quinta-feira, 29 de abril de 2010

A crise

Não sei quando é que a crise da Varig começou, há quem diga que foi ainda na década de 80, outros, que foi somente nos anos 90. O certo é que na chegada do ano 2.000, a empresa atravessava sérias dificuldades que culminaram com o leilão da "velha Varig" em julho de 2006, encerrando assim, um período de 79 anos de atividades.

A década de 80 foi um período de grande crescimento da Varig, quando houve um aumento e modernização significativa da frota de aviões. Em 1981 chegou o primeiro Airbus A-300 (foram 4 no total, sendo dois deles com pintura Cruzeiro), em seguida vieram os Jumbos 747, os Boeings 767 e finalmente o 737-300. Foi um período de muitas contratações, principalmente a partir de 1984. Em 87, quando a Varig completou 60 anos, havia propagandas enormes e belíssimas na TV e mídia impressa que deixavam não apenas os funcionários orgulhosos de fazer parte da empresa, mas o próprio brasileiro sentia orgulho da Varig. Em 88, quando eu era copiloto de Airbus, tive a satisfação de receber na cabine de comando o então Presidente da Varig, Sr. Hélio Schmidt. Uma pessoa carismática, que na ocasião demonstrou satisfação ao me ver tão jovem no assento da direita da cabine de comando. Com a morte do Sr. Hélio, assumiu a presidência o Rubel Thomas, de cuja pessoa e gestão, não há nada a ser dito.

Na década seguinte o panorama começou a mudar. Em 91 eclodiu a primeira Guerra do Golfo trazendo um aumento no preço do barril de petróleo, e portanto maiores custos às empresas aéreas. Também nesta época, o governo do Presidente Fernando Collor abriu as rotas internacionais para a Vasp e Transbrasil e portanto, permitu que mais empresas americanas voassem para o Brasil, aumentando a concorrência e, é claro, as dificuldades. Para mim esta "turbulência" parecia ser temporária, pois em 91 as modernas aeronaves MD-11 estavam chegando, novas linhas internacionais sendo inauguradas, e o melhor de tudo: em abril daquele ano eu fui promovido a Comandante.

Em 1996 assumiu a presidência da Varig o Fernando Pinto. Seu pai havia sido comandante da empresa, e também seu irmão era comandante. Fernando Pinto era formado em engenharia e trabalhava na Varig há anos, tendo sido Presidente da Rio-Sul. Acredito que se a Varig teve uma só chance de sair da crise e entrar no rumo certo, foi na gestão dele. Uma nova imagem corporativa foi criada, com uma mudança no visual externo e interno das aeronaves, que ficaram lindas. A Varig passou a integrar a Star Alliance, uma aliança entre grandes empresas aéreas internacionais, que trouxe muitos benefícios à empresa, que assim, parecia voar em céus mais azuis. Em 99 tive o prazer de receber o Fernando Pinto para voar na cabine de comando no trecho Congonhas-Santos Dumont. Me pareceu ser um grande lider, com uma personalidade vibrante que transmitia confiança e otimismo. Naquele dia voltei para casa feliz e despreocupado com o futuro da Varig. Infelizmente as dificuldades eram muitas, e a gestão do Fernando Pinto durou 4 anos apenas. Acho que as medidas necessárias para o fortalecimento da Varig iam contra os interesses pessoais de alguns que controlavam a própria empresa através da Fundação Rubem Berta.

No ano 2.000, assumiu a presidência o Sr. Ozires Silva,que era uma pessoa bastante conhecida do "mercado",  contando com uma larga experiência e boa reputação devido ao seu passado à frente da Embraer. Acho que ele foi o primeiro presidente da Varig que não era "Prata da Casa". Voando na Ponte, eu o encontrava  frequentemente, pois ele morava em São Paulo e diariamente se deslocava para os escritórios da Varig no Rio de Janeiro. De fala mansa e simpático, ao embarcar no avião, ele sempre fazia questão de cumprimentar os pilotos na cabine. Como veremos a seguir, as dificuldades a partir do ano 2.000 foram se agravando, e nem Ozires, nem ninguém parecia conseguir reerguer a Varig, que dependia de sua controladora, a Fundação Rubem Berta.  Ozires Silva também enfrentou uma forte oposição da Associação de Pilotos da Varig, a APVAR, que tentava de uma maneira ou de outra,  apontar os problemas e soluções para a empresa. A gestão do Ozires Silva não durou muito, e depois dele vários outros antigos funcionários da Varig assumiram a presidência, sem no entanto conseguir qualquer resultado positivo. 

