O céu é muito grande, uma colisão entre duas aeronaves é algo bastante improvável, mas infelizmente muitos acidentes já ocorreram desta maneira. A indústria aeronáutica desenvolveu o TCAS, sigla para traffic collision avoidance system, ou seja, um sistema para evitar colisão entre tráfegos e a partir da década de 90 as empresas aéreas equiparam suas aeronaves com este sistema.
O TCAS trabalha acoplado ao transponder, que é o equipamento responsável pelo envio de sinais de posição ao controle de tráfego aéreo, assim o TCAS das aeronaves em determinada área “conversam entre si”, mostrando aos pilotos a posição e a altitude de cada um dos aviões nas proximidades. Caso dois aviões, ou tráfegos, como se diz no jargão da aviação, voando em uma rota de possível colisão se aproximarem demais um do outro (a menos de 40 segundos de um choque), no painel de navegação dos pilotos aparecerá um símbolo amarelo e um aviso sonoro soará na cabine: TRAFFIC, TRAFFIC! Os pilotos devem olhar para fora em busca de uma visualização do avião que se aproxima enquanto monitoram a situação através da tela de navegação e contatam o órgão de controle de tráfego aéreo. Se os dois aviões (ou mais, pois o TCAS pode alertar para mais de um tráfego ao mesmo tempo) se aproximarem a menos de 20 segundos de uma possível colisão o símbolo no painel de navegação torna vermelho, e o alerta sonoro na cabine deixa de ser um aviso e passa a ser uma instrução que os pilotos devem seguir imediatamente! O aviso será para que o avião suba ou desça, com maior ou menor intensidade: CLIMB, CLIMB! INCREASE DESCENT, INCREASE DESCENT! Se um avião é instruído a descer, o outro será instruído a subir. Passado o risco de colisão o TCAS emite um aviso sonoro de CLEAR OF CONFLICT, e os pilotos suspiram aliviados.
No primeiro dia de julho de 2002 aconteceu um acidente terrível na divisa da Alemanha com a Suíça. Um Tupolev-154 da Bashkirian Airlines voando de Moscou para Barcelona e um Boeing 757 cargueiro da DHL com apenas os pilotos a bordo, voando de Bruxelas para o Bahrein, estavam em rota de colisão quando o controlador de tráfego aéreo (na ocasião, efetuado pela Suiça), cinquenta segundos antes do acidente, emitiu instruções aos pilotos russos para efetuar uma descida e assim evitar o tráfego do DHL . Acontece que em seguida o TCAS de ambas as aeronaves passou a emitir instruções aos pilotos para que efetuassem manobras evasivas em sentidos opostos. O TCAS do DHL emitia instruções para os pilotos descerem, e o TCAS do avião russo para que eles subissem. Os pilotos russos estavam com duas instruções contraditórias, a do controle de tráfego aéreo e a do TCAS! A menos de 20 segundos para uma possível colisão, não há tempo para análise da situação e os pilotos russos seguiram as instruções do controle de tráfego aéreo, o que resultou no choque. O acidente causou a morte de 71 pessoas, das quais 49 eram crianças, a maioria, russa.
As investigações descobriram que havia um relatório de uma semana antes do acidente sobre falhas do radar suíço com solicitações de reparos para atender os padrões do Eurocontrol, a agência européia responsável pelo espaço aéreo em toda a região. Além disso, no momento do acidente, a empresa que efetuava o controle de tráfego aéreo mantinha apenas um operador na central de controle em Zurique, o segundo operador estava ausente da sala se controle. Por fim, em caso de conflito de instruções, os pilotos russos estavam orientados a seguir as instruções do controle de tráfego aéreo.
