quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Botão liga/desliga

Nove horas da noite e eu estou em Manaus, assistindo TV. Deveria estar dormindo, mas como dei uma cochilada a tarde, não consigo. A decolagem será às três da madrugada num voo para o Rio de Janeiro onde, após uma escala de uma hora, farei uma segunda etapa para Recife pousando lá às onze da manhã. Aqui, sentado na cama, fico pensando na hora em que vou cair exausto em outra cama, no hotel em Recife!

 Programar e efetivamente conseguir descansar adequadamente antes de cada voo é um verdadeiro desafio na vida de um tripulante. Os ciclos de descanso e vigília a que estamos sujeitos são muito inconstantes.

Vejamos uma situação típica:

O primeiro dia de uma programação começa com a decolagem no final da tarde e encerra às duas e meia da manhã. Você segue para o hotel e quem sabe consegue dormir às quatro da manhã. Os mais jovens conseguem esticar o sono até meio dia ou além. Os mais velhos (meu caso) dificilmente conseguem ir além das dez da manhã. No segundo dia a condução está marcada para as duas da madrugada então você deve dormir bem cedo. Mas quem disse que o corpo consegue? Afinal de contas, no dia anterior este era o período de vigilância! Serão 4 ou 5 dias trocando a noite pelo dia, e ao chegar em casa você está cansado, seu ciclo circadiano confuso. É necessário mais de uma folga para as coisas voltarem ao normal.

A programação seguinte também é uma daquelas que você gostaria de ter em seu corpo um botão liga/desliga. Com decolagens entre 5 e 6 da manhã, o despertar será cedo, bem cedo. Um dia de folga e há uma nova programação, agora com voos decolando à noite. O corpo não entende; agora nada de dormir cedo, pelo contrário, a vigília terá que ser até o nascer do sol!

Não é fácil. Cada um tem sua estratégia e a que mais funciona é aquela que diz para não deixar para depois a dormida que pode ser realizada agora! E se há a estratégia para dormir, há também para se manter desperto durante os voos: comer é algo que se pode fazer na hora que o silêncio e escuridão da cabine de comando estão fazendo seus os olhos fechar. O problema é que este método engorda. Uma solução é levar um punhado de mexerica ou outra fruta bem perfumada. Café e chá são os clássicos da madrugada e há vários métodos para se preparar um bom cafezinho. Numa destas viagens, quando o sono de um estava contagiando o outro, o copiloto me ofereceu um café passado na hora; fez um furo embaixo de um copo de plástico e com um coador de papel improvisou um filtro. Ficou ótimo o café e nos manteve desperto, pois todo este processo levou tempo.

Ler é uma boa atividade, mas cuidado: dependendo do conteúdo a leitura poderá aumentar ainda mais o sono e por outro lado, se a leitura estiver muito boa, o nível de atenção ao voo vai cair um pouco. Vale tudo; ficar em pé, ir ao banheiro, acender a luz da cabine, conversar e até, dependendo das condições do voo (tempo bom, sem turbulência) e do seu companheiro na cabine de comando, dar um cochilo.

O que me consola ao me ver acordado na cama, quando deveria estar dormindo, é que tem dado certo. Nestes anos todos, com ou sem o descanso apropriado, sem ter o tal do botão liga/desliga, eu chego ao final da programação achando que até que não foi tão terrível assim. Acho que é o instinto de sobrevivência.