Crise é sempre um assunto chato, então, deixo para outro dia a continuação deste capítulo.

sábado, 24 de abril de 2010

Passagens com desconto

Um dos benefícios de trabalhar na aviação comercial é o fato de podermos comprar passagens com descontos, ou mesmo de graça. As regras e valores do desconto variam de empresa para empresa, sendo que esposa ou marido e filhos costumam ter os mesmos direitos quanto à concessão de passagens. Pais, irmãos e amigos também podem viajar com desconto, obedecendo a uma cota anual que o funcionário tem direito. Até a metade dos anos 90, a Varig não reconhecia o companheiro(a) do funcionário como beneficiário do direito a passagens com desconto, por isso muitos relacionamentos acabaram sendo oficializados em cartório. Em seguida o benefício foi estendido para um número limitado de amigos, contemplando com isso os homosexuais que puderam levar seus companheiros(as).

Em 2004 meu cunhado precisava ir a Alemanha a trabalho, então tirei uma passagem com desconto para ele e para mim, aproveitando que eu estava de férias. No balcão de check-in já percebi um olhar desconfiado da atendente e fui logo dizendo que se tratava do meu cunhado, irmão da minha mulher. Antes de embarcar, ao encontrar alguns conhecidos a mesma cena se repetiu. Ao embarcar no avião, já cansado de dizer a mesma coisa, fui logo apresentando meu cunhado como se fosse meu namorado! Desta vez, não houve reação, afinal, nada mais natural hoje em dia que viajar com o companheiro.

Os valores dos descontos são grandes e variam de acordo com a distância a ser voada. Para se ter uma idéia de valores, recentemente levei meu filho para me acompanhar num voo para Fortaleza e a passagem de ida e volta ficou mais barata que duas caixas de antibióticos que eu comprei na véspera, isto porque a maior parte do valor pago foi referente à taxa de embarque que é destinada à Infraero. Mesmo quando a passagem sai de graça, o que ocorre por ocasião das férias, a taxa de embarque deve der paga.

Assim, minha mulher e meus filhos viajam muito comigo, seja para um simples pernoite em Porto Alegre, ou em um voo mais longo para o exterior. Mas para viajar barato, há um preço a ser pago, que não é em dinheiro, mas em expectativa e algumas vezes frustração. É que estas passagens, na maioria das vezes, não dão direito a reserva de assento, ou seja, só embarca se sobrar lugar, então nos meses de férias escolares e em feriados, a aventura começa antes mesmo do embarque. Quando o voo lota, tenta-se o próximo, que se não for no mesmo dia, o jeito é voltar para a casa e tentar embarcar no dia seguinte. Agora, voltar para casa é fácil, complicado é quando estamos longe, dependendo de hotéis, com malas cheias e loucos para voltar para casa. Sendo tripulante, é possível viajar em um "jump seat", que são assentos extras, sem reclino, que há tanto na cabine de comando como nas "galleys" dos aviões. Em alguns aviões, nos voos de longo curso, há também os assentos de descanso dos tripulantes de cabine que podem ser ocupados pelo viajante-aventureiro, mas que durante o voo, devem ser desocupados no momento do descanso de parte da tripulação. Certa vez, ao voltar do México em um voo lotado, embarquei ocupando um dos assentos dos comissários, que, sendo um assento normal na classe econômica me trouxe um certo conforto até o momento que, encerrado o serviço de bordo, eu tive que cedê-lo aos tripulantes que iriam para o período de descanso. Fiquei "zanzando" pelo avião, ora batendo papo com a tripulação, ora sentado em um dos "jump seats". Mas o voo era longo e lá pelas tantas, com a permissão dos comissários que interditaram um dos banheiros na parte traseira do avião, lá entrei, tranquei a porta e com a cabeça apoiada na pia consegui dormir. Cheguei em São Paulo exausto!