Depois deste acidente todas as empresas aéreas passaram a enfatizar a seus pilotos para que além de seguirem imediatamente as instruções do TCAS, em caso de conflito entre o TCAS e o controle de tráfego aéreo, seguir sempre o equipamento de bordo. Este acidente teve outro desdobramento: dois anos, em 2004, Vitaly Kaloyev, que perdera a mulher e dois filhos no acidente, viajou para a Suiça e tocou a campainha da casa de Peter Nielsen, o controlador de tráfego aéreo naquele fatídico dia. Assim que a porta abriu, ele disparou sua arma e matou quem ele julgava o culpado pelo acidente. Vital foi preso e em outubro de 2005 foi condenado a oito anos de prisão, que, no entanto, foi reduzida para cinco anos e três meses, pois a Corte suíça reconheceu que no momento dos fatos a capacidade de discernimento do acusado estava profundamente reduzida. O governo russo insistiu na extradição de seu cidadão e finalmente em novembro de 2007 as autoridades suíças o libertaram.
- Em breve vou postar um caso de TCAS com quase colisão que aconteceu comigo. No Youtube há alguns vídeos com demonstrações do funcionamento do TCAS
e por que em vez de descerem ou subirem, não existe a possibilidade de ir para esquerda ou direita ?
ResponderExcluirBoa pergunta! Acontece que as últimas versões de TCAS ainda não possuem a precisão necessária para fornecer resoluções laterais para evitar colisões. Um 737, por exemplo, possui 36 metros de envergadura e apenas 12 de altura, então a separação vertical é mais rápida. Além disso, há uma maior inércia, e portanto maior lentidão para se iniciar e concluir uma curva do que uma mudança de altitude. Esta demora para se fazer uma curva pode ser maior ainda quando uma aeronave voa com forte vento de través e portando com uma correção de proa. Voando em grandes altitudes, dependendo do peso do avião, efetuar uma mudança brusca de altitude e também de proa pode ser uma manobra delicada pois as margens entre a velocidade máxima e mínima são menores. Ao fazer uma curva para a esquerda ou direita para evitar uma colisão, uma aeronave pode facilmente entrar em conflito com outra que eventualmente esteja voando numa rota adjacente e próxima, então por enquanto a indústria aeronáutica julga que o mais eficaz e seguro é uma separação vertical apenas. Mas não duvido que em alguns anos os TCAS possam dar "resoluções de tráfego" não apenas verticalmente, mas também em termos laterais.
ResponderExcluirBem, esta é a minha impressão a respeito da questão. Roberto.
Oi Comandante,
ResponderExcluirBem esclaredora sua explicação. Já havia lido sobre o TCAS pela imprensa e quem publicou a reportagem falou que as "fugas" eram para as laterais, cada aeronave fazendo uma curva para a direita e tudo estava resolvido. Por essas e outras que cada vez mais duvido de certas "report(c)agens"
Luis..
ResponderExcluirem caso de risco de colisao frontal.. ate onde eu sei.. e que cada aeronave deve desviar para a direita.. sendo esse comando feito manualmente sem o tcas!
Caro Luis, você está correto, caso duas aeronaves se encontrem em rumos opostos, uma de frente para a outra, ambas devem efetuar curva à direita. Mas em caso de ativação do TCAS, independente de qualquer alteração de proa, subir ou descer (de acordo com a resolução TCAS) é mandatório! Tive um caso de ativação de TCAS (que eu vou postar em breve) em que percebendo um avião em sentido contrário e no mesmo nível de voo, iniciei uma curva a direita. Neste momento, o controle de tráfego aéreo, que tinha na tela do radar não só a posição das aeronaves, mas também a projeção da trajetória, nos instruiu para uma curva imediata a esquerda! Iniciamos, mas veja que demoramos um pouco pois ao avião já estava inclinado para a direita. Então o TCAS "gritou" para subirmos. Depois eu conto o resto...
ResponderExcluirAguarde, Roberto
Muito legal sua explicação sobre o TCAS. Um dia desses estava voando com um Boeing 747-400 da PMDG entre Toronto e Paris e acabei esquecendo de ligar o TCAS. Se não fosse pelo tráfego aéreo, iria ter batido em um Boeing 777-200LR. Depois deste susto, nunca mais esqueci de ligar o TCAS. Comandante, Não sei se o senhor lembra, mais eu gostaria de fazer uma entrevista com o senhor, mas acabei perdendo o e-mail. Poderia passa-lo novamente? Abraços, Gabriel.
