segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O pêssego de ouro

Durante o tempo em que o avião fica parado no pátio do aeroporto, entre um pouso e uma decolagem, recebemos a “visita” de várias equipes. A primeira é a do pessoal do despacho de passageiros, que logo que a porta se abre faz um contato com os comissários passando eventuais informações de voos de conexão e confirmando a necessidade de atendimento especial a algum passageiro. Outro contato importante é do pessoal da manutenção com os pilotos. Se houver alguma irregularidade com o avião os mecânicos já podem trabalhar na solução antes mesmo que os passageiros desembarquem.


Há a equipe da limpeza que entra munida de sacos de lixo, aspirador de pó e outros apetrechos de trabalho para, no menor tempo possível, deixar o interior do avião em condições de receber os passageiros. Com relação a esta turma, quando o avião fica parado por um tempo de duas ou mais horas, principalmente durante a madrugada, a limpeza é caprichada, é quase uma faxina! Outra equipe que começa a trabalhar antes mesmo do desembarque terminar é o pessoal de “catering”, que retira e abastece o avião com o serviço de bordo. Há também um funcionário encarregado pelo embarque de cargas restritas que se dirige à cabine de comando para apresentar a documentação de uma eventual carga e solicitar a aprovação do comandante.
Representantes de órgãos reguladores e fiscalizadores (Anac e Anvisa) também podem eventualmente aparecer no avião durante o curto período de trânsito. Os fiscais da Anac verificam a documentação dos tripulantes e a existência a bordo de uma série de documentos e equipamentos. A equipe da Anvisa verifica a limpeza geral da cabine de passageiros, as “galleys” e toaletes e conferem quando foi realizada a última lavagem e higienização dos tanques de água do avião. Alguns inspetores exigem que os cabeçotes das poltronas sejam trocados, o que dá trabalho e toma tempo. Talvez seja por isso que o pessoal da vigilância sanitária seja carinhosamente chamado de “implicância sanitária”. Implicância à parte, o trabalho deles é importante, pois obriga as empresas a manter um padrão mínimo de limpeza e higiene.
Nos voos internacionais os tripulantes devem estar atentos às normas dos órgãos de saúde e agricultura dos países de destino. A tripulação de comissários deve pulverizar a cabine com um produto especial e guardar os sprays vazios para serem entregues às autoridades sanitárias como prova de que foram usados. O lixo com alimento deve estar corretamente acondicionado e lacrado, e os anúncios relativos às restrições a entrada no país de determinados produtos devem ser feitos aos passageiros. Alguns países são menos rigorosos quanto à entrada de produtos agrícolas e animais, mas a maioria possui um controle rigoroso e eficiente. Carnes, queijos, flores, sementes, derivados de leite, mel, medicamentos são itens proibidos aos passageiros na chegada aos países. Nos voos para o exterior a tripulação já sabe: nada de tentar entrar com frutas, queijos ou outros artigos restritos.
Certa vez efetuei um voo para Santiago do Chile, onde a fiscalização é bem rigorosa, e pude constatar o rigor e o custo de um descuido. Após passar pelo controle de passaporte e pegar as malas na esteira de bagagens, passageiros e tripulantes devem passar seus pertences pelo raio X que é examinado pelos agentes da secretaria de agricultura e entregar a declaração preenchida de que não carregam artigos proibidos. Naquele dia os agentes observaram algo suspeito na bagagem de uma das comissárias do voo e perguntaram se havia algum alimento com ela. Ela respondeu que havia apenas uma barra de chocolate que havia comprado no free shop, o que é permitido. Para a surpresa dos demais tripulantes e infelicidade da comissária, o agente retirou da mala dela um pêssego embrulhado em papel alumínio!
Coitada da comissária. Aquele pêssego estava esquecido no seu saco de roupas desde o voo anterior, quando ela levou para o hotel em outro pernoite e lá esqueceu. Ela foi levada para uma salinha para uma conversa com o supervisor que decidiria se uma multa seria aplicada ou não. Depois de muita conversa veio o veredicto: multa! Não teve desculpa, pois no entender do supervisor os tripulantes tem obrigação de saber as regras, e além de declarar que não possuía qualquer fruta consigo, quando indagada ela reafirmou não estar carregando nada. A multa teria que ser paga na hora, em pesos chilenos.
Ela ficou arrasada, pois realmente não sabia que aquele pêssego estava esquecido nas suas coisas, além de ter causado uma demora de uma hora para sairmos do aeroporto para o hotel, o que só foi acontecer às quatro horas da manhã.
O valor da multa?  R$ 475,00

11 comentários:

  1. Pessego caro Cmte, muito caro. Recentemente fiquei sabendo que um amigo meu tirou uma foto com o Sr na Labace em Agosto, fiquei pê da vida em ter perdido a oportunidade de conhece-lo tb Cmte, eu tb estava na feira mais não vi o Sr por lá. Sou um grande fã das suas estórias, keep writing captain.

    Abraços e bons voos

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  2. Ótima estória..

    Trabalho em SBCG e sei o quanto a ANVISA é chata...

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  3. Fala cmte

    Para nós que apenas sentamos na cabine de passageiros e fazemos nosso voo, muitas vezes nem imaginamos quantos detalhes estão envolvidos nessa operação.
    Se tudo não funcionar conforme o planejado: Caos !!