Felizmente, dificuldade é a exceção, já que quase sempre se embarca sem problemas e até com alguma regalia! "Up grade” para a classe executiva e até para a primeira classe pode acontecer se houver disponibilidade de assentos, ou ainda quando a classe econômica está lotada e há vagas nas demais classes, por isso, é importante viajar bem vestido e principalmente, manter a discrição. Também é comum o funcionário poder emitir bilhetes e voar nas empresas que possuem acordo com a que ele trabalha, é a passagem “interline”. Quando em 1990 eu viajei para Bangkok e Tailândia em viagem de lua de mel, fui de Varig até Amsterdam e de lá embarquei num voo da KLM. O voo estava lotado, restaram apenas dois lugares na última fileira da classe econômica. No momento do embarque, minha mulher e eu nos identificamos ao chefe de equipe, dizendo que eramos tripulantes. Aquele esperado “up grade” para a executiva não aconteceu, pois realmente todas as classes estavam lotadas, mas em um determinado momento o próprio chefe de equipe veio conversar conosco e nos presenteou com uma garrafa de Champagne.

Quando estou trabalhando e sei que há funcionários em viagem de férias, procuro dar a eles uma atenção, acomodando-os da melhor maneira possível. Difícil é quando o voo está cheio e há mais candidatos do que assentos livres. Nestes casos há uma prioridade (tempo de casa, férias, cargo do funcionário e etc.) regulamentada pela empresa.

Passagens com desconto é um excelente benefício, mas ao se dirigir ao check-in, tudo pode acontecer: Voltar para casa, viajar no pior ou com sorte, no melhor assento possível.

domingo, 18 de abril de 2010

Pouso duro

A menos que as condições meteorológicas estejam ruins na área do aeroporto, os pilotos sempre procuram fazer um pouso que seja macio. Este objetivo, de um pouso "manteiga", nem sempre é atingido, e aliás, nem é o que recomendam os fabricantes dos aviões. A recomendação é para um pouso um pouco mais firme e "seco", pois o quanto antes o avião tocar a pista e os amortecedores dos trens de pouso se comprimirem, mais cedo será o inicio da atuação dos freios, spoilers e reverso dos motores, diminuindo então a distância de parada. É o que chamamos de pouso "técnico". Muitas vezes, quando parece que vamos conseguir "acariciar" a pista num pouso suave, basta uma pequena inclinação das asas, uma rajada inesperada de vento, um leve desnivelamento da pista ou uma pequena perda do alinhamento do nariz do avião em relação à pista para que o pouso não seja macio. Infelizmente, há raras ocasiões em que o pouso não é macio, nem normal, é um pouso "duro".

HARD LANDING: É o pouso em que a razão de descida do avião ao tocar a pista é próxima ou acima do máximo recomendado pelo fabricante. A rigor, todo pouso duro poderia ter sido evitado, mas se a ação para evitá-lo (aumentar a potência com simultânea atuação no manche) não for feita no momento certo, o pouso vai ser duro. E quando eu digo momento certo, um ou mesmo meio segundo pode ser decisivo! Um pouso duro sempre assusta um pouco os ocupantes do avião. Os passageiros arregalam os olhos e buscam no semblante dos comissários uma explicação. Os comissários esboçam um sorriso amarelado e esperam que o Comandante logo faça um anúncio pelo sistema de som. Estas palavras podem ou não explicar ou amenizar a situação. Há relatos de passageiros e comissários que tiveram problemas sérios na coluna, decorrentes de um pouso duro! Na cabine de comando não há um instrumento que possa indicar se o pouso foi ou não um pouso duro, mas sabemos que este tipo de pouso vem acompanhado de um sonoro palavrão por parte dos pilotos! Então, na dúvida, os pilotos devem reportar o fato no livro de bordo para que a equipe de manutenção tome as ações necessárias.

