quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Caleidoscópio de gente


Uma das coisas bacanas ao se trabalhar na aviação comercial é que a cada nova viagem, temos a chance de conhecer novas pessoas. Entre os tripulantes de um voo há quase sempre alguém que já conhecemos a também alguém com quem nunca voamos. Quanto maior for a programação do vôo, seja ela de dois, três e até 5 dias voando com a mesma tripulação, maior será o entrosamento entre os tripulantes. Se a tripulação é bacana, a programação fica ainda mais legal, com o pessoal se reunindo nos pernoites, saindo para jantar e passear. Claro que uma tripulação com homens e mulheres é melhor que uma tripulação só de homens, mas é bom que se diga, que mais vale uma rapazeada legal do que umas mulheres enjoadas! E por falar em mulheres, quando a programação é longa, a saudade de casa aperta, e pode acontecer a síndrome da "Creuza; Neuza; Deusa"; onde no primeiro dia, mal se nota a presença de uma das comissárias. No segundo dia, já se percebe que ela faz parte da tripulação. No terceiro dia já se presta atenção no mome dela: chama-se Creuza! Mais um dia e ela já foi promovida a Neuza, e a partir do quinto dia ela passa a ser chamada de Deusa! O grupo de pilotos de um modo geral é mais homogêneo, pois a maioria tem uma história parecida de paixão pela aviação desde muito cedo, porém no grupo dos comissários(as) as origens e histórias são mais diversas. Isso me lembra de um colega comissário que conheci numa programação de 5 dias voando por Cuiabá, Manaus e Belém. Em vôo, ele parecia um rapaz absolutamente normal, igual aos demais colegas, porém quando chegava no hotel ele passava por uma metamorfose. Usando pulseiras e colares de couro, num estilo Hippie dos anos 90 e com adereços indígenas, ele até mudava o jeito de falar. Muitos comissários "cairam de para-quedas na profissão", nunca haviam pensado na possibilidade, quando então por algum motivo se inscreveram na seleção de admissão de uma empresa, foram contratados, receberam o curso e começaram a voar. Uns trabalham por alguns anos somente, outros estão voando até hoje...Antigamente as empresas aéreas exigiam apenas o 2º grau completo para admissão de comissários, mas já a algum tempo elas exigem que o candidato já tenha feito um curso de comissário de bordo em uma das dezenas de escolas de aviação civil, e sido aprovado em provas da ANAC. Assim, antes mesmo de entrar na profissão, o candidato já tem que desembolsar uma grana. Mas voltando ao assunto, este colega ao ser indagado sobre a quantidade de adereços indígenas, contou que durante as férias , em vez de pegar uma passagem para fazer turismo no Nordeste, EUA, ou Europa, teve um momento de inspiração e resolveu passar um mês isolado em uma tribo indígena no Acre! Levou pouca roupa e o violão. Após desembarcar no aeroporto de Rio Branco, pegou um ônibus, mais uma boa caminhada e um barco para finalmente chegar ao destino final. Na tribo havia somente 3 pessoas que falavam português, mesmo assim com certa dificuldade. Viveu como eles, comeu como eles, pouco se vestiu, dormiu no chão ou em redes. Das coisas que ele contou de sua experiência com os índios, uma me chamou a atenção: Apesar da tribo viver isolada, sem televisão, ou rádio, todos conheciam e gostavam de futebol. Então 2 times foram organizados para os jovens e crianças da tribo disputarem não só o jogo, mas também qual dos times iria contar com a presença ilustre do nosso amigo comissário. Lá pelas tantas o time em que ele jogava tomou um gol! Ato contínuo, todos correram e gritaram comemorando o gol, inclusive o time dele e o prório goleiro que sofreu o gol! Ele nada entendeu na hora, afinal o razoável seria comemorar gol efetuado, e não gol sofrido. E a situação se repetia a cada gol, quando todos comemoravam e pulavam felizes. Depois ele compreendeu que na lógica da tribo, o futebol é para se divertir e fazer gol, assim, independente de quem fizesse o ponto, todos comemoravam. Bacana, né?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A vingança do Zumbi

