domingo, 11 de julho de 2010

O voo "na mão"

Nos primórdios da aviação comercial quase não havia equipamentos automáticos nos aviões, tudo necessitava de comandos e controles manuais. O trabalho dos pilotos era árduo, por isso, em alguns aviões, eles podiam contar com o rádio telegrafista, que era um tripulante para operar o rádio HF, recebendo e transmindo mensagens em código Morse. Com o aperfeiçoamento dos equipamentos de rádio e a ampliação da rede de antenas transmissoras em terra, a presença deste profissional passou a ser desnecessária. Outro que acabou perdendo o “emprego” para os sistemas automáticos foi o Navegador, que com conhecimentos de navegação astronômica,  era uma pessoa fundamental nos vôos de longa duração. Mas quando sistemas de navegação autônomos e automáticos foram incorporados aos equipamentos dos aviões, os pilotos perderam a ajuda do navegador.

Por muitos anos o mecânico de voo pode ser visto em muitas das cabines de comando. Electra, Boeing 707, 727, Airbus A-300, DC-10 e o Jumbo 747-200 e 300 foram alguns dos aviões que a Varig operou e que os pilotos adoravam contar com a presença do F/E (flight engineer, ou mecânico de voo). Novamente a evolução dos sistemas e equipamentos “desembarcou” mais um tripulante da cabine. Controle dos sistemas de ar condicionado e pressurização, combustível, sistemas elétricos e tantas outras atribuições que antes eram feitas pelo F/E, hoje é feita pelos pilotos através de equipamentos automáticos. Quando em 89 eu deixei o A-300 para voar o 737-200, eu senti muito a falta do “terceiro tripulante” na cabine, pois como copiloto, passei a fazer tarefas que antes não eram de minha responsabilidade. Além da operação de  equipamentos na cabine ainda tinha as inspeções externas, cálculos de performance, preenchimento de formulários e documentação de vôo para eu me preocupar!

Os sistemas automáticos são fundamentais na aviação moderna, pois deixam os pilotos livres para voar o avião e gerenciar as situações que possam surgir, principalmente as eventuais anormalidades. De todos os sistemas automáticos, o mais óbvio e prático no dia-a-dia é sem dúvida o piloto automático. O Bandeirante da Rio- Sul não possuía piloto automático, o voo era todo feito “na mão”. No Electra e no 737-200 o piloto automático não era tão moderno e eficiente, por isso pilotávamos na mão por um bom tempo, entregando a pilotagem a ele já próximo ao nível de cruzeiro. Na aproximação era gostoso desligar o piloto automático e curtir a pilotagem. Hoje em dia o sistema de piloto automático é muito preciso e confiável, o que torna o voo mais eficiente, seguro e até mais econômico para as empresas aéreas. Seu uso é altamente recomendado em todas as circunstâncias, desde instantes após a decolagem até próximo ao pouso, sendo que há ocasiões em que um pouso automático deve ser realizado pelo piloto automático. Meu filho costuma me dizer que eu não faço nada na cabine, pois é só ligar o piloto automático que ele faz tudo sozinho. E eu não me canso de dizer a ele que sem um piloto para operá-lo, ele é inútil.

Ao mesmo tempo em que seu uso faz parte da rotina operacional, as empresas também recomendam que ocasionalmente, em condições de tempo bom, os pilotos exercitem a pilotagem “manual” sem o uso do piloto automático. Recentemente em uma etapa de Congonhas para Curitiba (38 minutos de voo) eu fiz todo o voo “na mão”. Dá trabalho, principalmente porque além de pilotar, temos que manusear e estudar as cartas de procedimentos de subida e descida, além de manter os olhos constantemente nos instrumentos de voo. Qualquer movimentação de passageiros e tripulantes ao longo da cabine, uma tendência de nariz em cima ou embaixo vai ocorrer, e sem o piloto automático, cabe ao piloto estar atento as correções necessárias. Na aproximação final para pouso, as correções para o efeito de vento devem ser cada vez mais precisas e rápidas na medida que a pista vai se aproximando. Há ainda a manutenção da rampa e da velocidade através do controle de potência dos motores. Não que seja uma tarefa difícil, mas a verdade é que com o uso diário do piloto automático, os pilotos acabam se desacostumando a voar na mão. No final das contas, foi um voo tranquilo, a aproximação foi precisa e o pouso suave. Talvez daqui a um ano eu volte a realizar outra etapa (preferencialmente um voo curto) sem ligar o piloto automático. Até lá espero sempre poder contar com a fidelidade do Piloto Automático!

