quinta-feira, 15 de março de 2012

Mãe de piloto

Juro que não queria ter um filho piloto.  Tantas profissões legais, onde as pessoas vivem com o pé na terra, voltam para casa quando termina o expediente lá pelo entardecer, até conseguem pegar um cineminha depois do jantar, descansam nos fins de semana – ou ficam exaustos quando têm filhos pequenos – vão a todos os jantares de aniversário da família...E meu filho cismou de ser piloto ! Acho até que está no DNA do moço. Afinal, nunca tivemos contato com profissionais da aviação que pudessem influenciá-lo para esta carreira ‘tão perigosa e cheia de riscos’.

É. Está no sangue. E estava no sangue quando ele, já aos 12 anos, colecionava tudo sobre aviões, desde guardanapos, saleiros e tickets com os logos das diversas companhias que desembarcavam por aqui  e até miniaturas de aviões que ele dependurava no teto. Fora os quadros e posters que enchiam as paredes do seu quarto. 

Na época, não me preocupei com aquela ideia fixa. Vai que ele se imaginava com um quepe na cabeça e com aqueles uniformes cheios de galões dourados (cujo nome certo é divisas, hoje eu sei ) enfrentando tempestades e turbulências. Que herói! Crianças são mesmo fantasiosas e, quando crescem aposentam os sonhos e entram na real. Meu filho, certamente, estudaria para ser engenheiro ou advogado ou médico, ideais de toda mãe naqueles  anos. Teria uma profissão com o pé na terra.

Doce engano. Depois de uma curtíssima fase ligado em cavalos e equitação (ai meu Deus, de piloto para jockey... sei lá), meu filho voltou a dizer – e agora com mais determinação – que gostava mesmo era da aviação. 

E se estava no sangue, o remédio era apoiá-lo. Nada de ver perigo em cada voo, nada de considerar cada aeronave uma arma mortífera e cada ventinho um inimigo cruel. Até que me tornei aquela mãe legal. Como ele não tinha idade para dirigir, eu levava meu filho ao Campo de Marte para as aulas teóricas e práticas e sempre que podia dava um dinheiro para uma hora de voo; um passo a mais em direção ao seu sonho. Enfrentei com galhardia as saudades quando ele foi estudar na EVAER em Porto Alegre, sabendo que era mais um filho saindo de casa para a vida.

Ficava feliz cada vez que ele passava de um estágio para outro em seu trabalho. Copiloto, piloto, comandante, ponte aérea, voos para todo o Brasil, voos para a Europa... Quando a Varig começou a entrar em colapso, fiquei angustiada vendo a preocupação e ansiedade em seu olhar, em seu dia a dia. Não é que me angustiei a toa? Meu piloto seguiu em frente, partiu para uma nova companhia e continuou voando. Estava no sangue.

Hoje, sou uma orgulhosa mãe de um piloto e, como minha nora é comissária de bordo e também vive no ar, tenho até uma escala para ajudar com os netos: fico de plantão, de sobreaviso e passo noites fora da minha casa.  Tenho o privilégio de um convívio muito próximo com os netos, a possibilidade de viagens com meu filho e tenho o sentimento raro de saber que ele faz – e faz bem – o que ele sempre quis fazer na vida: Voar.



          As fotos: 
  • Em 1983 saindo para um voo do Campo de Marte com sobrevoo de Bragança e Jundiaí
  • Em 1995 numa escala em Porto Velho
  • Em 2005 com a minha tia em viagem para Madri





18 comentários:

  1. Deixa só eu entender: foi você ou sua mãe que escreveu o texto?

    Não sei como é ter um filho e saber que ele faz o que gosta, até porque nem filho tenho ainda, mas sei bem o que é fazer o que agente ama... Isso eu sei, a outra, bem, a outra eu saberei daqui muitos anos...

    Abraço!

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  2. É muito emocionante ler um texto desses! =) Logo se vê o orgulho da mãezona e consigo perceber o que minha mãe sente hoje, em seus sacrifícios para a minha formação! E sempre lembrando da responsabilidade que tenho em mãos! Te amo mãe! Parabéns Mãe do Comandante Beto! Parabéns Comandante Beto!

