domingo, 29 de maio de 2011

Gente diferenciada


     Dia 31 de maio é dia do comissário(a) de bordo, profissionais sem os quais um voo comercial não decola. É uma atividade bacana, sobretudo porque ao contrário dos pilotos que lidam com uma máquina, os comissários lidam com gente.  Gente de todos os tipos e origens; artistas, desconhecidos, milionários, passageiros de primeira viagem, crianças, idosos, estrangeiros e brasileiros de todos os cantos.  Por isso, os comissários possuem muitas estórias para contar.

     O perfil dos passageiros mudou muito nestes últimos anos, e hoje em dia todos podem voar. Isso é ótimo, pois desta maneira o número de aviões necessários é bem maior, portanto a oferta de emprego na aviação aumentou muito. Os passageiros pouco acostumados a viagens aéreas, principalmente os idosos, dão um pouco de trabalho durante o embarque e desembarque, mas em compensação, durante o voo são super tranquilos.  Já os mais habituados, estes sim, podem dar um pouco mais de trabalho à tripulação de cabine. Nem todos perceberam que o “glamour” das viagens de avião, definitivamente faz parte do passado.

 Talvez por serem muito bajulados, há muitos artistas que não querem sequer dirigir a palavra aos comissários, nestes casos seus assessores fazem a comunicação.   Já os políticos não perdem a oportunidade para sorrir e tentar ganhar mais um voto para as próximas eleições.  Os músicos costumam ser mais extrovertidos e volta e meia dão um pulo na galley e puxam papo com os tripulantes. Além de carregar CDs para distribuir, sobretudo as bandas menos conhecidas, muitas vezes acabam convidando a tripulação toda para ir ao show, quando este acontece na cidade de pernoite. Certa vez, em um voo de Airbus A-300, terminado o serviço de bordo, o Tim Maia estava batendo papo com as comissárias. Uma delas, minha amiga Dayse, disse que era tão fã dele que já tinha ido a um show que nem ele próprio tinha comparecido! É que Tim Maia tinha fama de se atrasar e até de não aparecer em seus shows. Ele ficou sem graça e tratou de dar uns CDs para a Dayse.

     Um colega da minha mulher, o Mário, também tem uma estória de um passageiro diferenciado.  Mário estava fazendo o voo São Paulo/Londres, e na classe executiva ele observou um senhor viajando sozinho com uma pequena mala de mão.  Dois dias depois, quando o Mário embarcou para fazer o voo de volta ao Brasil, adivinha quem também estava embarcando?  O mesmo passageiro, o que não é comum em viagens intercontinentais. Ao reconhecer seu passageiro de dois dias atrás, encontrou um tempo para bater um papo com ele. Este senhor comentou que tinha ido até a Ásia para uma reunião de negócios e que não queria perder tempo. O Mário fez as contas e concluiu que neste caso, aquele senhor não tinha dormido uma noite sequer fora do avião, e perguntou: ­- Como é possível? O distinto senhor explicou que viajava apenas com uma mala de mão, pois para ele, tempo era dinheiro, e que usando as salas VIPs a que tinha direito ele  economizava em diárias de hotel e voltava para o trabalho em São Paulo mais rápido. O Mário, que àquela altura do bate papo já tinha conquistado o passageiro, ainda teve a cara de pau de dizer que mal podia imaginar a situação da cueca!  Ambos deram muitas risadas. Antes de desembarcar em São Paulo, nosso distinto  e econômico passageiro disse ao Mário que tinha gostado muito dele e entregou seu cartão pessoal, dizendo que se precisasse de algo, para procurá-lo. Nosso colega quase não acreditou quando descobriu que aquele senhor era um bilionário, dono de várias empresas, entre elas uma empresa de aviação.

