sábado, 13 de abril de 2013

Voo contra o relógio



A maioria dos aeroportos comerciais funcionam  “H24”, ou seja, ininterruptamente. No entanto, alguns deles, quase sempre devido a restrições ambientais relativas a ruído no entorno, encerram as operações durante a noite. Nos voos da “velha Varig” para o exterior essas restrições dificilmente causavam problemas, pois mesmo que o voo estivesse atrasado ainda havia uma boa margem de segurança. As chegadas ao exterior eram tranquilas, uma vez que geralmente os voos pousavam pela manhã e as decolagens de lá para cá também, já que as saídas eram por volta de nove ou dez da noite e o horário de encerramento das operações nos aeroportos nunca eram antes de onze da noite.

No Brasil, Congonhas/SP e Santos Dumont/RJ possuem restrições quanto ao horário de funcionamento, mas nem sempre foram assim. Na época do saudoso Electra que voava na Ponte Aérea, Congonhas operava sem restrições durante a noite e madrugada. Eram outros tempos e exceto numa eventualidade, não havia movimentação de pousos e decolagens após a meia noite. Mesmo assim o aeroporto estava aberto e durante anos, tomar um cafezinho na madrugada era um bom programa na noite paulistana.

No início dos anos 90, Congonhas passou a ter as operações suspensas das 23hs às 06hs da manhã do dia seguinte, medida bastante acertada em função do nível de ruído provocado no entorno do aeroporto. Só quem mora na rota de pousos e decolagens ou nas proximidades do aeroporto sabe o que é ter que esperar o avião passar para poder ouvir alguma coisa.

Os pilotos dos voos cujo horário de chegada era próximo do horário de encerramento das operações passaram a ter uma preocupação a mais: não permitir que um atraso comprometesse o estimado de chegada, obrigando a um desvio para Guarulhos. No período em que eu voei o 737 na Ponte Aérea, principalmente naqueles dias de chuva e fechamento momentâneo do aeroporto, era uma correria tremenda para pousarmos em São Paulo antes das onze da noite. E chegava a ser divertido também. Houve ocasiões em que pousei no Santos Dumont pouco antes das dez da noite e, com toda a equipe de terra (despachantes, descarregamento e carregamento de bagagens, mecânicos, abastecedores, limpeza e abastecimento de material de comissaria) e de voo, preparada e motivada, conseguíamos aprontar e embarcar rapidamente os passageiros de forma a decolarmos em tempo para pousar em São Paulo antes que Congonhas encerrasse as operações. Para isso era necessário que em voo “atalhássemos” a rota ao máximo possível; cada “proa direta” que o controle de tráfego aéreo autorizasse era bem vinda, cada pequeno aumento na velocidade era uma ajuda.  Decolávamos do Rio de Janeiro estimando o pouso às 23:05hs e pousávamos às 22:56hs!

Até o começo dos anos 2.000, o horário de encerramento de Congonhas podia ser “flexibilizado” com o aval da autoridade aeronáutica. Quando necessário, o representante da empresa aérea entrava em contato com a autoridade (um Coronel da Força Aérea responsável pelo controle de tráfego de Congonhas) e a autorização era dada ao piloto. Em certas ocasiões, voando do Rio para São Paulo, tínhamos que reduzir a velocidade enquanto aguardávamos a autorização para pousarmos além das 23hs.

Cada vez que um avião pousava após as onze da noite os moradores dos bairros em volta de Congonhas protestavam e logo conseguiram uma liminar  judicial que proibia qualquer extensão no horário de funcionamento de Congonhas. Não tinha mais “choro”, horário era horário! E quem passou a ditar a hora certa foi a Torre de Controle de Congonhas! Houve muita discussão e bate boca na fonia entre pilotos e controladores, já que por diferença de um ou dois minutos, decolagens e pousos foram negados pela Torre de Controle. Nos meses do chamado “apagão aéreo”, após o acidente com o Airbus da Tam, houve uma nova autorização para flexibilizar as operações em Congonhas; me recordo de um voo em que decolei para lá de meia noite!

Hoje Congonhas opera com bastante rigidez. Empresas, controladores e pilotos se adaptaram, tanto é que não há voos programados para decolar depois das 22:30hs.  Neste horário, quando há um voo atrasado, as empresas estão correndo, pois sabem que não há flexibilização. Há não muito tempo atrás houve um atraso no nosso voo e o resultado foi deslocar todos os passageiros para Guarulhos. Pousar antes das 6hs da manhã também é impensável! Pela manhã, por volta de 05:50hs, já há aviões voando em espera enquanto aguardam a abertura do aeroporto.  Recentemente estávamos em espera para pouso e ouvimos na fonia a aproximação daquele que seria o primeiro pouso do dia. Olhando para o relógio, observando a posição daquele avião e calculando o momento exato do pouso, parecia que o pouso se daria um pouquinho antes das seis. Bem, mas o que vale é o relógio da Torre, que deveria ser rigorosamente sincronizado com os dos aviões através de GPS.  Observamos. Não deu outra, e em seguida ouvimos na frequência rádio que o avião em questão fora orientado a descontinuar a decolagem e entrar novamente na sequencia de aproximação.  Arremeteu por causa de menos de sessenta segundos!

Uma semana depois eu estava como número um para o pouso em Congonhas. O controle deixou a nosso critério planejar o momento de interceptar a aproximação final, mas pedia para agilizar ao máximo possível. Fomos planejando o percurso da aproximação e controlando a velocidade para pousarmos o mais próximo das seis, mas de forma alguma antes das seis. Não foi um bom planejamento, pousamos às 06:02hs, mas foi melhor assim.


Vejam no YouTube a discussão entre pilotos e controladores: https://www.youtube.com/watch?v=66QLGCAHBkQ