábado

Recém atingimos o nosso nível de cruzeiros, tendo já deixado para trás a cidade me Maceió, por que hoje é sábado.

Logo sobrevoaremos Aracaju e na sequencia Salvador, por que hoje é sábado.

Seguiremos então deixando as cidade de Ilhéus, Porto Seguro e Caravelas à esquerda até entrarmos em Minas Gerais, por que hoje é sábado.

Após sobrevoar Barbacena iniciaremos a descida com pouso previsto para a uma da tarde, por que hoje é sábado.

Vamos encontrar a cidade de Rio de Janeiro com tempo encoberto, chuvas ocasionais e temperatura de 21 graus, por que hoje é sábado.

Em rota o tempo é bom, mas para a sua segurança e minha tranquilidade, mantenham os cintos afivelados enquanto estiverem sentados. Aproveitem o serviço de bordo e tenham uma boa viajem, por que hoje é sábado!”

Na descida, já próximos do Rio de Janeiro eu fiz mais um comentário para os passageiros, por que hoje é sábado. E após o pouso agradeci a todos desejando um bom domingo, por que hoje é SÁBADO!

Sei que é muito difícil agradar a todos, mas acredito que eu consegui agradar à maioria. Eu, pelo menos, mais uma vez me diverti.


    O dia da Criação



    • Excelente esta paródia sobre aeroportos e tripulantes. Mas que fique bem claro que este Carvalho a que ele se refere, trabalha em outra empresa, não sou eu!

    sexta-feira, 13 de junho de 2014

    Os gêmeos da TV

    A aviação antes dos ataques de 11 de setembro era sem dúvida muito mais interessante, principalmente no que diz respeito a visitas à cabine. Quando eu era copiloto de Electra na Ponte Aérea, a cabine de comando frequentemente recebia visitas, seja dos próprios colegas de empresa, seja de artistas e personalidades, que ou se convidavam ou eram convidados para fazer a viagem conosco.  Já na época em que eu era copiloto de Airbus A-300, as visitas eram menos frequente, mas mesmo assim, sempre havia passageiros querendo conhecer a cabine de comando.

    Foi em 98, de volta à Ponte Aérea, desta vez no comando do Boeing 737-300 que novamente a cabine de comando ficou movimentada; toda semana eu voltava para casa com uma estória a respeito das visitas à cabine.

    Os gêmeos da Band
    Certa vez, tendo 45 minutos de espera em Congonhas entre a chegada e a saída para o Rio de Janeiro, resolvi dar uma volta pelo saguão do aeroporto e ver o movimento. Passando em frente à loja de passagens da Varig, observei uma dupla conhecida da televisão fazendo o check-in; eram os gêmeos, que apareciam num programa de televisão da Rede Bandeirantes e que faziam sucesso entre os jovens, principalmente entre as meninas. Como nesta época minha sobrinha de 12 anos estava morando com minha família e ela era uma das que adoravam aqueles irmãos, eu abordei-os pedindo um autógrafo. Eles foram simpáticos e me deram uma foto autografada. Antes de voltar para o avião para fazer mais duas etapas (SP/RJ/SP) liguei para casa e contei para minha sobrinha que tinha em mãos um autógrafo dos gêmeos. Ela que ficou excitadíssima, me implorando pra “voar” para casa. Voltei para o avião pouco antes de iniciar o embarque comentando o caso e mostrando a foto aos colegas tripulantes. Alguma coisa parecia estranha na foto, mas deixei “para lá”.

    Durante o embarque a comissária chefe de equipe veio na cabine me dizer que os gêmeos tinham embarcado e que, não sei como ou porque, ela havia comentado que o comandante do voo (eu) tinha acabado de chegar do saguão do aeroporto com o autógrafo deles. E mais; que eles queriam saber se poderiam fazer o voo na cabine de comando! Ok, chamei um deles para fazer a viagem no “jump-seat”, como é chamado o assento extra na cabine de comando.

    Jump seat do 737
    Já na descida para o Rio de Janeiro, aproveitando a noite bonita para fazer uma chegada em condições “visuais” pelo litoral eu fiz uma pergunta relacionada às gravações nos estúdios da Band, que ficam no bairro do Morumbi em São Paulo. Mas ele disse que não, que as gravações não eram feitas lá, mas realizadas em outro estúdio, em outro local. Achei estranho o programa não ser gravado nos conhecidos estúdios da Band no Morumbi e insisti nesta questão. Ele, percebendo que eu estava confuso em relação ao local de gravação, entendeu o motivo e esclareceu a situação: - Não, comandante, nós não somos os gêmeos da Band, nós somos os gêmeos do programa da Claudete Troiano!