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    1. Acessei este texto em busca de consolo. Sou mãe de um futuro comandante. Desde muito pequeno se vestia com as roupas brancas do pai e dizia que seria um piloto, uma paixão rocha que nada o fez mudar de idéia. As histórias são idênticas, temores, alegrias, Saudades. O primeiro Tour que fizemos senti o tempo parar. Enquanto eu respiravá com difuculdades de tamanho pavor, o instrutor e meu filho falavam como se estivessem nas estrelas de felicidade. Em terra firme senti os efeitos do fuso horário. Que loucura! Quero ser uma mãe de piloto, sem temores e feliz, pois aguento tudo calada para não desestimula-lo.

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  3. Parabéns pelo blog Cmte!, leio-o faz um tempo já, sou PP em fase de check pra inicio do PC imediato, curto mto as estórias da sua carreira, e mãe é assim mesmo no começo fica com um medo danado, mas vão se acostumando com o tempo, rs Abraço e bons voos!
    Fabio Pinheiro

    P.S.: o Papa-Tango-Romeu-Juliet_Lima, ainda voa, está baseado em SBSR (São José do Rio Preto)

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  4. Lindo texto,a Senhora sua mãe deve ter tido os motivos dela para se preocupar,mas enfrentou seus medos e te deu oportunidade de fazer o que gostaria na vida,belo exemplo de doação,mesmo sentindo o coração apertado não lhe toeu os ideais!!!
    E hoje nós ilustres desconhecidos dela podemos aproveitar estas estorias tão fascinantes!!!

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  5. Texto emocionante, pricipalmente quando penso em como gostaria de ter tido esse incentivo. Quando era criança morava a uns 3 km do aeroporto da pampulha e fugia de casa para ficar vendo os aviões no terraço do aeroporto, tudo escondido, pois lá em casa era proibido sonhar !!!

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  6. Cmte Beto Carvalho,
    Muito bom post, parece muito como minha
    Mãe se comporta, afinal acho que toda mãe de
    piloto se comporta dessa maneira, me identifiquei bastante,e diria que o que mais gostei desse post,
    foi de ver sua foto em Porto Velho-RO em 1995,moro em Porto Velho, e estou próximo de checar o PC, essa foto então me deu um incentivo ainda maior nao sei porque rsrs.

    Grande Abraço

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  7. Comandante, sabe aquele foto sua no Campo de Marte quando jovem?! É como estar na Fábrica de Sonhos! Muito sucesso grande amigo. Forte abraço, Arcoverde

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  8. Mãe é mãe em qualquer lugar do mundo... Belo texto...

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  9. Grande Cmte. Beto!
    Sempre muito bom passar pelo seu blog e me deparar com uma boa leitura. Gostei muito das fotos e em especial a segunda, pois como sabe, sou de PVH e cá estou novamente.
    Me avisa qnd tiver vindo a PVH, pra comermos um peixe assado e tomar umas...

    Abs,

    Higor Iuri

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  10. Gustavo Becker Rohde19 de março de 2012 às 17:20

    Olá Roberto. O senhor teria como me passar algum email seu ou entrar em contato comigo pelo meu email rohdeguto@hotmail.com
    Gostaria de conversar sobre uma palestra. No email eu explico certo sobre o que se trata.

    Grato!

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  11. Nossa, que texto lindo. Muito emocionante ler essas linhas tão bem escritas. Como gostaria de ter tido essa oportunidade.

    Te desejo ainda mais felicidades e realizações, sua história é muito bonita e serve de inspiração para muita gente. Você é um exemplo de pessoa e de profissional.

    Um abraço,

    Mariel Fonseca

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  12. Fiquei emocionado lendo esse belo texto, permita-me dizer-lhe que tenho 31 anos e desde menino tenho o sonho de pilotar, porém por diversos motivos não tive a oportunidade, em fim hoje a chance me veio e por diversas vezes me perguntei se ainda era possível, pois muitos diziam que não e foi justamente minha mãe que me fez acreditar que eu posso. Hoje curso o segundo período de Ciências Aeronaúticas, estou tirando o CMA e as portas de meu primeiro voo de instrução(que ansiedade). Pelo o que pesquisei ainda é possível chegar a PLA que é meu objetivo, mas se não, já estarei feliz só em estar voando, seja táxi ou qualquer coisa do gênero. Em fim, A MINHA MÃE, MINHA ETERNA GRATIDÃO POR TER ME FEITO ACREDITAR NO MEU SONHO!
    Abraços comandante, admiro muito seu trabalho!
    Marckelly Tomaz.

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