Esta estória se passou com um colega na década de 90. Este colega, que como eu era comandante de Boeing 737-200, estava pernoitando com a tripulação em Aracaju, no Hotel Parque dos Coqueiros. Um hotel que fica bem próximo ao aeroporto e um pouco a direita do alinhamento da pista, com um belo jardim, de frente para a praia, com instalações em estilo rústico e chalés voltados para a piscina. A tripulação tinha que dormir cedo, pois na manhã seguinte a decolagem seria às seis da manhã. Para isso sairiam do hotel as 5:15 hs, sendo o despertar marcado para às 4:30 hs da manhã. Durante a tarde, observando o movimento ao redor da piscina, este colega percebeu que não iria ser fácil descansar durante a noite, pois havia um intenso movimento de pessoas preparando o hotel para uma grande festa. Ele tentou mudar de apartamento, para um que ficasse o mais afastado possível da piscina, suposto local da festa, mas como o hotel estava lotado, seu pedido foi negado. Dez da noite, onze horas, meia noite e com o som alto e muita algazarra era impossível para ele relaxar e dormir. Tentou novamente junto à recepção uma mudança, tendo inclusive procurado o gerente do hotel para explicar o problema, e pedindo encarecidamente por uma solução para que ele e os demais tripulantes pudessem ter um mínimo de descanso. Lá pelas tantas o gerente disse que ele não poderia fazer nada, e que ele e a tripulação que se virassem! E ele se virou mesmo. Ficou na cama virando de um lado para o outro tentando em vão descansar, já planejando uma vingança! Quando a festa parecia estar terminando e o silêncio voltando, o despertador tocou. Com banho tomado e uniformizados a tripulação seguiu para o aeroporto. O hotel ficava muito perto da pista, bastando uma curva à direita logo após a decolagem para sobrevoá-lo. Mas sobrevoar o hotel não seria suficiente, tinha que ser um verdadeiro rasante, de preferência em cima do apartamento do gerente. Dito e feito! Combinou com o co-piloto (que também não tinha conseguido descansar e queria ver o circo pegar fogo) e na decolagem, logo após sair do chão, quase que em vôo nivelado, curvou à direita passando sobre o hotel. O 737-200, diferentemente dos 737 das séries 300 em diante, é um avião da década de 70, e possui motores de outra geração. Não apenas menos potentes e econômicos, mas sobretudo, muuuuito mais barulhentos! Este Comandante, com a confirmação de outros tripulantes que estavam no hotel pernoitando, afirmam que o rasante foi um ESPETÁCULO! Todo o hotel tremeu! Telhas se deslocaram do telhado e todos que lá estavam, sem exceção, acordaram sobressaltados. O vôo seguiu para o Galeão/RJ e lá chegando já havia um comunicado para que o Comandante se reportasse imediatamente ao Diretor de Operações! O colega foi punido com uma suspensão do trabalho por 29 dias; e aceitou serenamente o “gancho”, afinal não havia nada que ele pudesse dizer em sua defesa. Foi para casa descansar, por 29 dias, sempre sorrindo ao se lembrar de sua contundente vingança.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O lado ruim da coisa, ou a pior parte da profissão

A cada seis meses eu fico na dúvida se escolhi a profissão certa. É quando chega o dia de revalidar o certificado de capacidade física, ou seja, o exame médico, expedido pelo Hospital da Aeronáutica. Até os 40 anos de idade este certificado vale por um ano para o caso de pilotos comerciais, e a partir dos 40, a validade é de somente seis meses, quando então dependemos de estar com a saúde em dia para continuar voando. Lá no Hospital da Aeronáutica, localizado no Campo de Marte, pilotos e comissários de bordo disputam com os militares um banco para sentar enquanto aguardam a chamada para os exames. Concordo que realizar exames médicos regulares é fundamental na minha profissão, mas não da maneira que ele é realizado e a cada seis meses! Chega-se no hospital por volta de 7 horas da manhã, para com sorte sair de lá as 13:30 hs de posse do exame médico revalidado a um custo de R$ 188,50, que a maioria das empresas aéreas e patrões não reembolsam. As consultas podem não durar mais de 1 minuto, porém pode se aguardar até 45 minutos para ser atendido! Chapa do pulmão, exame de sangue e urina, audiometria, oftalmologista, dentista, pressão e outros exames básicos. Após 35 anos de idade é exigido dos pilotos um exame ergométrico a cada dois anos, para comissários exame de fezes e exame Papanicolau para as mulheres. Dizem que no Rio de Janeiro este exame é mais rápido, tranqüilo e até menos rigoroso. Tenho freqüentado os corredores deste Hospital desde 1982, e percebo que a maioria absoluta dos examinados não acredita que estão realizando um exame de qualidade por um preço justo. Mas no final, quando recebo meu certificado revalidado por mais um tempo, fico aliviado, pois ruim a saúde não deve estar, e posso continuar trabalhando. Além disso, apesar da manhã perdida, encontrei amigos, colegas que eu não via há tempos, conheci novas pessoas, bati papo e dei risada durante as esperas. Em seis meses estarei de volta.

