sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Operação Tartaruga e a chegada em Salvador

A Tartaruga

No final da tarde de ontem pousei em Porto Alegre, e ao ingressar na "taxiway" em direção ao pátio de estacionamento havia uma tartaruga no caminho. Talvez  tenha sido uma jabuti ou um cágado, não sei bem a diferença entre estes répteis, mas ela (ou ele) vinha de uma área de banhado próxima à pista. Estava tentando cruzar a taxiway, quando ao sentir a aproximação do Boeing, efetuou 180 graus e voltou para onde estava. Deu tempo de abrir a janela e registrar o momento.

Dizem que todos os dias no final da tarde esta mesma tartaruga tenta fazer este percurso e nunca consegue, já que sempre surge um avião para atrapalhar. Persistente a bichinha, e com uma vida longa pela frente, um dia ela consegue.

Chegada em Salvador

Uma das chegadas mais bonitas aqui no Brasil é a aproximação para Salvador. Vindo da região Sul/Sudoeste, em dias de tempo bom, a vista é linda! Pouco depois de iniciar a descida, avista-se a Baia de Camamu à esquerda. Mais uns minutos de voo e a região de Morro São Paulo também aparece . Nesta fase da descida os passageiros sentados juntos às janelas da esquerda do avião podem observar a aproximação de Ilha de Itaparica. O extremo sul da ilha com a região de Cacha Prego, mais adiante o Club Méditerranée (Club Med) e em seguida a ponta norte na região da Penha. 

Os passageiros sentados junto às janelas da direita, que até então estavam "a ver navios", agora que o voo está mais próximo de chegar, podem curtir o visual da cidade de Salvador. Uma vista linda das praias, do Farol da Barra, da Baia de Todos os Santos, da cidade antiga, dos barcos e navios e do Forte São Marcelo. Mesmo à noite, esta aproximação é maravilhosa e eu não me canso de admirar!





quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Na condução


Quando saímos de casa para uma programação de dias, uma parte deste tempo passamos dentro do transporte fornecido pela empresa. Em São Paulo (e antigamente no Rio de Janeiro, na época da “velha Varig”) há ônibus em horários regulares no trecho Congonhas-Guarulhos-Congonhas. Neste trajeto, que pode facilmente levar mais de uma hora, quase sempre encontramos colegas e amigos da aviação. Outras vezes encontramos na mesma condução os demais tripulantes do voo. Há dias em que aquele tempo entre um aeroporto e o outro é um momento de descanso e relaxamento, e outros em que colocar o papo em dia é a melhor coisa a fazer enquanto o ônibus vence o trânsito caótico da cidade de São Paulo.

É nas conduções fora de São Paulo, no trajeto aeroporto-hotel-aeroporto, que momentos gostosos podem ocorrer. Durante o voo nem sempre os comissários encontram tempo para ir à cabine de comando conversar, assim, é no caminho para o hotel que a tripulação pode bater um papo descontraído, e muitas vezes animado. Quando a tripulação é pequena o clima “a bordo” vai de acordo com o ritmo do comandante, que pode estar caladão ou animado e falante. Eu faço parte deste segundo grupo, embora tenha momentos em que aproveito este tempo para fechar os olhos e descansar.

Antigamente o carro número 1 para transportar os tripulantes era a velha, e não tão boa assim, perua Kombi. Até meados da década de 90, se a tripulação não fosse superior a sete pessoas, era sempre uma Kombi! Para tripulações maiores, tinha que ser um ônibus, ou pelo menos um microônibus.

Um código não combinado diz que os comissários novos seguem nos bancos de trás, e o copiloto ao lado do comandante. Já o comandante tem um lugar quase certo nestas conduções, que nos veículos pequenos é o assento atrás do motorista. Na velha Varig alguns ônibus tinham um cabeçote nas primeiras fileiras reservando os assentos aos comandantes. Uma grande bobagem, até porque o primeiro assento pode ser o mais perigoso, mas a verdade é que já houve vários casos de comandantes “desembarcando” do “seu” assento aquele que lá sentasse. Dizem que nestes assentos há um pino saliente sob o estofado, e por isso os comandantes fazem questão de se sentar ali. É o famoso “pino do comandante”.

