sábado, 3 de agosto de 2013

Planejar, planejar e planejar.


Um voo seguro, uma boa aproximação e um pouso preciso são consequências de um bom planejamento. Planejar é fundamental, mas como tudo na vida, há que se acertar na medida, pois tudo que acontece em excesso pode ser ruim. 

Certa vez, voando o MD-11, fiz um voo para Europa onde a obsessão do comandante pelo planejamento tornou a rotina de trabalho desnecessariamente cansativa. Naquela noite a tripulação na cabine de comando era de 3 comandantes e um copiloto de forma que durante o longo voo de cruzeiro, enquanto uma dupla trabalhava a outra descansava. O meu turno de trabalho foi na segunda metade da viagem, a partir do sobrevoo da região da Ilha do Sal (Cabo Verde) até o pouso em Londres, quando ao meu lado ficou o Comandante do voo dividindo as tarefas na cabine. Quando há mais de um comandante na tripulação, geralmente o mais “antigo” na empresa exerce a responsabilidade pelo voo.  

Nestas últimas cinco horas e meia de voo é feito o planejamento para a chegada; verificação periódica dos boletins meteorológicos do destino e alternativas, análise dos possíveis procedimentos de descida e pouso, monitoramento do consumo de combustível, rotas de taxi após o pouso e etc. Como o voo é longo, além de planejar dá para fazer muitas outras coisas: bater papo, comer, ler revistas e jornais, descansar, esticar as pernas, estudar e olhar a paisagem. 

Mas a preocupação daquele comandante quanto ao planejamento era maior que tudo e por respeito ao colega, tive que acompanhá-lo. Mesmo com tempo bom em Londres, a cada meia hora ele queria uma atualização das condições meteorológicas. Mesmo com o avião consumindo menos que o previsto ele queria um cálculo para uma segunda rota alternada. Ele não parava de planejar e se prevenir de todas as maneiras. Consultava todos os manuais que traziam as particularidade das rotas a serem voadas, dos (im)prováveis aeroportos de alternativas e em seguida voltava para a atualização meteorológica.  Nem parecia que ele já havia feito aquele voo algumas vezes. Pela primeira vez em um voo para a Europa eu passei 100% do tempo planejando e “brifando” a chegada sem dar tempo para qualquer outra coisa. Pois não é que a única coisa que ele não previu aconteceu?

Próximos a Paris, o comissário chefe de equipe nos informou que havia um passageiro passando mal. Um médico foi solicitado a prestar ajuda e após uma análise veio a séria recomendação para que um atendimento adequado fosse realizado o quanto antes, pois o passageiro em questão era um senhor que apresentava um quadro de AVC. Todo o planejamento para a chegada em Londres foi momentaneamente para a “cucuia” e numa descida às pressas, pousamos em Paris onde o passageiro, acompanhado de seu filho desembarcou em uma ambulância.

Para concluir o voo na etapa Paris/Londres, o comandante perguntou quem gostaria de “fazer a etapa”, ou seja, ocupara os assentos de decolagem e pouso. Apressei-me em dizer que o ideal era que ele e eu continuássemos na pilotagem, afinal de contas, estávamos planejando aquela chegada em Londres havia horas. Que voo cansativo!

Após dois dias em Londres assumimos o voo de volta. Fiz questão de optar por trabalhar junto com o copiloto e assumimos a primeira metade do voo, da decolagem até o sobrevoo da Ilha do Sal. Foi ótimo. Trabalhei, comi bem, li os jornais e revistas e descansei um pouco. Na passagem de turno dei uma piscadela para o outro comandante, que por ser mais “jovem” na empresa, assumiria o papel de copiloto para o Comandante Planejador. A piscadela queria dizer: - Será que pelo menos na volta ao Brasil a carga de trabalho vai ser menor e você vai conseguir ler o jornal?

Depois do pouso em Guarulhos ele me contou que mesmo estando acostumados à chegada, mesmo estando o tempo bom, sem qualquer indício de nevoeiro, ele também não conseguiu relaxar em função de um constante planejamento.

Vai voar, trabalhar ou viajar? Planeje sim, mas acerte na medida ok?