terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O terceiro homem

Ah! Bons tempos aqueles quando além dos dois pilotos havia também o engenheiro de voo na cabine! O engenheiro de voo, o FE -flight engineer- também chamado de mecânico de voo, esteve presente na cabine de comando dos grandes aviões comerciais por muitos anos até que a tecnologia tornou sua presença desnecessária. Eu tive a sorte de voar dois aviões em que o FE fazia parte da tripulação e só tenho boas recordações.

O Electra foi um deles, aliás, alguns diziam que o Electra podia voar sem o copiloto, talvez até sem o comandante, mas não sem o FE! Embora o comandante fosse o responsável, era atribuição do FE o monitoramento de uma serie de parâmetros, tais como temperaturas, RPMs, pressões, voltagens e amperagens de cada um dos quatro motores. Como os Electras eram aviões antigos e sem qualquer dispositivo eletrônico para coleta de dados dos motores, durante o curto trajeto da Ponte Aérea o FE tinha que anotar em uma planilha uma serie informações de consumo de combustível para que posteriormente a área de engenharia da manutenção pudesse acompanhar o desempenho de cada um dos motores. Trabalhavam muito os FEs do Electra, tanto é que eles dificilmente acompanhavam o comandante e o copiloto nos passeios pelo saguão do aeroporto.

Com um conhecimento de mecânica (motores, hidráulica, sistemas de combustível etc.) mais abrangente que o dos pilotos, voar com eles na cabine era um conforto e uma segurança adicional. Também era responsabilidade deles a leitura de check-lists, análise de tabelas, preenchimento de cartões de performance e anotações burocráticas nos livros de bordo. Durante o tempo de solo eles desciam para verificar as condições da aeronave (a inspeção externa) e mantinham um contato estreito com o pessoal da manutenção.

O outro avião que eu voei com “flight” foi o Airbus A-300. Um avião espetacular, que ao contrário do Electra que o não tinha um painel exclusivo para o FE, o A-300 possuía um painel lateral de onde operava os diversos sistemas do avião. Este painel, que possuía uma mesinha e uma gaveta, era também conhecido por “penteadeira”. Durante as decolagens e pousos o “flight” deslizava sua cadeira se colocando de frente para o console central dos pilotos auxiliando no ajuste e monitoramento da potencia, mas durante o voo ele sentava lateralmente cuidando do seu painel. Naquela época, voando o Airbus com o pessoal oriundo da Cruzeiro, havia duas gerações de FEs; os da “velha guarda”, com mais de cinquenta anos de idade e os mais novos com pouco mais de trinta anos. As estórias que eles contavam eram muito divertidas, não tinha monotonia na cabine.

Para os pilotos a presença do terceiro homem sempre foi sinônimo de segurança, mordomia e companhia.

Embora não houvesse necessidade de possuir uma formação em mecânica, a maioria dos “flights” eram mecânicos de aviões ou comissários de bordo que um dia tiveram a oportunidade de passar para a cabine de comando. 

Em 1986 estava claro que a presença dos FEs na cabine de comando de aeronaves comerciais estava chegando ao fim, já que após o lançamento do Jumbo 747-300 no final de 82, não havia nenhum outro projeto de avião com o terceiro homem na cabine. Muitos deles, em parte por perceber a ameaça ao emprego num futuro próximo e em parte por um desejo genuíno, tiraram as licenças para se tornar pilotos e após uns anos voando na função de copiloto foram promovidos a comandante.

Apesar de quase trinta anos sem que novos aviões com FEs sejam fabricados, alguns dos antigos aviões continuam voando pelos céus do mundo, em sua maioria aviões convertidos para o transporte de carga.



15 comentários:

  1. Muito bom bela postagem

    Tenho um professor que possui formação de mecanico de vôo mas nos dias de hoje se mantem nos hangares procurando falhas, infelizmente no solo, se não me engano, ele me disse que o curso é dado pela fab, no caso, aqui em Belo Horizonte no PAMA-LS.

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  2. Ótimo post Comandante,mostrando o valor deste profissional que mesmo abolido há tempos das cabines deixou sua marca na historia da aviação!!
    Uma aeronave em que sua presença era imprescidivel foi o Concorde,no fatidico acidente do voo AF 4590,pode se observar os esforços do engenheiro de voo tentando solucionar uma situação que era realmente irrecuperavel,mas que o profissionalismo fez com este profissional tentasse até o ultimo segundo auxiliando o comandante e o Co-piloto!!

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  3. Caro Cmte Beto,

    A tecnologia tem também seus pontos fracos... e a extinção de diversos empregos é um destes (os datilógrafos e os engenheiros de vôo que não me deixem mentir). Aliás recentemente li que a Embraer está estudando a possibilidade de eliminar o co-piloto da cabine de comando. Eu particularmente acho isto um equívoco e torço para não dar certo (em prol da segurança) - esta é uma briga que todos os pilotos devem comprar, mas...