15 comentários:

  1. Beto, como voc~E fica sabendo as etapas de vôo que vai fazer? E por e-mail ou tem algum lugar especifico?
    Abração

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  2. Sempre tive essa duvida
    Um aviao pode decolar e pousar "absolutamente" sozinho ?

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  3. metal
    É um sistema de escalas, na sala do DO da empresa no aeroporto. Tenho um video da TAM sobre isso: http://www.youtube.com/watch?v=CRGfAMRb4CY

    Alê
    ILS CATIII é possível auto-land, CATII não tenho certeza. A aeronave e a tripulação deve ser homologada para tal.

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  4. Recentemente em uma etapa de Congonhas para Curitiba (38 minutos de voo) eu fiz todo o voo “na mão”.

    Show CMTE.
    Agora não entendi o "Talvez daqui a um ano eu volte a realizar outra etapa (preferencialmente um voo curto) sem ligar o piloto automático."

    Pq tanto tempo? Os comandos ficam mto pesados? É mto dificil mante-lo na rota, pela questao de ventos,etc?Ou apenas cuidar de outras tarefas durante voo?

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  5. Muito bom!
    Aqui, sempre que dá, pelo menos até 10000 pés, levo na mão....E no pouso, pelo menos antes do externo, já vale a pena também trazer o bicho.

    Temos algumas etapas de voo, de 15, 20 minutos. Aí é "YES on hands, e NO autopilot!"

    Isso no Brasilia.

    Faremos no ERJ também. Afinal, um jato na mão vale a pena!

    Abraços!!!

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  6. Fantástica matéria, Comandante! grande abraço,

    Arcoverde

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  7. Comandante,dizem que uso do cachimbo faz a boca torta,talvez hoje se ache mais dificil controlar o voo porque já se esta acostumado com a ajuda da tecnologia embarcada!!
    Mas penso que isto não deve substituir o velho prazer do voo.
    Dizem que o ultimo avião "Pé e Mão" foi o 707, é verdade?

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  8. Roberto, e nos vôos com AT Inop? É fácil gerenciar o AT com o Piloto Automático Ligado? Com o controle de potência na mão o PA não faz algumas correções bruscas?

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  9. Pilotar muito no automático, deve ser igual a dirigir carro com câmbio automático por muito tempo, a gente termina desaprendendo e "apanhando" dos carros manuais.

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  10. CMTE, estava no Google pesquisando outro assundo na aviação e acabei vindo parar no seu blog. Foi uma grata surpresa, ler esses casos da aviação. Sou um grande fã da aviação, foi ela que me levou a minha profissão de hoje e ainda estou tentando entrar no mercado da aviação.

    Como passageiro mesmo, minha experiência é bem resumida pois as oportunidades só surgiram agora, mas adoraria ter voado nesses tempos áureos da nossa aviação.

    Sempre gostei muito dos aviões e de tudo envolvido a eles e, ver as histórias de tripulantes, principalmente as suas, me fez ver como é uma categoria honrada e trabalhadora.

    Parabéns pelo trabalho e pelo Blog! Em que cabines posso encontrar o senhor? Bons voos o leve e o traga!

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  11. Cheguei hoje de um voo de 4 dias com pernoites em Belém e Recife. Então vamos aos comentários:

    Metal, as etapas dos voos nós ficamos sabendo através de escala mensal (pode acontecer da escala sair quinzenalmente, mas não é comum) a qual temos acesso pelo site da empresa. Este site é exclusivo para os funcionários e nele há diversas informações de voos, RH, notícias e o principal para nós que é uma área para recebermos nossas escalas de voo. As escalas quando mensais costumam estar disponíveis por volta do dia 27 ou 28 de cada mês, e nela há os detalhes das etapas, horários, e horas de voo.