domingo, 15 de novembro de 2009

O pouso mais fantástico que eu já vi

  • A estória é um pouco comprida, mas vale a pena ser contada: Entre os Comandantes com quem voei no Airbus, o mais fascinante foi o Cmt Dahne. De origem Sueca, ele era um cara alto, forte, olhos claros e que estava sempre cheio de energia. Com 57 anos de idade, não perdia a oportunidade de jogar volley de praia quando estava pernoitando em Fortaleza, Manaus ou mesmo no Rio de Janeiro onde morava. Uma pessoa simpática que gostava de conversar e demonstrava um genuino interesse pelas pessoas. O Cmt Dahne era um "Vaca Sagrada" na Cruzeiro, ou seja, um dos mais antigos na empresa e portanto muito respeitado por todos. E não só por isso, ele tinha uma bela história na aviação e uma experiência invejável. Hoje em dia, por mais horas de voo que um piloto venha a trabalhar, não vai conseguir acumular durante uma carreira a quantidade de horas de voo que os pilotos da geração do Cmt Dahne acumularam. Hoje há limites quanto ao máximo de horas que se pode trabalhar por mês, trimestre ou ano. Ele pilotou os Catalinas, aviões anfíbios que voavam principalmente na região Amazônica. Pilotou também o YS-11 Samurai, e também o Caravelle, avião Francês que a Cruzeiro operou no Brasil. Ele foi da primeira turma de Comandantes da Cruzeiro a voar o Airbus A-300, que foi adquirido em junho de 1980, tendo inclusive feito todo o curso em Tolousse, França, para poder trazer o avião para cá. Além disso, estava na cabine de comando quando por duas ocasiões, seu voo foi sequestrado! O primeiro episódio, eu não tenho certeza se foi voando YS-11 ou o Caravelle, já que entre os anos de 1969 e 1971, ocorreram vários episódios de sequestro por parte dos militantes que lutavam contra o regime militar no Brasil. O segundo episódio foi em fevereiro de 1984, quando após a decolar o Airbus de São Luiz para Belém, o avião foi rendido por sequestradores, obrigando o voo a seguir para Cuba. Após conseguir convencer os sequestradores que a autonomia de vôo não era suficiente, pousaram em Paramaribo, trocando passageiros por combustível e seguiram para Cuba. Ele era um piloto muito habilidoso, não usava os cintos de segurança que passam sobre os ombros, e nem o que passa entre as pernas, somente usava o cinto sobre a cintura! Transmitia tanta segurança e confiança que se ele dissesse que iria fazer um voo de cabeça para baixo eu provavelmente o apoiaria, ávido por ver e aprender! Claro que ele não era louco para voar de cabeça para baixo, mas é bom que se diga, que ele e tantos outros pilotos contemporâneos dele, vinham de uma outra "escola de aviação". De uma época em que o Comandante podia tudo, ou quase tudo! Tinha-se muita liberdade para voar, sem muitos procedimentos padronizados e sistemas eletrônicos que hoje em dia, não apenas controlam o vôo, mas monitoram e informam se algum parâmetro ou procedimento do voo foi ultrapassado ou violado. Uma coisa que se fazia no passado, e que hoje em dia dificilmente se consegue fazer numa empresa aérea comercial, era o pouso "power off". A maioria dos pilotos em algum momento no passado já fez um pouso desses. É como se ,em um carro, você avistasse uma vaga a 400 metros de distância, em uma subida, e em ponto morto, só no embalo e usando o freio conseguisse uma manobra perfeita ao estacionar. Na verdade não é um procedimento recomendado, e nem autorizado pelas empresas. Mas é como eu disse, no passado era diferente, e os pilotos que já fizeram este tipo de pouso, certamente adquiriram um maior conhecimento da performance do avião, características e técnicas de pilotagem e até de suas próprias limitações. Voando em nível de cruzeiro, ao iniciar a descida, reduzimos a potência (power off) e assim voamos até cerca de 25 quilômetros da pista quando então aceleramos os motores para continuar na aproximação e pouso com um maior controle da velocidade do vôo. Pois no pouso PWR OFF, a potência permanece reduzida até o toque na pista. Efetua-se a descida numa rampa de planeio mais acentuada ou numa velocidade maior, ou uma combinação de ambas as condições, ou seja, alto e veloz! Requer habilidade, planejamento e uma certa dose de adrenalina. Meu voo com o Cmt. Dahne era para Manaus. No primeiro