AÇÕES DA MANUTENÇÃO: Além da possibilidade de efetuar uma "leitura" dos parâmetros do pouso, tais como velocidade e principalmente razão de descida (força G) no momento do pouso, a manutenção faz uma rigorosa inspeção em toda a aeronave com ênfase no conjunto de trem de pouso, em busca de sinais que poderiam significar algum tipo de comprometimento e portanto a necessidade de um serviço mais amplo e demorado na aeronave. Quase sempre (nunca vi acontecer de maneira diferente) esta inspeção leva cerca de 30 minutos e a aeronave está novamente liberada para voar.

A estória que conto a seguir ocorreu em 1994 quando voava com o meu amigo Santos Júnior, que já possuia uma boa experiência em cabines de comando, porém na função de Mecânico de Voo. Naquela época ele estava iniciando o treinamento para ser promovido a Copiloto, sendo aquele voo com escala em Salvador sua segunda programação. A aproximação para o pouso foi boa, em condições noturnas a aeronave descia perfeitamente estabilizada na rampa ideal de pouso e o vento era calmo. Mas, no momento do toque, um pequeno retardo em diminuir a razão de descida ou a falta de um leve acréscimo de potência e o pouso acabou sendo duro! Nestes momentos os pilotos ficam um pouco aturdidos e procuram seguir em frente na manobra de parar o avião. Só depois que liberarem a pista, procurarão explicações para um pouso tão ruim. Embora o pouso (alguém poderia dizer que aquilo não foi um pouso, mas uma queda controlada!) tenha sido feito pelo meu aluno, é claro que a responsabilidade foi minha. Eu é que de alguma maneira não consegui a tempo dar subsídios a ele para corrigir a trajetória do pouso, ou ainda, assumido os comandos em tempo. Como eu disse, as vezes uma fração de segundos pode fazer a diferença. Dei aos passageiros uma satisfação, me desculpando pelo pouso brusco (não comentei que tinha sido o copiloto quem tinha pousado) e informei que nestes casos a equipe de manutenção efetuaria uma inspeção rigorosa antes de prosseguirmos o voo. Meia hora depois decolamos para o Rio de Janeiro onde terminou a viagem.

Um mês depois deste episódio, ao me apresentar no aeroporto para mais uma programação, recebi um envelope com uns papeis e um bilhete do Piloto Chefe. Era uma cópia da carta que um dos passageiros escreveu à Varig, reclamando do pouso duro e dizendo que o piloto, ao tentar amenizar a situação com um anúncio aos passageiros, a teria piorado; e então segundo ele, a "emenda ficou pior que o soneto". Havia também a réplica que o Piloto Chefe, o Comandante Ruhl, havia escrito. Nela, ele, que possuia uma grande habilidade de comunicação, se desculpava pelo fato de que o pouso havia sido ruim, mas que comparando os dados do pouso, obtidos através de leitura de parâmetros fornecidos pela manutenção, o valores de razão de descida no momento do toque na pista estavam abaixo do máximo permitido pela Boeing. Disse que pousar um avião de 45 toneladas a uma velocidade de 200 quilômetros por hora, em uma faixa de 40 metros de largura, efetuando as compensações por efeito de vento, aclive ou declive de pista pode parecer fácil mas que envolve muita técnica e que as vezes os pilotos cometem um pequeno erro que pode resultar em um pouso ruim. Concluiu a carta dizendo ao passageiro que ele iria pessoalmente me alertar para ficar mais atento ao dar uma satisfação aos passageiros para que a emenda não saísse pior que o soneto. Por fim havia um bilhete para mim que ele escreveu de próprio punho, dizendo mais ou menos o seguinte: Carvalho, recebemos esta carta de um passageiro em que ele reclamou de um pouso seu. Tomei a liberdade de responder a ele sem precisar falar com você. Não se preocupe, pois todos nós já demos nossos "catrapos". Um abraço, Ruhl.

