terça-feira, 11 de agosto de 2009

Meu amigo Santos Júnior

Na aviação, assim como na vida, conhecemos pessoas incríveis. Em 95, eu era instrutor no Boeing 737-200 e tive o privilégio de receber o Santos Júnior como aluno num programa de instrução que durava em média dois meses e meio. Já o conhecia, pois em 1986 quando eu era co-piloto de Electra na Ponte Aérea, ele era mecânico de voo também no Electra. Pessoa simples, muito inteligente, esforçado e parceiro para qualquer passeio. Enquanto voava como mecânico de voo, tirou o brevet de piloto e naquela ocasião iniciava o treinamento para a função de co-piloto. Antes da aviação comercial ele voava na FAB no transporte de autoridades, quando nos aviões, além dos pilotos, ia a bordo um mecânico dando o suporte aos pilotos quando necessário. Contava ótimas estórias. Contou que por volta de 1984, fazendo uma escala em Florianópolis numa noite fria e chuvosa, surgiu um problema no avião em que enquanto os pilotos passeavam no aeroporto ele se esforçava para resolver, tendo que relevar o frio e a chuva. À bordo, a esposa do Presidente da República. Ele resolveu o problema, consertou o avião, sendo que a certa altura, molhado e com frio e a Primeira Dama vendo a situação daquele Sargento de 20 e poucos anos, resolveu ajudar dando a ele uma meia de lã para ele vestir, já que ele estava ensopado. Quando pilotos chegaram e viram aquela situação, quase que deram ordem de prisão a ele, e mais tarde a Primeira Dama teve que interceder a seu favor, explicando a situação. Aliás antes dele se formar na escola de sargentos em Guaratinguetá, uma das atividades era um salto de paraquedas. Um salto "automático" onde nem é necessário puxar a cordinha, pois a mesma é fixada no interior da cabine do avião. Para o salto, os aspirantes a Sargentos ficavam enfileirados e ao comando do oficial superior se atiravam pela porta. Os que relutavam em saltar recebiam um chute no traseiro, então ele achou por bem ir "na boa". Acontece que ao abrir o paraquedas, uma das cordas enroscou por cima do pano, e ele vinha caindo rapidamente e rodopiando. Imediatamente se lembrou das instruções para neste caso, soltar o principal e abrir o auxiliar. - Nem pensar que eu vou soltar o principal, se nem este funciona, como confiar no para-quedas auxiliar? O aspirante a Sargento, num estilo Mc Gyver, foi puxando uma corda daqui, uma dalí e pouco antes de chegar ao chão, o para-quedas estabilizou e ele pousou suavemente. No período que voamos juntos ele me contou muitas estórias, e tentou me convencer a decorar o código Morse, que ele sabia de cór. Mais tarde, voando com um comandante que era tinha fama de ser chato, seu conhecimento do código Morse criou uma estória engraçada. Ao se aproximar de Campo Grande, o Santos Júnior sintonizou no rádio-navegação do avião a estação de Campo Grande, e ouvindo o código Morse que esta estação emite, ele a identificou corretamente, e anunciou: -Rádio estação Campo Grande sintonizada e identificada! Pois o Comandante, que não viu ele checar na carta de navegação os "pontos e traços" correspondentes àquela estação e não sabendo que ele sabia de cór, foi logo falando: -Não é só ouvir o "di-di-di, dá-dá-dá" tem que verificar na carta! E a resposta veio logo:-Pois eu sei o código morse de cór, e já está corretamente identificado, respondeu com segurança o "escoteiro/radionavegador". O comandante, incrédulo, rapidamente o testou se ele sabia mesmo e engoliu em seco dando razão a ele. Outra estória foi também com este comandante, e na verdade, antes do episódio anterior. Durante o procedimento de partida dos motores, ele começa a fazer perguntinhas ao Santos Júnior, testando o conhecimento do co-piloto. Perguntas do tipo: qual é a temperatura máxima permitida para os motores, ou qual a pressão de óleo durante a partida? Santos Júnior, que não tinha nada de bobo, perguntou se ele por acaso ele exercia a função de comandante examinador, e se aquele era um voo de exame para ele. -Não, não sou examinador, respondeu o comandante. Santos Jr. então perguntou se ele estava perguntando pois queria testar conhecimento, ou se era porque ele mesmo não sabia e estava com vergonha de dizer. -É só um "bate-bola". -disse o comandante, já estranhando a relutãncia do copiloto em responder. Foi então que Santos Jr. propôs: Então vamos fazer o seguinte, eu escrevo num papelzinho os valores e você escreve também, depois nós comparamos para ver as respostas. Era muito esperto esse Santos Júnior! Um grande colega, um grande coração.

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