dia, fazíamos 3 pousos até Fortaleza e pernoite, no segundo dia mais 3 pousos até Manaus e outro pernoite, para no dia seguinte regressar ao Rio de Janeiro em 6 etapas com parada em Fortaleza. Na ida até Manaus, o Cmt Dahne deixava para o co-piloto efetuar as 6 etapas. Isso no A-300 significava que não apenas pilotávamos o avião, mas sob a supervisão dele, comandávamos o voo! Diferente do que ocorria em outros aviões da empresa na época, no Airbus, o co-piloto efetuava a partida dos motores, fazendo a comunicação com o mecânico, e também "taxiava" o avião. A maioria dos aviões possuem o comando de "steering" (comando direcional para o trem de pouso do nariz do avião que permite o controle e portanto o movimentação durante as operações de taxi nos pátios do aeroporto) somente do lado esquerdo, ou seja para o comandante, mas o A300 possuia este comando também do lado direito, no lado do co-piloto. Eu me sentia poderoso pilotando aquela máquina! O Cmt Dahne nos deixava muito à vontade , e quando fazia comentários sobre nossa pilotagem era para ensinar, para acrescentar e motivar. Mas assim que pousávamos em Manaus, ainda correndo sobre a pista, ele não se aguentava e assumia (nunca deixou de ter) os comandos do avião! Dizia que a volta era dele, que ele tinha pressa e gostava de voar rápido. E a volta era uma aula de pilotagem, dava prazer em ver tanta técnica e precisão! No 5º e último dia de vôo, na última etapa para pousar no Galeão por volta de 13:30 hs, todos os tripulantes do vôo (éramos em 13: Cmt, co-piloto, mecãnico de voo e 10 comissários) demonstravam uma certa euforia, animados para chegar no RJ. O dia estava lindo, nenhuma nuvem no céu e de longe avistávamos toda a cidade, Baía de Guanabara e o Galeão com suas 2 pistas de pouso. O procedimento de chegada era quase sempre o mesmo, ou seja, após praticamente sobrevoar o aeroporto, passávamos sobre a região de Duque de Caxias, para então nos afastar até cerca de 35 quilômetros, e com uma curva pela direita, regressar em direção à pista 15 (rumo magnético 150 graus). Mas naquele dia de vento calmo, o controle de tráfego aéreo perguntou se tínhamos condições de efetuar uma aproximação direta para pousar na pista 28 (rumo magnético 280 graus). - Afirmativo! Disse o Cmt Dahne. Descida em condições visuais, alto e veloz, condições ideais para um power off, do jeito que ele gostava, encurtando o caminho, em alta velocidade! Assim autorizados, ficamos altos em relação à rampa ideal de descida. Para ajudar o avião a descer foram distendidos os "speed brakes" e empregada a máxima velocidade. Os "speed brakes" são superfícies que levantam sobre as asas, com a finalidade de destruir parcialmente a sustentação e assim ajudar no aumento da razão de descida e/ou redução de velocidade. Chegando próximo à pista iniciou-se a redução da velocidade de forma a voar da máxima para a mínima, que é a velocidade de pouso. Para ajudar foram abaixados os trens de pouso, e em seguida iniciado o arriamento dos flapes. Naquele momento estávamos apenas um pouco acima da rampa ideal, mas ainda velozes! No A-300 não era rotina voar com os "speed brakes" distendidos abaixo de 180 nós de velocidade, então, quando o velocímetro indicou 180; 178 e diminuindo, eu alertei o Cmt Dahne para aquela condição. Ele me disse para ficar tranquilo, pois como eu veria em seguida, o avião tinha um excelente comportamento mesmo com speed brakes e velocidade abaixo daquela. Fiquei tranquilo, observando e aprendendo. Foi um pouso lindo! Pouso "manteiga", "lambido", power off, no ponto certo da pista, na velocidade ideal! Nunca tinha visto algo semelhante. Isso foi no final de março de 1989, e o que eu não sabia naquele dia, era que aquele vôo viria a ser o meu último no Airbus, pois em abril eu iniciaria o curso para voar o 737-200, pois já estava chegando a hora da minha promoção para Comandante. Quanto ao Comandante Dahne, poucos anos depois ele se aposentou compulsoriamente ao atingir 60 anos de idade, mas nem por isso ele deixou de frequentar as quadras de volley de praia em Ipanema. No mês passado fiquei sabendo que ele faleceu há não muito tempo. Eu tive a honra de ser seu co-piloto, e pelo que eu o conheci, ele sempre vai estar nas alturas!