    Os gêmeos da Gazeta
    Que confusão a minha, bem que tinha achado alguma coisa estranha naquela foto autografada. Eles não eram o Flávio e o Gustavo, os gêmeos “marombados” da Band, e sim o Maurício e o Roberto, os gêmeos que são cabelereiros e apresentavam um quadro no programa da apresentadora Claudete Troiano na TV Gazeta! Apesar de não saber onde enfiar a cara de vergonha tentei disfarçar meu embaraço dizendo que minha mulher adorava as dicas deles, o que não era verdade.

    Chegando em casa minha sobrinha estava na porta me aguardando, ou melhor, aguardando a foto autografada. Quando viu, ela quis me esganar e não parava de dizer: Tio, que mico!




    domingo, 25 de maio de 2014

    Rio Branco, ontem e hoje.

    Quando em 1989 eu passei a voar o Boeing 737-200, um dos destinos frequentes era Rio Branco, capital do Acre.  Gostava do pernoite e sempre arrumava o que fazer, até porque, a 25 anos atrás não havia internet e nem todos os hotéis possuíam TV a cabo. Ficávamos no melhor hotel da cidade, o Pinheiro Palace Hotel, que chamávamos de Pinheiro "Parece" Hotel.

    Na época em que há horário de verão, Rio Branco fica três horas mais cedo que o horário de Brasília, o que trazia algumas dificuldades para os tripulantes; se acordávamos às 8 da manhã do horário de Brasília, ainda não havia café da manhã no hotel. Se desejássemos almoçar a uma da tarde, portanto dez da manhã em Rio Branco, dificilmente encontrávamos um restaurante.  

    Certa vez, junto com o copiloto, sai para procurar um local para tomar uma cervejinha. Já era noite pelo horário de Brasília, final da tarde em Rio Branco quando nos embrenhamos num misto de área residencial, com um pouco de comércio, e uns botecos. Tudo isso sobre palafitas às margens do Rio Acre. Foi um dos locais mais estranhos em que eu já estive; cachorros maltratados passando, lá embaixo ratos circulando, e a cerveja muito gelada. Apelidei aquele local de Shopping Palafitas. Em 1997 passei a voar o 737-300 e deixei de voar para Rio branco.

    No ano passado, portanto 16 anos depois, tive um pernoite em Rio Branco. Quanta mudança! A começar pelo aeroporto, que foi desativado e um novo construído numa área mais afastada da cidade. O antigo ficava bem próximo ao centro da cidade e numa época em que só havia 2 voos por dia da Varig, era comum a decolagem ter um pequeno atraso, pois uns poucos e assíduos passageiros aguardavam o avião sobrevoar a cidade para então se dirigirem ao aeroporto, causando atraso no “fechamento do voo”.

    A cidade cresceu e melhorou bastante. As praças estão bem cuidadas e uma grande área chamada Parque da Maternidade foi criada. A margem do Rio Acre junto ao centro da cidade foi revitalizada com a construção de uma passarela ligando um lado ao outro da cidade e com a reforma do mercado onde há restaurantes botecos e comércio. E o “Shopping Palafitas” não existe mais.

    Em minha caminhada pela cidade fiz questão de visitar o Pinheiro Parece Hotel, digo, Palace Hotel. Não satisfeito fui caminhando até o local onde era o antigo aeroporto. Foi estranho caminhar pelo pátio onde por tantas vezes taxiei o 737 “Breguinha”. Onde era a pista agora é uma avenida, a torre de controle está abandonada, bem como o que antes era o aeroporto propriamente dito.

    Em meio a tantas mudanças, uma coisa continua igual em Rio Branco: a excelente qualidade do serviço de “catering”. Até 97,o responsável pelo embarque das refeições era o Seu Lima, um senhor baixinho que era só simpatia e fazia o possível e o impossível para agradar os tripulantes. Quando passávamos por Rio Branco no “voo da subida”, RG 484 São Paulo/Manaus com escalas, fazíamos nosso pedido de refeição para o voo da volta, que geralmente era um ou dois dias depois. Filé à Parmegiana, peixe, massa e outros pedidos que o Seu Lima fornecia em quantidades fartas. No voo da subida embarcava o clássico de Rio Branco; um bolinho de aipim e um quibe para cada um dos tripulantes. Bolinho é maneira de dizer, pois eles eram bem grandes e quase sempre levávamos para o hotel em Manaus para comer na hora da fome. E o bom era que eles vinham embrulhados em papel alumínio, então bastava colocar no abajur ou na arandela do quarto que o bolinho ficava incrivelmente aquecido. Coisa de tripulantes.

    O Seu Lima não trabalha mais por lá, deve ter se aposentado, mas não apenas a refeição embarcada em Rio Branco continua deliciosa, tanto na qualidade quanto na quantidade, como também a dupla de bolinhos continua a ser fornecida aos tripulantes.

    Viva Rio Branco!