sábado, 19 de junho de 2010

Nas asas da British

No começo de 1989, quando minha mulher e eu ainda estávamos no início do namoro, ela também trabalhava na Varig. Casal voando na mesma empresa traz alguns benefícios, pois fica fácil acompanhar o outro em uma viagem, isso quando não se consegue voar sempre na mesma tripulação e tirar férias no mesmo período.

Em março daquele ano ela leu no caderno de empregos do jornal O Globo que a British Airways estava recrutando comissárias de bordo. Exigia-se fluência em inglês e espanhol. A British Airways havia assumido as rotas e a base de comissários da British Caledonian, que dois anos antes encerrara as operações no Brasil. Parecia uma grande oportunidade e ela não perdeu tempo, enviando o currículo para a empresa. Após algumas entrevistas e dinâmicas de grupo, ela foi contratada junto com outras quatro candidatas. Por melhor que fosse voar na Varig, a mudança foi um grande avanço. Melhor salário, garantias trabalhistas aqui do Brasil, vôos de Jumbo para Londres e muito mais folgas por mês.

Eu, namorado e depois marido, tive direito ao benefício de passagens a “preço de banana” e com isso, tenho acompanhado minha mulher em seus vôos a Londres, praticamente uma vez por ano. Na maioria das vezes viajo na classe executiva, mas eventualmente consigo viajar de primeira classe e muito raramente na classe econômica, o que ocorre quando o voo está completamente lotado.

O Jumbo 747, por si só, já é um avião lindo, e o da B.A. é simplesmente um espetáculo! Possui um interior sempre muito bem conservado, uma configuração de assentos moderna e um serviço de bordo que agrada até ao mais exigente dos passageiros. Na era pré Bin Laden, pude estar presente na cabine de comando durante pousos e decolagens, inclusive de Gatwick e Heathrow, um dos aeroportos de maior movimento na Europa. As decolagens e pousos do ponto de vista de quem está na cabine do 747, são algo incrível que mesmo um piloto com anos de profissão fica encantado.

De todas as minhas viagens de British Airways, a que mais marcou, não só a mim, mas também a minha mulher, aconteceu em 97. Naquela ocasião resolvemos levar nossa filha que recém tinha completado dois anos de idade. A decolagem de São Paulo estava marcada para as cinco horas da tarde, mas pelo horário em que foi iniciado o embarque, já dava para perceber que haveria um pequeno atraso. Tudo bem, nós da aviação compreendemos como ninguém as várias razões que podem atrasar um voo, além do mais, minha mala de mão era uma bolsa de bebê, com fraldas, chupetas, biscoitos, sucos e outros acessórios para manter minha filha distraída enquanto minha mulher estava à bordo recebendo o embarque dos primeiros passageiros.

Fomos acomodados na classe econômica, afinal, mesmo com assentos disponíveis na executiva, não é recomendado up-grades para crianças de dois anos, que, verdade seja dita, eventualmente são capazes de infernizar a viagem de outros passageiros. Minha filha estava cansada, e ao mesmo tempo agitada quando viu a mãe passando uniformizada de um lado para o outro do avião. Isso bastou para que ela começasse a chamar pela mãe, que naquele momento não podia dar atenção a ela, pois a tripulação toda estava em preparativos finais para fechar as portas do avião. Eu ficava segurando minha filha, tentando mantê-la sentada enquanto ela chamava pela mãe aos berros: - Socorro, me ajude! Socorro, ele “tá” me pegando, me solte! Apesar dos olhares desconfiados dos passageiros ao lado, que a essas alturas deviam achar que eu era um seqüestrador de criancinhas, ou no mínimo um pai inescrupuloso fugindo com a filha, eu me mantinha firme no propósito de não deixar que a pequena escapasse das minhas mãos. Minha mulher também estava aflita, não sabia o que fazer. Eu estava sentado a 5 metros da porta do avião, que continuava aberta, era só dar uns passos, sair com minha filha e voltar para a segurança da minha casa. Desistir era a saída mais sensata, e tinha certeza que minha mulher deveria estar pensando a mesma coisa.