     Outra colega da minha mulher, Sílvia, também teve um contato curioso com uma passageira diferenciada. Ela estava em Guarulhos esperando o pouso do avião procedente de Londres, para seguir trabalhando para o Rio de Janeiro. Enquanto aguardava, ela foi tomar um cafezinho e observou uma distinta senhora olhando o balcão da cafeteria. Como esta senhora não carregava uma bolsa, Sílvia gentilmente ofereceu um café a ela. A senhora agradeceu a gentileza e recusou a oferta. No minuto seguinte Sílvia percebeu a chegada de uma verdadeira comitiva se aproximando daquela senhora. Assessores, segurança e membros do Governo Brasileiro.  Foi então que ela percebeu que a senhora em questão era a Rainha Sílvia, casada com o Rei Carlos XVI da Suécia! A Rainha Sílvia, embora nascida na Alemanha, tem nacionalidade brasileira, pois sua mãe é brasileira, tendo com ela morado no Brasil entre 1947 e 1957.  Durante o curto voo para o Rio de Janeiro, em que a Rainha Sílvia foi passageira da comissária Sílvia, nossa amiga foi à primeira classe.  A Sílvia comissária fez questão de falar com a Sílvia Rainha, e disse estar sem graça, pois não a havia reconhecido naquele momento em que oferecera um cafezinho. A Rainha disse que não havia motivo para pedir desculpas, muito pelo contrário, ela é que devia se desculpar por ter recusado o café, mas que sabia que logo seu marido chegaria e que provavelmente teria que dar atenção a ele e aos demais membros da comitiva.  A Rainha ainda acrescentou que um dos motivos que amava o Brasil era justamente esse: as pessoas.

     Gente diferenciada é outra coisa....

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Combustível mínimo


 Este episódio aconteceu em 1996 em um vôo de Boeing 737-300 da “velha” Varig.Era para ser uma etapa de pouco mais de uma hora de vôo entre Goiânia e Belo Horizonte, mas acabou se tornando uma longa viagem.

 Durante a descida para o pouso em Confins/BH, por volta de duas da tarde, os pilotos observaram pelo radar meteorológico que grandes nuvens haviam se formado e ocupavam praticamente toda a área sobre a cidade e o aeroporto.  A chuva, que já caia sobre a pista, estava se intensificando, mas ainda não prejudicava tanto a visibilidade e a aproximação foi iniciada. A turbulência sacudia o avião que ia perdendo altitude e se aproximando da pista de pouso, os pilotos podiam sentir os fortes ventos  e mantinham-se atentos às constantes variações de potência do motor.  A chuva se intensificava e a torre reportava uma redução da visibilidade com chuva forte,com o vento variando em sua direção e com rajadas. Ao atingir a altitude mínima de descida do procedimento por instrumentos, com ambos os limpadores de para-brisas atuando em velocidade máxima, não foi possível avistar a pista e uma manobra de arremetida foi iniciada.   Para os passageiros, uma arremetida é sempre algo inesperado e desconfortável. Para os pilotos, por mais que seja uma manobra bastante praticada em simuladores de vôo, arremeter sempre exige rapidez de ação e raciocínio, especialmente naquelas circunstâncias em que havia nuvens pesadas por toda a região.

Concluída a arremetida, os pilotos escolheram uma área livre das formações meteorológicas para efetuar uma espera e analisar a situação. O comandante efetuou um anúncio aos passageiros colocando-os a par da situação. Alguns contatos foram feitos com a empresa para obter boletins meteorológicos atualizados de Brasília e Galeão/RJ e para saber qual seria o melhor aeroporto para seguir caso o pouso em Confins permanecesse impraticável. Não havia previsão de melhora para os próximos 45 minutos, além disso, a torre informou que o balizamento da pista acabara de apresentar problemas em função de um raio que caíra. A decisão foi seguir para o Rio de Janeiro, pois além de haver passageiros para lá, já que era a sequência natural daquele vôo, a distância BH/RJ é menor que BH/Brasília e o tempo era bom tanto no Galeão quanto no Santos Dumont.
       
