quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Aproximações de tirar o fôlego


Na década de 90 a Varig iniciou os voos para Hong Kong com escala em Joanesburgo, África do Sul. Inicialmente com o Jumbo 747 e depois com MD-11, os pilotos puderam conhecer em Hong Kong o aeroporto Internacional Kai Tak, cuja aproximação e pouso era considerada uma das mais peculiares e difíceis do mundo. Infelizmente eu não tive a oportunidade de voar para Hong Kong, pois na época eu ainda pilotava nas linhas nacionais. O pessoal contava que a aproximação realmente exigia certa dose de habilidade, principalmente em dias de ventos fortes, mas que por outro lado, a mecânica para pousar um MD-11 não era muito diferente daquela necessária para pousar um Boeing 737, um Bandeirante ou um "Paulistinha".

Kai Tak funcionou de 1925 a 1998 quando, já pequeno para a grande demanda de voos, foi fechado e substituído por um novo e moderno aeroporto.  A pista de 3.390 metros era um aterro sobre o mar e as aproximações para a pista 13 eram feitas por auxilio de instrumentos até um ponto (uma colina balizada com uma grande lage xadrez pintada de branco e laranja) e, a partir dali, com o piloto automático desacoplado, seguindo para o pouso sob condições visuais.  Era necessária uma curva acentuada à direita e em baixa altitude, e quando o vento era forte, situação muito comum nas imediações do Kai Tak, muitas vezes o piloto ao efetuar esta manobra, ultrapassava o alinhamento da pista e já próximo da cabeceira, lhe restava pouco tempo para a devida correção.

O histórico de acidentes em Kai Tak é grande. Trem de pouso quebrado, pneus estourados e até asas e motores raspando na pista não era raro acontecer. O You Tube possui vários vídeos com as impressionantes aproximações e pousos. A Varig voou para Hong Kong por cerca de cinco anos, pelo que eu sei, sem nenhum incidente.

Outro aeroporto que possui uma aproximação difícil é o JFK em Nova Iorque. Quando o vento sopra forte em determinada direção, e a pista para pouso é a 13R (rumo magnético 130 graus, pista da direita), o procedimento de chegada é a Canarsie Approach, cuja curva não é tão acentuada e nem efetuada em tão baixa altitude quanto em Tai Kai, mas que sob condições meteorológicas adversas também exige mais dos pilotos.


Aqui no Brasil temos dois aeroportos que também prevêem curvas em baixa altura para o alinhamento com a pista. São eles o aeroporto de Vitória/ES e o Santos Dumont/RJ. Até a pouco tempo atrás, antes que o GPS estivesse amplamente incorporado aos procedimentos de chegada, quando o vento em Vitória soprava do setor norte e as nuvens estavam baixas, a única aproximação permitida exigia uma curva de cento e oitenta graus pela direita para alinhar com a pista em uso. A dificuldade aumentava no período noturno, especialmente com chuva e vento. Em compensação, de dia e com tempo bom esta aproximação em Vitória é linda!

O Rio de Janeiro, especialmente quando visto de cima, é maravilhoso, e as chegadas no Santos Dumont são simplesmente fabulosas. Pão de Açúcar, Corcovado, o mar, as montanhas... Não difícil é fazer curvas acentuadas mantendo a velocidade correta, razão de descida compatível, com os devidos descontos para o vento que insiste em querer jogar o avião em direção ao morro da Urca e Pão de Açúcar. Difícil é fazer isso tudo e com o canto dos olhos ainda curtir a paisagem.



sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Caos na Ponte Aérea


Final de ano chuvoso não é novidade na região sudeste do país, e aquele réveillon do ano 2000 não foi diferente no Rio de Janeiro.
 No segundo dia do ano, um domingo, fui escalado para ir de passageiro para o aeroporto Santos Dumont e efetuar a ponte das 21:00 hs para São Paulo. Minha tripulação chegou cedo ao Rio de Janeiro e lá deveríamos aguardar até as oito e pouco da noite, quando o nosso avião pousaria. Com a chuva e as nuvens baixas na região, o aeroporto esteve fechado vários períodos naquela tarde, causando um atraso em efeito cascata nos voos da Varig, Vasp e Transbrasil. Para agravar a situação, a rodovia Presidente Dutra estava interrompida por queda de barreiras na região da serra do mar, deixando o aeroporto lotado de passageiros.
Já passava das nove horas quando, cansado de esperar em frente à televisão no D.O. da empresa, que é onde os tripulantes aguardam o momento de seguir para o avião, resolvi ver de perto o movimento de passageiros no saguão do aeroporto.  A Varig não tinha sequer uma previsão para saída dos seus voos, pois os aviões ou ainda estavam em São Paulo ou estavam seguindo para o aeroporto do Galeão. Fui à sala do despacho de passageiros e tentei ajudar de alguma maneira. Os passageiros estavam irritados e nervosos e alguns já começavam a desistir da viagem, mas tinham que aguardar que suas malas, que já haviam sido etiquetadas e despachadas, fossem localizadas em meio a um mar de bagagens. Naquela época eram poucos os bilhetes eletrônicos, assim, ao desistir da viagem o passageiro também tinha que aguardar que alguém localizasse o seu bilhete para a devida devolução. A situação em frente e nos bastidores do balcão da Varig estava caótica!
A Transbrasil e a Vasp, cada uma com um ou dois voos vendidos, embarcaram seus passageiros em ônibus fretado com destino ao Galeão para de lá decolar em direção a São Paulo. Quando mais um avião da Varig não conseguiu pousar no Santos Dumont, ficou claro para mim que deslocar os passageiros para o Galeão seria a única saída para que eles, e àquela altura, eu também, pudéssemos voltar para São Paulo naquela noite. Eu estava em contato direto com a gerente da Ponte Aérea que relutava em efetuar aquela operação, até por que, havia ainda quatro voos vendidos (21:00; 21:30; 22:00 e 22:30 horas), ou seja, cerca de 500 passageiros! Outra dificuldade surgiu; não havia disponibilidade de ônibus para fretamento. A solução poderia ser taxis, pelo menos para que um dos quatro voos saísse, e após o OK da gerente, restava organizar aquela operação.
No balcão da Ponte a bagunça era grande, muitos dos passageiros estavam alterados e já não respeitavam os funcionários do check-in. Achei que por estar devidamente fardado, com quepe e divisas na camisa, se eu mesmo falasse com os passageiros, haveria como acalmar os ânimos e ganhar a atenção da multidão. Fiquei em pé no balcão da Ponte Aérea e, falando alto, me apresentei como sendo comandante da Varig. Expliquei a difícil situação dos voos em função do mau tempo e disse que os passageiros do voo das nove da noite deveriam se reunir na outra extremidade do aeroporto para de lá seguirmos de taxi para o Galeão de onde decolaríamos para Guarulhos, pois naquele momento o Aeroporto de Congonhas já estava prestes a encerrar as operações. Continuei a ajudar o pessoal do despacho, embarcando três ou quatro passageiros em cada taxi, enquanto minha tripulação aguardava dentro da Van que nos levaria para o Galeão. Um passageiro me abordou dizendo que era do voo das dez da noite, e que estava aflito, pois não poderia chegar atrasado ao trabalho no dia seguinte. Disse a ele que eu não iria garantir seu embarque, mas que seguisse para o Galeão, pois com sorte, sobraria um assento para ele.
Após mais uma longa demora no Galeão, conseguimos decolar lotados para São Paulo, levando o passageiro que era do voo das dez, e mais alguns tripulantes nos “crew seats”, os assentos extras destinados a tripulante. Pousamos em Guarulhos depois da meia noite, todos exaustos, mas com certeza, felizes por termos chegado, já que dos quatro voos, o nosso foi o único que conseguiu chegar decolar para São Paulo.