    Alê, os aviões comerciais podem (em sua maioria) efetuar pousos automáticos através do piloto automático. Para isso a tripulação deve possuir o treinamento específico, o avião estar homologado, e os equipamentos de terra também serem homologados para esta operação. No Brasil, poucos aeroportos possuem equipamentos para o pouso automático. Mesmo assim, uma pista que possue o ILS, porém não homologado para o pouso automático, o avião é capaz de efetuar o pouso, porém não deve, pois os sinais e outras proteções não estarão presentes. Quanto às decolagens, elas nunca são automáticas, é sempre o piloto que efetua, podendo acoplar o piloto automático instantes após tirar o avião do chão.

    Metal, no ILS categoria I, o piloto automático mormalmente é desligado a 200 pés para a pista. No ILS cat. II, o avião pode descer até 100 pés até que aviste a pista e prossiga para o pouso, que neste caso deve (até pode ser um pouso manual, mas não é esta a recomendação) ser automático. ILS cat III é dividido em três categortia, A ;B e C. No A, o teto é menos que 100 pés e a visibilidade ao longo da pista pode ser de mo mínimo 200 metros. No cat III B, o teto pode ser de 50 pés e visibilidade inferior a 200 metros, e finalmente no cat. III C, o teto e a visibilidade é ZERO! No Brasil não há equipamentos para o ILS categoria 3.

    Lukas, não tão cedo vou fazer uma etapa inteira na Mão pois o piloto automático é um conforto enorme, pois libera as mãos, os olhos e a mente para outras tarefas que pode ser uma refeição, uma boa apreciada na paisagem, uma leitura, e etc... Voar na mão é ótimo, mas gerenciar o voo "com mas mãos nas costas" é melhor.

    Walmir, você está absolutamente correto quanto ao cachimbo que deixa a boca torta. Dos grandes aviões sem dúvida o 707 foi o último, mas também tem o 727 e o próprio 737-200, o breguinha. Mesmo o 737-300 e até o NG, são bons de pilotar na mão, mas acontece que os pilotos automáticos de nova geração são realmente muito precisos, e além disso é gostoso controlar o piloto automático através de botões e seletoras. Outro aspécto que faz com que o piloto automático seja muito usado é que a indústria aeronáutica e as empresas recomendam o uso.

    Anônimo, eu diria que não é difícil gerenciar a potência quando o A/T está inoperante (coisa que é muito rara de acontecer), mas é um pouco mais chato sim. O Auto Throttle é uma grande ajuda, e se for par escolher entre perder ele ou o autopilot, eu prefiro perder o segundo e ficar com o sistema de potência automática para me ajudar. Com o piloto automático funcionando normalmente e o A/T off, portanto com o piloto controlando a potência, o piloto automático pode operar até melhor, mas depende do piloto estar bem atento às necessidades, ou seja, o piloto automático e A/T, podem ser mais grosseiros, sem a fineza de um piloto, mas por outro lado eles não se distraem e não se cansam.

    Felipe, é duro adimitir, mas vc está certo.

    Ftvieira, vc pode me encontrar na cabine da Gol.

    É isso, se der, no sábado eu coloco mais uma estória. Abraço a todos, Roberto.

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  12. Beto, seu blog é um desbunde! Como é bom ler coisas realmente interessantes da aviação na internet. Obrigada pela inteligência dos textos. Visita meu Pérolas da Aviação também, mais sobre o pessoal de terra. Forte abraço. Priscila http://perolasdaviacao.blogspot.com

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  13. Beto, parabéns pelo blog. Fico mais amante a aviação a cada post seu.
    Gostaria da tua ajuda no seguinte: Moro próximo ao hotel onde pernoita a tripulação da Trip, as vezes consigo ate troca uns papo com o pessoal. Sempre viajo nas Atr's dessa compania de SBGV - SBVT (aproximadamente 130 mn). Pois bem, como eu poderia a ,quem sabe, convenser o CMTE a fazer um voo na mão daqui ate lá? Eu creio que seria d+ pode ver o "cara" levando na mão, assim.
    Gostaria de compartilhar com os blogueiros o vidio que da para ver perfeitamente catI, catII, catIII e onde o A/P é desligado. http://www.youtube.com/watch?v=nNDImUfSN8Q&feature=related
    Abraço a todos!!!

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  14. Duro 'e quando falha o P.A. na etapa VCP-SDU e tem que fazer todo o voo na mao e entregar o pouso na finalera pro comando!!!!!

    PArabens pelo blog Beto, muito legal!

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  15. Tremendo blog! Gostei muito.

    Abraço.

    Fabio/SP

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