Eu, que já admirava o Cmt Ruhl, passei a admirá-lo ainda mais. Achei fantástica a atitude dele e fiquei feliz por trabalhar na Varig, uma empresa cujo setor de Operações era comandado por grandes Aviadores.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Instrutor do meu instrutor

No inicio de 1989 eu estava voando como copiloto de Airbus A-300 quando fui chamado para o curso do B737-200. Voaria nas rotas nacionais do “breguinha”, ainda na função de copiloto, aguardando para iniciar o treinamento e promoção para comandante. Meu instrutor, o Edson Villar, foi muito paciente comigo, pois apesar de eu contar com uma certa experiência, a mudança para o 737 foi grande! Acontece que ao contrário do Airbus e do Electra, o Boeing 737 não tinha o mecânico de voo na cabine de comando para auxiliar os pilotos, além disso, os destinos eram muitos. Na Ponte Aérea os pousos e decolagens eram em basicamente 2 aeroportos diferentes (Congonhas e Santos Dumont) e no Airbus os destinos eram 11, assim os procedimentos de subida, descida, distancias, frequências de rádios, rumos e outras características das rotas já estavam na memoria. No 737 o número de rotas era grande, e a cada etapa de voo, havia a necessidade de um planejamento e estudo de procedimentos que eu não estava acostumado. Nos aviões que não possuem o mecânico de voo (atualmente nenhum avião comercial sai da fábrica necessitando da presença do mecânico na cabine), as atribuições do copiloto são bem mais amplas. Verificação de manuais de performance, leitura de checklists, comunicação com os comissários, inspeções externas da aeronave durante as escalas e preenchimento de tabelas de decolagem com os dados de peso, são alguns exemplos de tarefas que passaram a ser de minha responsabilidade no 737. Dei trabalho para o meu instrutor, mas com um voo após o outro, acabei me adaptando e segui em frente.

Na aviação comercial, o piloto após voar uns anos na função de copiloto, entra em treinamento para ser promovido a comandante. Geralmente esta promoção é para voar o avião "básico" da empresa, ou seja o de menor peso máximo de decolagem. Após ser promovido, e passado um tempo, pode surgir a oportunidade de uma promoção a comandante instrutor de voo, inicialmente no avião e depois também em simulador de voo. Mais um tempo e horas de voo para então surgir a chance de ser promovido ao cargo de comandante checador, tanto nos voos de linha como em simulador. Estes cargos vão proporcionar um ganho extra na remuneração, que vai depender do sistema de pagamento adotado por cada empresa. Na medida que o tempo vai passando e a "fila" andando (aposentadorias, aumento de frota e etc.) chega um momento em que este comandante é chamado para pilotar um outro equipamento. Ao iniciar o curso de um avião diferente, o ciclo reinicia, ou seja, ele começa como aluno, será promovido e no futuro terá a chance de novamente exercer os cargos de instrutor e checador.

Pois não é que no ano 2000 quando eu estava de volta à Ponte Aérea, desta vez como comandante de B737-300, o chique, tive a satisfacão de receber como aluno o Villar que vinha para voar fixo no eixo Rio-São Paulo. A instrução foi rápida, apenas alguns voos para mostrar a ele as particularidades das operações em Congonhas e principalmente no Santos Dumont. Naqueles poucos voos, ele era o aluno e eu o instrutor, condição esta que foi breve, pois tenho para mim que uma vez meu instrutor, sempre será meu Instrutor!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Horas felizes

Quem não gosta de um happy hour? Na aviação acontece, ou pelo menos acontecia, de nos reunirmos para um "happy hour" nos hoteis de pernoite. Nos encontramos no quarto de um dos tripulantes,e cada um contribui como pode para os comes e bebes, ou então, recorre-se a um supermercado ou ao room service do hotel com o devido rateio das despesas. Assim, com cerveja, vinho, refrigerante, salgadinhos, queijos e pães, damos muitas risadas e solucionamos os problemas da empresa, do Brasil e do mundo.