ResponderExcluirOi Gabriel, anote: vie.carva@ig.com.br
ResponderExcluirOlá, comandante! Faço viagens de avião desde muito nova e não costumava ter problemas com isso, mas passei sentir muito medo após enfrentar uma turbulência bastante violenta há alguns anos. Tento estabelecer várias estratégias para enfrentar o meu medo e uma delas é procurar entender mais sobre aviação e assim confiar mais nessa máquina que parece tão contraditória para nós, leigos. Foi por esse motivo que encontrei seu blog há poucos dias e, depois de já ter feito a leitura completa desde o início, posso dizer que suas postagens foram pra mim, além de um excelente momento de descontração, uma grande prestação de serviços. Viajo na semana que vem e com certeza estou me sentindo bem mais segura do que na semana passada. Tenho várias perguntas, mas vou deixá-las para uma próxima oportunidade (depois da viagem que farei, pois tenho medo do que posso receber como resposta rsrsrs). Abçs!
ResponderExcluirComandante Beto, com uma profissão tão legal, tão admirada por tantos, o senhor não documenta seus vôos em vídeo (de preferência em High Definition) nem que seja para posteridade, para relembrar quando se aposentar ou até mesmo para vender junto com um livro de memórias, algo como: "Memórias de um piloto comercial"?
ResponderExcluirPenso que seria muito legal tanto p/ o senhor, quanto para seus fãs como eu, afinal já são mais 165 mil visitas ao seu blog. E tenho uma curiosidade particular de assistí-lo pilotando. Pena que o sr. não participou do DVD da Gol produzido e já lançado pela Hangar T6 (http://www.hangart6.com.br/loja/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=79).
Um abraço,
Felipe Brandão.
Camila, legal que o blog além de informar e divertir também tenha te ajudado a amenizar o medo de voar. Boa viagem, e quando voltar pode perguntar o que quiser.
ResponderExcluirCaro Felipe, eu tenho algumas filmagens, mas confesso que há tempos eu não filmo os meus voos. Quanto a filmar para divulgação, fica meio complicado, pois teria que pedir autorização para a chefia de pilotos, e provavelmente submeter as filmagens à eles, e tem o tal código de ética da empresa, e uma série de detalhes que me faz desanimar. Mas umas filmagens para eu guardar de recordação é uma boa ideia. Vou ver o que eu tenho do passado e quem sabe eu consigo disponibilizar no Blog. O livro vai sair em 2012.
Abçs, Roberto.
Agora que o cmte falou que sairá o livro, preparesse para o assédio.. hehe
ResponderExcluirAbraço, e bons vôos pro sr.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirComandante, boa noite. Sei que não tem a ver com o post mas essa semana passada observei uma aeronave aparentemente boeing sobre a região do arouche, no centro de são paulo voando a baixa velocidade e altura e o que mais me chamou a atenção era que o trem de pouso estava estendido. Fiquei sem entender o motivo. O senhor imagina qual era o procedimento que ela estava realizando? Um abraço e sucesso.
ResponderExcluirComandante Carvalho, Já enviei as perguntas, só checar lá no e-mail ;) Espero que goste das peguntas, Abraços, Gabriel.
ResponderExcluirOlá Roberto, tudo bem? Tenho uma foto que ilustraria esse assunto de cruzamento de aeronaves. Eu tirei em Madri em frente ao Palácio Real e ficou muito interessante porque mostra uma "cruz" bem em cima da Catedral Santa Maria de la Almudena. Vou tentar enviar pra você. Bjs, Ana Lucia Calmon
ResponderExcluirBoa tarde... Numa rota de colisão de aeronaves, leva-se em consideração a rotação da Terra (cerca de 1.600 km/h)?
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