Foi quando o comandante do voo anunciou pelo sistema de som que por motivos de tráfego aéreo, haveria mais uma demora de pelo menos 20 minutos para o início do voo. Com este estimado, minha mulher pode dar um tempo em suas atividades para acalmar a nossa filha. Com ela no colo, foi até a galley (“copa/cozinha”) do avião, onde, mais que um suco e um biscoito, deu a ela atenção suficiente para acalmá-la! Foi um alívio geral e a idéia de abandonar o avião foi deixada de lado.

Mesmo depois de um bom tempo após a decolagem, a “bateria” da minha filha ainda não havia se esgotado, ao contrário da minha, que já havia acabado há tempos! Quando ela finalmente dormiu, relaxei e pensei nas minhas opções: Tomar um uísque, assistir um filme pelo sistema de entretenimento, ou dormir? É melhor dormir, pois nunca se sabe quando e com que humor o “monstro” vai despertar!

Os dias em Londres foram gostosos, não nos arrependemos da aventura. Mas se alguém estiver pensando em levar uma criança de dois anos num voo tão longo, recomendo que pense bem antes de atravessar a porta do avião.

13 comentários:

  1. Prezado Comandante Roberto: Uma bela história sem dúvida nenhuma! Quando sua filha completar uns 25 anos, tenham a certeza de que ainda se comportará do mesmo jeitinho, claro que cobrando mais atenção ainda de pais tão amorosos quanto vcs. Meus parabéns!
    Em 1985, eu trabalhava em uma das centenas de empresas de mineração, na região sul do estado do Pará, o que também obrigava-me a ficar muito tempo longe de minha família, que à época era composta de minha espôsa e uma filha, Sara, com 1 ano de idade.
    Como a Sara nasceu em Belém, não havia tido tempo de conhecer sua avó, minha mãe, que residia no interior do estado de São Paulo.
    Aproveitei uma oportunidade e embarquei, num boeing da Vasp, Belém-São Luiz-Rio, num vôo noturno que deixou profundas marcas e boas lembranças que até hoje nos fazem rir!
    De Belém até São Luiz, a viagem ocorreu normalmente mas, após a decolagem de São Luiz, exaustos, acabamos adormecendo, eu com minha filha no colo.
    Madrugada alta, acordei, e não vendo a criança ao nosso lado, levantei-me e iniciei uma busca por todo a aeronave.
    Chegando aos assentos finais e não a encontrando, achei que pudesse estar junto dos pilotos e, também na era pré-Bin Ladem, para lá me dirigi, recebendo a afirmativa dos pilotos, que ela não estivera por ali.
    Procurei uma das comissárias e relatando o problema, fizemos nova busca, poltrona por poltrona até que a encontramos dormindo no colo de uma senhora, já de certa idade, que a abraçou ao peito e achando que estava com o corpo frio, em decorrência do ar refrigerado, colocou seu pesado casaco nas costas da Sara, fechando-o e acabaram dormindo as duas, uma abraçada à outra, só acordando quando a comissária estranhou que o volume da barriga da senhora estava muito grande! Foi uma festa na aeronave pois todos estavam preocupados com o sumiço de minha filha! Um dos passageiros chegou mesmo a afirmar que "sair do avião, ela não saiu!"
    A pequena Sara desta história, forma-se em Medicina no ano que vem e dá muita risada quando a gente conta o ocorrido!
    Um abraço a todos.

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  2. Olá Comandante!

    Entrando no clima da Copa eu gostaria que o senhor falasse se os jogos interferem nos voos, como ficam os pilotos mais fanáticos quando há jogo e eles estão em voo?

    Abraços!

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  3. VC. esqueceu de dizer que aquela "monstrinha", hoje tem 15 anos, já viajou para um monte de paises e é responsavel e linda.