Certa vez, acomodado na primeira fileira de assentos do ônibus estava um antigo comandante da empresa. Já havia se passado dois ou três minutos do horário de saída e o motorista parecia calmo em seu assento. O comandante, de uma forma rude que lhe era peculiar, deu uma chamada no motorista dizendo que já havia passado do horario. O motorista não gostou do comentário e, levantando-se, disse que se o comandante estava com pressa, que assumisse a direção. O que ele não sabia era que aquele comandante já havia sido caminhoneiro! Pela maneira que o comandante, já sentado no assento do motorista, engatou a primeira marcha e suavemente iniciou a movimentação, o motorista percebeu que o cara entendia do assunto. Sem graça, disse ao comandante-motorista que infelizmente a seguradora do ônibus não permitiria aquela situação, e reassumiu a direção do ônibus.

Da mesma maneira que a parte mais perigosa da profissão é o trajeto de casa para o aeroporto, também nas conduções passamos por riscos de acidentes. Em Fortaleza já houve vários casos, sendo que em um deles, o comandante ficou afastado do voo por meses para se recuperar das lesões. Mais recentemente, também em Fortaleza, houve um acidente grave e enquanto não chegava o resgate, transeuntes aproveitavam para roubar as malas dos tripulantes que estavam presos dentro do veiculo ou na calçada se recuperando do choque. Foi uma loucura, uma vergonha.

Nos Estados Unidos era muito comum a condução não ter espaço suficiente para carregar as malas da tripulação, então havia nelas um reboque com um trailer para colocar as bagagens. Certa vez, a caminho do hotel em Nova Iorque, a porta deste trailer abriu e algumas malas caíram na via sem que o motorista percebesse. A condução seguiu normalmente até que uma camionete que havia presenciado a cena passou freneticamente lado do ônibus buzinando e abanando umas roupas pela janela. Só podia ser um maluco! Mas eis que alguém percebeu que na caçamba da camionete havia umas malas claramente identificadas como sendo de tripulantes! O alerta foi dado e o ônibus parou no acostamento para resgatar os pertences que haviam caído.

Certa vez, naqueles meses de alta crise na velha Varig, no trajeto do hotel para o aeroporto de Heathrow, em Londres, a conversa estava num rumo baixo astral, pois um dos copilotos do voo não parava de falar da crise. Dizia que a Varig estava para quebrar, que a administração isso, que a chefia aquilo, que o governo não estava ajudando, que nada funcionava, os aviões estavam ruim, os voos atrasados, e que ia dar tudo errado. Por outro lado, dizia ele, a Tam estava com tudo: crescendo, ampliando a malha, recebendo novas aeronaves, contratando pilotos e com ótimas perspectivas para o futuro. Aquela conversa não estava legal, então pedi a ele para mudarmos de assunto. Em uma hora estaríamos decolando um MD-11 com 270 toneladas de peso e aquele momento estava inapropriado para aquele assunto baixo astral. Se ele desejasse, depois que atingíssemos o nível de cruzeiro, poderíamos discutir sobre a situação da Varig. Foram onze horas de voo até São Paulo e praticamente não se falou de crise.

Outra situação parecida aconteceu com o comandante Cunha, também em Londres, só que no trajeto aeroporto-hotel. Mal o ônibus deixou o aeroporto e o primeiro oficial do voo pediu permissão para atualizar os tripulantes sobre a situação da Varig. Este colega fazia parte da diretoria da Associação de Pilotos da Varig, que naquela época travava uma dura batalha pela sobrevivência da empresa. Aproveitando-se do sistema de som do ônibus, em pé no corredor, ele discorreu sobre a crise, as perspectivas, dificuldades, ações, enfim um briefing completo para os demais 15 tripulantes e mais alguns familiares que estavam a bordo. Um panorama terrível em que nem o mais otimista dos otimistas deixaria de se preocupar.

Aquele papo não fez bem a ninguém, e o corpo do comandante Cunha reagiu. Já acomodado no quarto do hotel ele percebeu que não estava se sentindo bem. Pressão, suor, taquicardia, algo estava errado. Ligou pra o médico de plantão que atendia os tripulantes em caso de necessidade e rapidamente foi examinado. O médico diagnosticou um caso de alto stress, dando a ele remédio pra pressão e impedindo que ele voltasse ao Brasil trabalhando. No dia seguinte, o comandante Cunha regressou ao Brasil devidamente acomodado na classe executiva e uma semana depois já estava apto a reassumir sua escala de voos. Condução não é local nem momento para baixo astral!