    É isso aí, belo post

    [ ]´s

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  4. lá! Comendante, Sempre tive o sonho de ser um piloto.
    Porém não sei se chegarei a ser um comandante (pela minha idade), mas acredito que pilotar eu vou.
    Posso lhe dizer que leio suas postagens regularmente e principalmente quando me sinto fraco nas minhas convicções na carreira.
    Recentemente, inspirado no seu blog criei um contando cada passo desta minha busca.
    Só tenho uma postagem ate o momento mas, Gostaria de contar com a sua leitura e ajuda referente a informações para um iniciante.
    Comandante, muitas pessoas tem esse sonho e não sabem nem como da o primeiro passo, Creio que contando o meu passo a passo poderei esclarecer algumas coisas.
    Obrigado, pela atenção, parabéns por esse belo Blog, Conto com o Sr!

    Abraço!
    Um grande Abraço!

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  5. Boa comandante,
    Concordo com a fiscalização ela mantém o nível, mas a multa e bem salgada!!

    Estou cursando manutenção de aeronaves aqui em BH e estudando a legislação vejo como são rígidas as normas ainda mais na manutenção! Formando vou começar a carreira no centro de manutenção aqui em confins, sou louco por 737's, talvez encontremos lá, e assim posso lhe conhecer pessoalmente, vi em um post do senhor, que o inicio na carreira de piloto não precisa necessariamente ser como piloto, vale tudo pra chegar lá, e aproximando da aviação por outros caminhos fica mais fácil

    Novamente, agradeço as "estorias" e o belo blog
    Um abraço
    Carlos H Peroni Jr

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  6. Ótimo post comandante.

    Como sabemos, a maioria dos times da série A do brasileirão só viajam de avião, você tem algum relato sobre isso? é comum fazer voo com delegações a bordo?

    Abraço,
    Fly high, fly safe.

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  7. Matheus, "Anônimo", Alexandre, Rodrigo e Carlos, obrigado pelos comentários.

    Caro Maka, de vez em quando viaja conosco um time de futebol, mas confesso que, talvez porque eu não seja ligado em futebol, para mim são passageiros iguais aos outros. Quando fico sabendo eu faço uma saudação especial, desejo boa sorte ou outro comentário pertinente. Não sei de muitas estórias, mas sei que durante muitos anos a Varig foi a transportadora oficial da Seleção Brasileira, e muitos colegas transportaram as seleções do Brasil. Há estórias, mas por enquanto eu vou ficar devendo até que eu saiba uma boa para transformar em um texto.

    Abraços, Roberto.

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  8. Hum, muito interessante comandante.
    Obrigado pela resposta

    Abraço.

    P.S.: Fico no aguardo da estória hehehe

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  9. Boa tarde CMT. Gostaria de saber se é possível e quais as consequencias de manter um aviao no solo após a VR, ele decola com mais suavidade se correr mais pela pista? E o contrário, se surgir um obstáculo é possível decolar antes dessa velocidade? O tail-skid costuma tocar o solo durante os pousos? Existe uma resposta nos comandos quanto a esse toque? Outra dúvida, o senhor já voou e qual sua opinião sobre o side stick? Me parece que o manche transmite mais segurança e controle aos pilotos ou estou enganado? Finalizando, fiquei sem entender porque os pilotos do TAM3054 ñ arremeteram. Era possível naquele momento essa alternativa? A arremetida após o toque no solo é mais "perigosa" do que a direta? Desculpe me alongar mas as dúvidas são muitas rs. Um abraço chefe.

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  10. Comandante, por falar no Chile o senhor conhece o Cmte. Guilherme Prange da Gol? Ele faz um vôo Santiago do Chile > Buenos Aires > Guarulhos no DVD da Hangar T6, gravado esse ano com alguns vôos no 737-800. O DVD documenta boa parte do vôo, na cabine de comando.

    Era pra o senhor ter participado dele. Que pena!

    Um abraço!

    Paulo Bellini.

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  11. Caro Leandro, se eu não "rodar" o avião após a Vr, ele vai adquirir velocidade e vai decolar "mais fácil" pois terá mais sustentação. Mas este não é o procedimento correto. Antes das Vr, até seria possível decolar, mas ele decolaria com pouca sustentação e provavelmente não livraria o suposto obstáculo. O Tali skid não deve tocar o solo nunca, se ocorre é porque houve um erro. Pode ser um erro na pilotagem, um erro ao calcular a velocidade correta, enfim uma série de fatores. O piloto pode sentir um barulho anormal quando o tali skid raspa na pista. Geralmente quem sente são os comissários que estão sentados na estação traseira do avião. Um dos ítens mais importantes na inspeção externa que os pilotos (e os mecânicos também) efetuam antes de cada saída é justamente a verificação do tail skid, que é pintado de forma que qualquer raspadinha será evidenciada pela falta da tinta. Nunca voei Side stick e não me agrada, gosto do bom e velho manche, e me parece que o side stick não transmite tão bem a sensibilidade dos comandos, muito menos a sensação de força necessária para efetuar as manobras. Essa questão do acidente do TAM é muito complexa, mas me parece que o automatismo atrapalhou, pregando uma peça nos pilotos. Arremeter após o toque é um pouco mais difícil, requer um pouco mais técnica, mas também não é complicado.

    Caro Paulo, conheço sim o G. Prange, voei diversas vezes com ele na Ponte Aérea, é uma pessoa excelente, deve ter atuado muito bem no vídeo da T.

    Abçs, Roberto.

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