  • Na sequência de fotos, um Catalina, um YS-11 Samurai, o Caravelle, e o Airbus, taxiando no aeroporto do Galeão. Há também um "croqui" que eu desenhei com o procedimento de chegada no Rio de Janeiro.

sábado, 14 de novembro de 2009

Airbus A-300

Após voar por um tempo o Boeing 737, 727 ou Electra na função de co-piloto II, havia na Varig a promoção para co-piloto III para então voar aviões maiores. Na época em que estava chegando a minha vez para promoção, as chances eram de voar o DC-10, o Boeing 767 ou o Airbus A-300. Para o Jumbo 747 não havia promoção e o B-707 estava em fase de aposentadoria. O DC-10 voava o mundo inteiro, o B-767 era um avião novo na empresa, que além de voar para o Canada e Miami, cobria as rotas nacionais e América Latina. Já o Airbus, era o "patinho feio" da frota! Havia somente 4 aviões (2 com pintura Varig e 2 com pintura Cruzeiro), que por terem perdido linhas para os modernos B-767s, tinham deixado de voar para Miami, Caracas e Bogotá, restando a eles 3 voos: Fortaleza, Manaus e Buenos Aires. Pois bem, estava feliz na Ponte Aérea e, quando ao encerrar a programação do dia liguei para o setor que coordenava os cursos, fiquei sabendo que o meu curso para promoção a co-piloto III de Airbus já havia começado a 3 dias atrás! Na manhã seguinte já estava no Rio de Janeiro para acompanhar meus colegas no "ground school", como é chamada a parte teórica do treinamento. O ''patinho feio" com capacidade para 232 passageiros, distribuidos nas classes econômica, executiva e primeira, não voava para longe, mas em compensação, os voos eram uma tranquilidade! Etapas mais curtas, só usávamos paletó e gravata nos voos para Buenos Aires, viajávamos com pouca bagagem, e o grupo de tripulantes, além de ser reduzido, era em sua maioria oriundos da Cruzeiro do Sul, o que fazia uma grande diferença. Uma turma muito bacana, não eram necessariamente cariocas, mas moravam no Rio de Janeiro, e tinham um jeito diferente de trabalhar, mais descontraido, mais à vontade. Outra grande vantagem era que, não havendo simulador de voo do A-300 na América do Sul, tínhamos que nos deslocar para Miami ou Europa. No meu caso, após o "ground school", fomos para Paris, onde fiquei 17 dias em treinamento nas instalações da Air France. Ainda tive 2 treinamentos periódicos, quando após um deteminado período voltamos para o simulador para uma reciclagem, e nestas ocasiões, foram mais 2 temporadas de 5 dias em Madri, nas instalações da Ibéria. É claro que nestes momentos, além de estudos, há também muito passeio e diversão! O grupo de pilotos era pequeno, e os comandantes não faziam "mistério" quanto à operação do avião, nos deixavam à vontade e por isso, aprendíamos muito nos voos. E finalmente, o melhor de tudo, é que foi em um voo para Fortaleza que eu conheci uma comissária por quem me apaixonei, casei e com ela tive meus 2 filhos. Foi um período de um ano e meio que curti demais e que rendeu muitas estórias que aos poucos compartilharei aqui.