Recentemente fiz uma programação de dois dias com pernoite em Belo Horizonte. Foram apenas 12 horas de hotel, chegando as 22:40 hs e saindo as 10:40 hs da manhã seguinte. Não houve tempo para passeio, mas em compensação, o trajeto de 45 minutos entre o hotel e o aeroporto de Confins foi divertidíssimo! Seis tripulantes no fundo do microônibus conversando, contando piadas e casos engraçados. Foi, sem dúvida, o melhor momento de toda a viagem!




terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

De carona com o Kiko Horácio

Enquanto termino de escrever um texto para "postar" até o fim desta semana, convido aqueles que gostaram da Onda e do surfe para pegar uma carona nas pranhas de madeira do meu irmão. 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vídeo impressionante!

A internet é realmente impressionante! Tá tudo lá: imagens, vídeos e relatos e reportagens. E não é que o Thiago, morador de Pirassununga e seguidor deste blog, me mandou um link com uma reportagem sobre o 727 que decolou de Da Nang com 305 pessoas a bordo? A estória que eu contei pode ser conferida nesta reportagem de 5 minutos. Um vídeo incrível, assustador.   http://vimeo.com/8649603

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Voos curtos

 Não sei dizer se prefiro um voo longo ou um voo curto, já que ambos possuem seu lado bom e ruim. Aliás, quando um voo pode ser considerado longo ou curto se o tempo é relativo? Um voo internacional de 8 horas de duração pode ser considerado curto enquanto que mais de três horas em voo doméstico pode ser considerado bastante longo. Uma etapa curta é sempre um voo mais ágil e vibrante, enquanto uma etapa longa é mais tranquila e fácil.

Nos voos longos, seja nas rotas nacionais e principalmente nas internacionais, temos tempo de sobra para as tarefas na cabine de comando. Após a decolagem, tudo pode ser feito com bastante calma, não há pressa para separar as cartas de rota, procedimentos de descida, preencher o “Diário de Bordo” e outros formulários burocráticos. Sobra tempo para conversar, comer, folhear uma revista, estudar e fazer o “briefing” de chegada. Dependendo do voo e do humor, dá até para ficar entediado enquanto as milhas para o destino diminuem lentamente. As etapas curtas necessitam um planejamento mais rápido por parte dos pilotos. Muitas vezes, antes mesmo da decolagem, já estamos planejando a chegada no destino. Separamos as cartas de pouso, inserimos dados nos computadores de bordo e executamos outras tarefas que normalmente são realizadas em voo.

Quando comecei a voar na Ponte Aérea, seja em 1986 como copiloto de Electra ou em 1999 como comandante de B-737, achava as etapas muito curtas. Mas passado um tempo, já adaptado ao ritmo daqueles voos, havia dias em que a etapa parecia uma eternidade; dava tempo de fazer tudo e ainda cruzar os braços e esperar o início da descida.

Agora, voos curtos, mas curtos mesmo, foram os voos de translado do Galeão para o Santos Dumont, no Rio de Janeiro e os voos de Guarulhos para Congonhas em São Paulo. Estes voos de translado eram feitos somente com a tripulação a bordo, e geralmente aconteciam porque o pouso do voo da Ponte “alternou” para o Galeão ou Guarulhos. Após o desembarque dos passageiros, a tripulação levava o avião para o Santos Dumont ou Congonhas para entrar no “trilho” da Ponte Aérea.

Galeão/Santos Dumont foi o voo mais curto que já fiz na minha vida, apenas 4 minutos no ar! Ao decolar da pista 15 do Galeão (rumo magnético 150 graus) já estávamos na proa da ponte Rio Niteroi e de cara para a pista 20 do Santos Dumont (rumo 200 graus). Os procedimentos de decolagem prevêem que logo após sairmos do chão, os trens de pouso e flapes sejam recolhidos e a velocidade aumentada enquanto subimos com os motores em potência máxima. Num voo de 4 minutos não há tempo para isso! Neste voo, quando em condições visuais, a altitude não passa de mil pés (300 metros) acima do nível do mar e antes mesmo de atingir esta altitude já há necessidade de reduzir a potência e a velocidade para o pouso. Quanto à comunicação com os órgãos de controle de tráfego aéreo, da frequência da torre do Galeão, passa-se imediatamente a da torre do Santos Dumont. Mal dá tempo de ler o “after take off checklist” e o “landing checklist”! É um voo muito rápido, que requer uma boa coordenação entre os pilotos na cabine.