Não raro o anfitrião destes encontros é o comandante do voo, pois geralmente, entre os tripulantes, é ele quem fica com o maior apartamento nos hotéis, podendo então acomodar a turma toda. Já vi muitos tripulantes reunidos no mesmo apartamento para um happy hour! Alguns hotéis possuem um apartamento ou uma sala exclusiva para o uso dos tripulantes, onde nos encontramos. Há muito tempo atrás, em Buenos Aires, a Varig hospedava seus tripulantes no Hotel Sheraton, que nos tratava a "pão de ló". Neste hotel havia um apartamento enorme que ficava a disposição não só dos tripulantes da Varig, mas também das demais empresas que voavam para a Argentina. Havia um aspecto curioso neste apartamento: todos os objetos de decoração, tais como vasos, quadros, abajour, cinzeiros e porta retratos ficavam colados à mobília! Problemas com cleptomaníacos, terremotos, ou gente estabanada? Sei lá! Sei que no Sheraton de Buenos Aires, havia outro atrativo que literalmente era uma festa para os tripulantes. Sempre na última sexta feira do mês, o hotel organizava uma grande festa estilo boca-livre, e com sorteio de brindes para todos os tripulantes que lá estavam hospedados. Varig, PanAm, Lufthansa, Air France e tantas outras empresas estavam sempre representadas pelos seus tripulantes, sendo que alguns se programavam com antecedência, no sentido de solicitar à escala de voos uma programação com pernoite em Buenos Aires naquelas datas.

Me lembro de um happy hour muito legal que aconteceu em 2005 na época dos bons tempos do MD-11. Havíamos chegado em Paris no dia anterior vindos do Brasil, e naquele dia a programação seria de um bate-volta para Amsterdam. Já na ida para Amsterdam, a tripulação combinou um encontro após a chegada de volta ao hotel, o que aconteceria por volta das nove horas da noite. Durante o voo, a tripulação de cabine (comissários e comissárias) separou para o nosso happy hour algumas coisas que fatalmente virariam lixo caso não fossem utilizadas. Vale comentar que entrar nos países com queijos, carnes, frutas e outros tipos de alimentos é proibido pelas autoridades locais, porém, no caso dos países da Comunidade Econômica Européia, este tipo de barreira, e portanto de restrição, não ocorre em certos voos. Então, munidos de guloseimas que trouxemos do avião, e mais algumas coisas que havíamos comprado no supermercado pela manhã, fizemos um super happy hour, com todos os 10 tripulantes reunidos, degustando ótimos queijos, e vinhos nacionais. Nacionais da França, mon ami!

O TOQUINHO

Em 1996, em um voo para Belo Horizonte aconteceu uma situação inusitada ao chegar no hotel, e que nos levou a um happy hour memorável. Naquela noite, além dos 6 tripulantes, estava o Pedro, que em seu primeiro voo na empresa, iniciava o treinamento para copiloto. Ao chegar no Hotel Othon, fomos informados que infelizmente não havia apartamento disponível para um sétimo tripulante, pois o hotel estava lotado em função de um congresso que acontecia na cidade. Mas o impasse foi logo resolvido quando o funcionário da recepção encontrou uma solução: ele disse que a Suíte Presidencial estava reservada para o Toquinho, o músico, mas como ele não havia chegado até aquele momento, e aparentemente não iria aparecer, um de nós poderia ficar com a suite, desde que no dia seguinte, no mais tardar as dez horas manhã, fizesse uma mudança para um apartamento "comum". Sem problemas! Ofereci ao copiloto Pedro para ficar com a suíte, até porque, era o dia do aniversário dele, mas ele recusou e coube a mim este "sacrifício". Apesar de já estar tarde, convidei a tripulação para um happy, afinal, não é sempre que podemos desfrutar de uma Suíte Presidencial, além disso, sendo o primeiro voo do meu aluno Pedro, havia motivos para celebrar. O apartamento era enorme, e havia sobre a mesa uma enorme cesta de frutas, uma bandeja com frios, uma champagne num balde de gelo e um cartão que dizia o seguinte: "Prezado Toquinho, nós do Hotel Othon ficamos honrados com a sua presença e lhe desejamos uma ótima hospedagem". E nós tripulantes, agradecemos a sua ausência! Imediatamente liguei na recepção do hotel, perguntando se poderíamos aproveitar aquela oferta. Após hesitar uns instantes, o funcionário do hotel liberou aquilo que o Toquinho não pode aproveitar. Foi um happy hour de gala!

Estes encontros eram divertidos, verdadeiras Horas Felizes!