terça-feira, 10 de novembro de 2009

O acidente de Abidjan

No começo de 1987 aconteceu o acidente com o Boeing 707 em Abidjan, capital da Costa do Marfim. Foi um grande susto para todos nós que trabalhávamos na Varig ouvir aquela notícia. O curioso é que aquele vôo seria o último daquele avião (perfixo PP-VJK) que, após pousar no Galeão/RJ, seria entregue para FAB. No vôo havia 39 passageiros e 12 tripulantes. O avião teve problemas após a decolagem, e quando regressavam para o pouso, a poucos quilômetros da pista, entrou em atitude anormal caindo então na floresta. Com seus tanques cheios de combustível, houve uma grande explosão e apenas 3 passageiros sobreviveram à queda do avião, porém 2 faleceram durante o resgate. Eu não conhecia ninguém da tripulação, mas muitos colegas da Ponte Aérea conheciam e se mostravam perplexos já que o Comandante Carneiro, ou Carneirinho, como era chamado carinhosamente, era um piloto experiente. É sempre assim, o piloto quase sempre é experiente...Eu fiquei assustado, pois se aconteceu com eles era porque também poderia acontecer com qualquer um de nós! Infelizmente outros acidentes, ainda que de menor gravidade, viriam a ocorrer após este episódio em Abidjan, mas este foi o que mais me impressionou. Estava há pouco tempo na Varig e percebi que, apesar de todo o treinamento, manutenção, dos excelentes índices de segurança e estatísticas que fazem da aviação o meio de transporte mais seguro que existe, aviões caem, e acidentes sempre vão ocorrer.

P.S. Para quem se interessar pela história do acidente, há um excelente relato no Blog do Lito (Aviões e Músicas: http://www.avioesemusicas.com/aviacao/pp-vjk/ ) escrito pelo jornalista Gianfranco Betting.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um certo Cmte Pê

Quando entrei na Varig, um dos comandantes que voava o Electra há anos era o Cmte Pê (vamos chamá-lo assim). Na época ele devia ter 55 anos e cabelos completamente brancos. Voando o mesmo avião há anos, ele conhecia tudo de Electra, e olha que este era um avião cheio de detalhes técnicos que tínhamos que saber. Pesos, temperaturas máximas dos motores em vários regimes de potência, ângulos das hélices, sistemas e procedimentos. Além disso, ele tinha fama de ficar fazendo perguntinhas aos co-pilotos e mecânicos de vôo, testando assim o conhecimento da tripulação. Por isso, apesar de me manter em dia com os estudos, torcia para não voar com ele. Ele tinha uma voz anasalada, e principalmente para seus alunos/co-pilotos, dizia frases hilárias! Teve um aluno, vamos chamá-lo de Eme, que teve que aguentá-lo durante a instrução. Eme estava pilotando quando avistavam urubus à frente, então o Cmte Pê falava: -Olha os corvos Eme, olha os corvos, vai bater! Nas aproximações para pouso, há um equipamento chamado VASIS, que colocado próximo à pista emite feixes de luzes, que, quando o avião está se aproximando abaixo de uma rampa considerada ideal, se tornam vermelhas. Pois o Eme estava se esforçando na pilotagem para pouso no Santos Dumont, e seu instrutor começava a exclamar: - Ô Eme, esta sua aproximação é comunista pois você está do lado esquerdo (do eixo da pista) e está tudo vermelho! No Electra havia ajustes de potência e o maior deles era chamado de METO POWER. Então, em vôo nivelado o Cmte Pê dizia ao aluno: - Acho bom colocar um pouco mais de potência. Alguns segundos depois um novo alerta: - Agora é necessário mais potência! O aluno se esforçando e em seguida com a voz anasalada ele começava a falar: - Agora nem com METO POWER, nós vamos cair! Que exagero... A última frase era na curta final para pouso, quando a poucos segundos para o toque na pista ele começava a dizer: - Ô Eme, você já avisou o “flight” (o mecânico de vôo) que nós vamos pousar na grama? Porque eu já estou sabendo! Ele era uma figura, e seus alunos tinham que ter uma paciência do tamanho do Electra! Alguns anos depois ,este comandante Pê foi voar o Boeing 737 ,e durante a instrução, quando ele era o aluno e voava com um comandante-instrutor, cometeram um engano e pousaram no aeroporto de Lagoa Santa em vez de pousar em Confins/MG. Lagoa Santa é um aeroporto militar cuja pista fica bem próximo à pista de Confins, não sendo tão difícil fazer confusão. Claro que uma coisa é achar que é e perceber que não é, e outra coisa é só perceber depois do pouso! Este tipo de erro já ocorreu algumas vezes. Um Boeing da FAB pousou em Araguari ao invés de Uberlândia, um F-100 da TAM pousou em Guarapari e não em Vitória, a Transbrasil já teve um episódio semelhante e a Vasp provavelmente também. Pois após o pouso em Lagoa Santa, ao se aproximarem do pátio de estacionamento e avistar soldados da Aeronáutica armados, o Cmte Pê exclamou: - Agora o pessoal da equipe de limpeza está usando fuzil! Ao se darem conta do engano ele efetuou contato rádio com a empresa pedindo que confirmassem se ele então estava demitido naquele momento ou se estava autorizado a concluir o vôo até Confins. Claro que não houve demissão. A chefia de pilotos, além de compreensiva, era também bastante condescendente. Em 1990 eu tive o prazer de voar o B-737 com ele, sendo seu co-piloto em mais de uma programação. Na verdade, o Cmte Pê era um cara bem legal, simpático, um bom piloto, engraçadíssimo e acima de tudo um grande coração. Após voar com ele eu voltava para casa sempre cheio de casos para contar. Tentando imitá-lo com a voz anasalada, reproduzia as estórias que ele me contava em vôo sempre com muito bom humor. Minha mulher morria de rir!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Meu primeiro vôo de Comandante, de verdade!