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  4. Caro Maurício, muito interessante sua estória, lembra aquele filme com a Jodie Foster, Plano de Voo.
    Rafael, os pilotos na hora do jogo tentam sintonizar uma rádio AM pelo painel de rádio navegação do avião e vão monitorando o jogo. Exceto nos momentos de pouso e decolagem, de um modo geral isso não atrapalha em nada o voo. Abç, Roberto..

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  5. Meu sonho é ver um 747, uma vez um da China veio a Brasília e eu fui no aeroporto só pra vê-lo, mas infelizmente quando cheguei lá ele já tinha ido embora. Um dia consigo!

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  6. Aqui esta um exemplo de como os pilotos ouvem a copa, este video é muito engrassado e é real filmado dentro do cockpit 727, vale a pena ver

    http://www.youtube.com/watch?v=Qe89KoRoaBc

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  7. Comandante fugindo um pouco do assunto do post, o manche de um Boeing NG em vôo é mais ou menos como o volante de um carro com direção hidráulica, no sentido da força necessária para manobrar?

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  8. Caro Valmir Costa, eu diria que em voo, a força necessária para mover o manche, pode ser comparada a de um carro em movimento, porém sem direção hidráulica. Ou seja, é necessário uma certa pressão. Os aviões possuem um dispositivo pera dar ao piloto uma sensação artificial de pressão no manche, que vai variar comforme a velociadade de voo, é o "feel diferencial pressure system". Alguns aviões (dentro de uma frota do mesmo tipo) são mais macios de comando e outros são mais duros. Quando está muito duro de comando néo reportamos o fato no livro de manutenção pra que a equipe de engenharia dê uma "regulada". É isso, um abraço, Roberto..

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  9. É, eu sei o que é viajar com criança, principalmente de colo. Quando meu filho tinha 2 anos, encaramos uma viagem de apenas 2 horas e 50 minutos de São Paulo a Natal e foi um inferno, com ele reclamando e chorando de vez em quando, incomodando os demais passageiros.

    Nossa dá uma vergonha imensa. Quando a criança dispara a chorar, dá vontade de sair correndo. Um abraço Roberto, adorei seu blog.

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  10. Maurício de Carvalho24 de junho de 2010 às 22:24

    Eu já viajei de São Paulo para Recife pela Gol, de manhã logo cedo, morrendo de sono e com uma criança chorando o vôo quase todo umas duas fileiras a minha frente. Que ódio eu tive, dava vontade de ir lá tampar a boca do chorão.

    Tinha um cara na fileira de trás, que parece que estava na mesma situação que eu: Precisando dormir. De vez em quando eu ouvia dele um sonoro "Put a keep are you". E para completar estava um frio de lascar no avião. Que vôo ruim.

    Comandante virei fã do seu blog, já o li quase todo. Um abraço e não deixe de nos trazer novas estórias e histórias.

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  11. Roberto, sua esposa realiza somente GRU-LHR-GRU? Se sim para ela não é muito monótono realizar apenas esse vôo?

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  12. De fato é um pouco monótono. Quando ela trabalhava na Varig, ela voava para vários lugares, é claro que era mais "emocionante". Dizíamos que ela ganhava pouco mas se divertia bastante. Na British, a diversão é bem menor, mas em compensação a $ é bem melhor, além de benefícios, tais com plano de saúde, previdência privada, condução e principalente, muuuuuito mais folgas para ficar em casa. Após quase 25 anos de profissão, voar deixou de der uma grande aventura, é só um bom emprego. Um abraço, Roberto

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  13. Realmente, levar uma criança num vôo desses, não é nada fácil, principalmente para os outros passageiros.
    Senti isso na pele num vôo de 13 horas de Frankfurt para São Paulo. O 777 é muito confortável, mas uma criança no assento de trás, batendo os pés na poltrona e chorando...heheheh

    Abraço e parabéns pelo blog!

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