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  4. O próximo vai ser o copiloto, ou será o piloto?
    Sim, pois com o avanço dos sistemas de piloto automático, talvez só reste o copiloto na cabine, apenas para monitorar o tráfego...

    Espero que tudo isso acontece quando eu já estiver com uns 80 anos...

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  5. Um vôo também onde se destacou a presença do FE foi o UA232, em que o DC-10 teve perda dos três sistemas hidráulicos e o trabalho dos 3 homens na cabine, fez com que eles ainda assim conseguissem salvar quase 200 vidas. O pouso pode ser visto no link abaixo:

    http://www.youtube.com/watch?v=OAiYkX-Woh0

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  6. Eu jurava que o MD-11, apesar de moderno também precisava de um mecânico de vôo. E pensava que essa foi uma causa preponderante da preferência das empresas pelo A340.
    Lendo diversos relatos de acidentes e incidentes, o fato de ter um terceiro profissional - mecânico de vôo ou outro - sempre colaborou para que os procedimentos fossem realizados adequadamente, diminuindo a gravidade da situação.

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  7. Em 7 de abril de 1994 no voo 705 da FEDEX, um engenheiro de voo, que viajava de carona tentou tomar o controle do dc 10-30, a marteladas e marretadas, atacou comandante copiloto e o eng. de voo que estava de serviço, por um longo tempo ouve um luta entre CMTE, FE e o "FE louco" para "ajudar" na briga o copiloto voou fazendo manobras nunca vista antes na historia de um dc 10
    A ideia do “FE louco” era derrubar o avião no centro de operações da FEDEX e fazer parecer um atentado terrorista.
    Esta é uma historia muito interessante,.

    Neste may day desastres aéreos ela e contada com detalhes.
    http://www.youtube.com/watch?v=wBsutE_sgtk

    algo realmente extraordinario tendo em vista que no caso, o FE louco, se tratava de um piloto frustado que acabou virando FE, entre outras coisas por preconceito.

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  8. Não acredito que um dia os aviões decolem com apenas um piloto. Se algo do tipo acontecer vai ser para decolar sem piloto algum! Pelo que pude perceber o programa May Day- desastres aéreos faz o maior sucesso. O programa é realmente muito bom, tão bom que o piloto deveria poder acrescentar em seu curriculum os episódios assistidos; valeria por horas de voo!

    Um abraço a todos, Roberto.

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  9. Cmte boa tarde.
    Tenho 23 anos e meu sonho sempre foi me tornar piloto comercial.
    Vale a pena fazer o curso superior de ciencias aeronauticas?

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  10. Caro Anônimo, vale a pena fazer qualquer curso superior. A vantagem de ciências aeronáuticas é que sendo piloto vc pode abater certas matérias e o curso pode ser finalizado em menos tempo e com menor custo.

    Abç, Roberto.

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Belo post,tambem tenho um blog de aviacao sobee curiosidades,videos bacanas e noticias interessantes,deixo o link para quem quiser conferir,obrigado!

    www.diretodatorre.blogspot.com

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  13. Cmte,

    Está com o visto americano em dia? Algum comentário a respeito do futuro vôo para Miami e Orlando?
    http://jetsite.com.br/2008_v35/Noticias.aspx?getByID=4287
    http://www.mzweb.com.br/gol2009/web/arquivos/Release%20Voos%20Miami.pdf

    E uma dúvida, como as cias aéreas em geral selecionam os pilotos para vôos internacionais? É com base em senioridade, horas de vôo ou inglês melhor? Ano passado li uma reportagem da folha em que informava que na TAM apenas a tripulação que aterrisava e decolava no exterior tinha o ICAO necessário. A outra dupla fazia apenas o trecho em território nacional. O que acha disso?
    Abraços e bons vôos.

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    1. Caro Tiburcio, o estilo da empresa é um "estilo mineiro" de ser, ninguém diz nada, oque ficamos sabendo é pela imprensa. De um modo geral sempre que há um voo "nobre" a escalação deve seguir a senioridade, ou seja, o tempo de empresa, embora sempre haja uma desconfiança de que alguns sejam favorecidos. Para voar para fora do Brasil é necessário inglês nível 4 (numa escala de 0 a 6) ou superior. Sim, é verdade que a Tam teve problemas com o inglês dos tripulantes que voavam internacional. O pessoal que naquele momento estava nos voos internacionais eram os "antigões" e que possivelmente não tinha um inglês nível 4, afinal, quem deles um dia imaginou que a empresa iria voar para Europa e EUA? Ensinar truque novo para gente antiga não é fácil! E finalmente, SIM, meus vistos estão em dia.

      Abç, Roberto.

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