Alguns dias após a tentativa frustrada de fazer meu primeiro vôo na funçao de Comandante, finalmente chegou a hora! Foi um vôo normal, decolamos do Galeão/RJ por volta de meia noite com destino a Recife e escala em Salvador. O co-piloto foi o Vaudano, que hoje é comandante também e colega de empresa. Antes do vôo disse a ele que aquele seria meu primeiro voo como comandante, e que ficasse de olhos abertos pois afinal era uma condição nova para mim. Aos comissários eu preferi só contar após a chegada em Recife. Aliás, faço um parêntese para contar um caso que aconteceu com um outro colega. Era o primeiro voo dele como Comandante após a promoção, um voo para Brasilia com escala em Goiânia. Durante a primeira etapa, ele fez um anúncio aos passageiros e além das informações de praxe, ele disse que gostaria de compartilhar com todos a emoção que estava sentindo pois aquele era o primeiro voo dele na função de Comandante. Adivinha o que aconteceu? Exatamente, na escala em Goiânia, vários passageiros que seguiriam para Brasília preferiram desembarcar! Mas meu voo foi tranquilo. Deixei que o co-piloto fizesse a primeira decolagem. Até a "rotation" (velocidade em que puxamos o manche pra tirar o avião do chão) eu estava bem atento, mas senti que fiquei meio lento assim que decolamos . Talvez por instantes eu estivesse imerso em pensamentos e lembranças de toda minha trajetória até chegar naquele momento. Percebendo que eu estava meio lerdo tratei de voltar minha atenção para o voo. E foi tudo bem. Chegamos em Recife com o dia amanhecendo, quando então contei para os comissários que aquele tinha sido um vôo especial para mim. No dia seguinte, toda a tripulação seguiu para Manaus, e no terceiro ou quarto dia de voo, voltamos para São Paulo. Isso foi no final de maio de 1991.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Meu primeiro vôo comandando um Boeing