Outro voo bem curto que fiz, um translado, foi em 2001 de Guarulhos para Congonhas com apenas 8 minutos de viagem. Um voo especial, pois pude efetuar um sobrevoo na pista do Campo de Marte. Era por volta de meio dia de um domingo, o tráfego aéreo estava bastante tranquilo na área de São Paulo e o tempo era bom em Guarulhos. Ao solicitarmos autorização para o inicio do “taxi”, a torre de controle nos instruiu para seguirmos em direção à cabeceira 27, cujo rumo facilitaria a chegada em Congonhas.

Durante o taxi, a torre de nos informou que naquele momento estava acontecendo uma festa no pátio da base aérea do Campo de Marte em comemoração a semana da asa, que ocorre próximo a 23 de outubro, dia do aviador e da Força Aérea Brasileira. Foi em 23 de outubro de 1906 que Alberto Santos Dumont efetuou o célebre voo do 14 Bis em torno da Torre Eiffel. Sendo o evento aberto a população, a torre nos questionou se havia a possibilidade de efetuarmos uma passagem sobre a pista do Campo de Marte e assim engrandecer a festa. – Positivo! – respondemos prontamente. Enquanto nos dirigíamos à cabeceira da pista procurei me lembrar do texto relativo à participação de aviões da empresa em shows aéreos e festividades similares que constavam do Manual de Operacoes da “velha” Varig. Para tais voos, era necessária a aprovação da chefia de pilotos!

Bem, o tempo estava bom, o aumento no consumo seria irrisório, não havia passageiros a bordo, e o sobrevoo do Campo de Marte estava sendo autorizado pelos orgãos de trafego aéreo, então...

Logo após a decolagem procurei visualizar a Rodovia Presidente Dutra, a Marginal Tietê e o Campo de Marte, me mantendo em condições visuais. A torre de Guarulhos coordenou as comunicações e passamos para a frequência da torre Marte. No primeiro contato, para a minha surpresa, a torre Marte, que tinha um sistema de som direcionado para a multidão ali presente, não apenas nos saudou autorizando o voo sobre a pista, mas também nos disse que o público estaria na escuta para as palavras do Comandante! Gosto e estou acostumado a falar com passageiros a bordo, mas aquela solicitação me pegou de surpresa. Enquanto configurava o 737 com flapes e trem de pouso em descida para uma passagem sobre a pista, improvisei uma breve saudação que foi transmitida diretamente às pessoas lá embaixo. Disse que era uma honra poder participar de uma festa daquelas, agradeci à Aeronáutica e aos órgãos de controle de trafego aéreo pela oportunidade desejando que no ano seguinte, se não estivesse trabalhando, estaria junto a eles no Campo de Marte. Um abraço especial para as crianças, e que curtissem o visual do Boeing da Varig.

Não me considero um piloto arrojado, além do que, não podia dar chance de ter que comparecer a sala do piloto chefe no dia seguinte. O sobrevoo foi bastante conservador, passando a 500 pés (150 metros) de altura, com velocidade reduzida, trem de pouso em baixo e flapes parcialmente estendidos. Ao passar sobre a pista balancei as asas em despedida e arremeti para completar o voo. Com mais uma troca de frequencia, desta vez diretamente para a torre de Congonhas, visualizando a Marginal Pinheiros, o Jockey Clube e a pista 17, seguimos para o pouso.

No dia seguinte, uma breve nota no jornal a respeito das festividades no Campo de Marte mencionava a passagem de um 737 da Varig, além das outras atrações. Foi legal, não tive que visitar o piloto chefe, e orgulhosamente ainda guardo comigo o recorte de jornal.


  • Um dos seguidores do Blog, o Ricardo Dias, achou na internet este vídeo de 2 segundos com a passagem do 737 sobre a pista do Campo de Marte. Parece que alguém ia apenas fazer uma foto, mas sem querer a máquina estava no modo "filme", e desta forma foi registrado o rasante. Veja no link:   http://www.youtube.com/watch?v=ODvo1eC_X4s&feature=fvw