 Mas naquela tarde a coisas estavam acontecendo com uma rapidez surpreendente, e ao se aproximar do Rio de Janeiro, aquelas poucas nuvens que o boletim meteorológico havia informado estavam enormes! Os pilotos não estavam gostando nem um pouco da imagem que viam na tela do radar, CB’s e áreas de turbulência intensa em toda a região. Olharam para o indicador de combustível e procuraram ficar tranquilos, pois estavam a 10 minutos do pouso, seguindo um Jumbo da Air France. A exemplo do que ocorrera em Confins, os ventos estavam se intensificando e mudando de direção. O pouso com vento de cauda é permitido, mas somente se for de pouca intensidade, o que não era o caso, então a “pista em uso” no Galeão foi mudada exigindo mais uma série de proas e “vetores” para completar a aproximação. Os poucos minutos para o pouso iriam se transformar em mais um tempo precioso e desta vez o comandante não hesitou em pedir prioridade para o pouso, pois estava entrando numa condição de “minimum fuel”, ou seja, com menos de 30 minutos de autonomia de vôo. Ainda seguindo o Air France por poucas milhas na aproximação, uma nova surpresa: o comandante do Jumbo informou ao controle de tráfego aéreo que estava arremetendo após ter recebido um alerta de “windshear”! O Varig seguiu firme na aproximação, ambos os pilotos atentos, torcendo para que aquele alerta fosse uma situação momentânea e de olho na quantidade de combustível. Tesouras de vento, as “windshears”, são potencialmente perigosas para um avião em aproximação e quando o alerta soou na cabine do 737, não restou outra opção além de uma arremetida!
     
A situação estava ficando cada vez mais crítica,e da torre do Galeão veio a informação que as operações estavam suspensas devido à chuva forte,e o Santos Dumont também já estava fechado para pousos. O comandante declarou situação de emergência, e toda a prioridade foi dada a ele. Não havendo qualquer aeroporto comercial ao alcance, a Base Aérea de Santa Cruz passou a ser a única opção,e apesar de estar a 60 quilômetros de distância do Galeão não estava sob efeito do mau tempo.  Mantendo 5.000 pés de altitude o voo da Varig seguiu para Santa Cruz, sempre auxiliado pelo controle de aproximação.
         
Na cabine de comando há uma coletânea das cartas de procedimentos de pouso por instrumentos dos principais aeroportos do país, porém não das Bases Aéreas. Desta forma o comandante solicitou uma aproximação PAR, ou seja, uma “precision approach radar”,usada normalmente na aviação militar. Neste tipo de aproximação, o controlador de tráfego aéreo opera um radar de precisão, que como o próprio nome diz, possui precisão suficiente para instruir o piloto em sua aeronave até bem próximo da cabeceira da pista, tanto em termos de distância como também de alinhamento e altitude. No último minuto desta aproximação o controlador não para de emitir instruções, informando as pequenas correções de proa que possam ser necessárias, bem como a altitude que o avião deve passar a cada instante. Também é informado ao piloto o procedimento a ser executado caso ele deixe de receber instruções por mais de 5 segundos, e por fim, o procedimento de arremetida caso não seja possível estabelecer contato visual com a pista. Para os pilotos, arremeter não estava nos planos, era pousar ou pousar!
         
Por mais que o comandante tivesse efetuado constantes anúncios aos passageiros, ainda que os comissários procurassem se manter confiantes e calmos, o clima na cabine de passageiros era de bastante apreensão. Também pudera; a estas alturas já havia passado quase três horas de voo com muita turbulência, duas arremetidas, explicações por parte da tripulação e muita, muita expectativa.
           

 A mil pés de altitude, voando sobre o mar, os pilotos avistaram a pista! Um pouso suave em que a quantidade de combustível era tão pouca que ao desacelerar o avião as luzes de “low pressure” das bombas de combustível acenderam, numa indicação clara que não havia mais de 15 minutos de voo! Os passageiros aplaudiram, os comissários sorriram e na cabine de comando os pilotos trocaram olhares e cumprimentos. Muitos pensamentos passaram pela cabeça: o azar pelo mau tempo em Confins e Galeão, a sorte pela chance em Santa Cruz, orgulho pelo trabalho em equipe e indagações sobre o que fariam se não conseguissem pousar na Base Aérea.