Em 1991, após instrução e treinamento em simulador, fui aprovado e promovido à função de comandante no Boeing 737-200. Minha primeira programação foi em maio, era um voo saindo do Galeão/RJ para Foz do Iguaçú com escala em Curitiba. Apesar de estar ansioso, aparentava tranquilidade diante daquele voo tão significativo para mim. Ao chegar no aeroporto encontrei os demais tripulantes do voo, passando à equipe de comissários as informações e recomendações de rotina. Junto com o co-piloto fomos a sala de briefing tomar conhecimento da documentação do vôo, navegação, meteorologia e etc. Lá fomos informados que o avião se encontrava no hangar da manutenção, onde os mecânicos estavam trabalhando para solucionar um problema no mesmo. Logo estaria pronto para o vôo, bastaria aguardar um pouco. Após mais de uma hora de espera e de ser chamado de Comandante diversas vezes, pelos despachantes, manutenção e tripulantes, veio finalmente a informação definitiva à respeito do voo: -Comandante, o vôo está cancelado, e o Sr. e os demais tripulantes estão dispensados! -Pois não! Peguei minha mala e voltei para casa. Nunca foi tão fácil ser Comandante!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Varig, Varig, Varig!

No dia 22 de julho de 1986 foi feita a minha admissão na Varig. A minha turma, que era de 20 co-pilotos, foi praticamente toda para o Boeing 737, ou o 727. Dois colegas e eu fomos admitidos para voar os Electras na Ponte Aérea RJ/SP. Assim, tive que aguardar mais um tempo para pilotar aviões a jato pelo Brasil a fora. Em compensação, após um período morando em Porto Alegre, minha vida deu uma acalmada, pois voltei a morar com minha mãe e meus irmãos, ter bastante contato com meus velhos amigos, ir ao clube e o mais gostoso: ir para Congonhas para trabalhar de co-piloto em um dos aviões mais bacanas que eu conheci. Antes de começar a instrução no avião, havia as sessões de simulador de vôo. O simulador do Electra era um barato! Era enorme, do tamanho de um container, e deve ter sido muito moderno quando foi fabricado, mas certamente obsoleto se comparação com o simulador de um Boeing. Mas ele cumpriu bem sua função e segui para o treinamento em vôo. Houve um tempo em que havia muitas restrições para as operações de pousos e decolagens no Santos Dumont com os Electras, apenas os Comandantes podiam efetuar as operações. Porém, após anos de voos seguros na Ponte Aérea, este “mistério’ já não havia mais, e co-pilotos podiam pousar e decolar sem problemas. Meu instrutor era um cara muito bacana, e já nos primeiros vôos eu já estava pousando e decolando tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Ele me ensinou as “manhas” do avião, as características da rota, das aproximações e como ele era extremamente sociável, me apresentou a muita gente. A cada escala, seja no RJ ou em SP, aproveitávamos o tempo de espera entre um vôo e o outro para dar uma passeada. Ele me levava no prédio da Varig onde funcionavam vários departamentos e ia me mostrando aonde era cada setor da empresa, me apresentando para as pessoas. Sabe aquele cara que não consegue dar 3 passos sem parar para conversar com um conhecido? Assim era ele, e eu fui conhecendo a empresa e seus funcionários. No final do dia, na medida em que os aviões iam parando para só recomeçar os vôos no dia seguinte, os pilotos se reuniam para um “happy hour”. Também conheci muitas comissárias, o que sem dúvida é um dos lados bons da aviação comercial, especialmente quando se é solteiro! Bons tempos, eu voltava para casa muito feliz e animado. Após o período de instrução, estava livre para voar com os diversos Comandantes. Alguns já voavam o Electra há anos, mas a maioria havia sido promovido há pouco tempo. Com muitos co-pilotos, mecânicos de vôo e comissários recém admitidos na empresa o clima era de muito entusiasmo. De fácil pilotagem e excelente capacidade de frenagem, não levei nenhum susto voando os Electras. Algumas vezes, mais por precaução do que por real necessidade, um dos motores era desligado em vôo. Sem problemas, voando com uma hélice parada e as outras 3 girando, ele ficava até mais belo, e seguia tranqüilo para o pouso. As chegadas no Rio de Janeiro eram sempre maravilhosas, o Electra parecia fazer parte da paisagem da cidade. Minha passagem pelo Electra foi relativamente rápida, pois no final de 87, já estava me despedindo para vôos mais longos. Foi o fim de uma era quando anos depois os Electras foram finalmente substituídos pelos Boeings, deixando muita saudade entre aqueles que o conheceram.