 Após estacionarem o avião, outro tipo de dificuldade surgiu, pois todas as ações a partir daquele momento dependiam de autorização de um oficial da Força Aérea, o Comandante da Base. Por ser uma situação inesperada,a autorização para abertura da porta do avião, abastecer e decolar demoraram bem mais que o usual. Embora ninguém devesse desembarcar, dois passageiros não quiseram nem pensar em permanecer a bordo, e com a autorização do Cmt da Base Aérea, saíram do avião sem se importar onde estavam, como fariam ou como pegariam suas malas. Duas outras dificuldades surgiram: os caminhões de abastecimento não estavam preparados para receber um Boeing, já que os bocais das mangueiras eram padronizados para aeronaves militares. Um velho caminhão que abastecia o Boeing 707 da FAB teve que ser ativado. Além disso, o tempo fechou na região da Base Aérea, e por quase uma hora, enquanto a chuva caia torrencialmente, nada pode ser feito. Foi preciso muuuuita paciência para os passageiros e tripulantes, já que foram quatro horas parados na Base Aérea até que o 737 decolasse para o aeroporto do Galeão, que a estas alturas operava com tempo bom.
        
O comandante, que era gaúcho de descendência japonesa, aproveitou o tempo parado na Base Aérea,para, com a calma que é típica dos povos orientais, escrever um relatório detalhado sobre o ocorrido. Passado uma semana ele e o copiloto receberam em suas “pastas” uma correspondência do Diretor de Operações, elogiando-os e parabenizando-os pela atuação e decisões em um voo tão complicado.
     
Atualmente o comandante daquele voo esta trabalhando em uma empresa na China, e o copiloto, agora na função de comandante, pilota Boeing em uma empresa Brasileira.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Loucos pela aviação


 Eu já fui um louco pela aviação. Do momento em que despertei para o mundo dos aviões, até o dia em que comecei a voar no aeroclube, eu só pensava “naquilo”.  Comprava revistas de aviação, fazia coleção de tudo que se relacionava às empresas aéreas, montava maquetes e fazia passeios aos aeroportos. Voar passou a ser uma realidade depois de começar a frequentar o aeroclube em busca do Brevet, e aos poucos parei de comprar revistas especializadas, encerrei minha coleção e doei as maquetes que havia montado.  A aviação continua me fascinando, é uma grande paixão que faz com que eu exerça minha profissão com bastante alegria e motivação. Ao contrário de muitos colegas, estes sim, loucos pela aviação, o trabalho me basta.

Para os loucos pela aviação, voar o mês inteiro com apenas oito folgas não é suficiente! Principalmente entre os cariocas, há aqueles que voam de parapente ou asa delta. Estando de folga, não perdem uma boa oportunidade para saltar da Pedra da Gávea. Há também aqueles que possuem seus próprios aviões ou ultraleves.

Alguns pilotos fazem acrobacias aéreas e até participam de provas e exibições. Outros não se satisfazem em apenas pilotar aviões e tiram o Brevet de helicóptero. Recentemente conheci um colega que possui um helicóptero experimental. Que perigo, pensei eu! Nem todos são tão radicais. Há os que se envolvem ativamente nos aeroclubes, com atividades administrativas, sendo membros de diretorias e até presidentes.

Outra modalidade destes aficionados é o plastimodelismo e o aeromodelismo.  Os plastimodelistas não se cansam de montar suas maquetes, que, para o desespero de suas esposas, sempre encontram um espaço disponível em suas casas para expor sua última obra prima. E bota obra prima, pois, ao contrário das poucas opções que havia no mercado na minha época de “maqueteiro”, hoje em dia a variedade e a qualidade das maquetes é surpreendente, além do fato que, pela internet, encontra-se tudo.  Já os aeromodelistas montam e pilotam aeromodelos que podem ser desde pequenos helicópteros que evoluem dentro de um apartamento até aviões que chegam a ter mais de um metro e meio de envergadura. É claro que estes colegas, ao pernoitar no exterior, não perdem a oportunidade de ir a lojas especializadas.

Assim são os loucos pela aviação, escrevem para revistas, lecionam em aeroclubes e até escrevem em Blogs de aviação! Como diz meu colega Anacleto, estes rapazes são tão tarados pela aviação, que nos momentos de maior fissura, ao ir ao banheiro, levam consigo revistas de avião pelado!