segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Visitas na cabine. Parte I

Sempre gostei de receber visitas na cabine de comando, principalmente de crianças, sendo que até setembro de 2001, visitas não só eram permitidas como também vistas como uma espécie de marketing pelas empresas de aviação. Em 86 iniciei o treinamento para copiloto de Electra com meu instrutor, Cmt Ronald Wendorff, aliás, um cara extremamente sociável que gostava de interagir com os passageiros e com os próprios colegas de empresa, então era muito comum termos a presença de visitas na cabine. A cabine do Electra era enorme, além de 4 tripulantes (comandante; copiloto; mecãnico de voo e um tripulante extra) sentados, cabiam uns tantos em pé. Certa vez embarcou em São Paulo a atriz Cláudia Raia e seu namorado, o ator Alexandre Frota e, incentivado pelo meu instrutor, me dirigi à ela convidando-a para visitar a cabine de comando após a decolagem. Ela foi educada e agradeceu o convite enquanto seu namorado me encarava com um olhar nada amistoso. Pousamos no Santos Dumont sem que ela desse o ar da graça! Em outra ocasião, durante o embarque, este meu instrutor estava para subir a escada do avião quando avistou e abordou um passageiro na fila que carregava um violão nas costas. Puxou prosa dizendo que gostava de música e poesia, convidando-o para dar um pulo na cabine quando em voo, e que levasse seu violão. Nem ele nem o mecânico de voo conheciam o passageiro, e assim que ele entrou na cabine eu o reconheci. Era o Jards Macalé, um músico e cantor de MPB. Durante o procedimento de descida no Rio de Janeiro, ele ia dedilhando seu violão, parecia um pouco nervoso pois voávamos dentro das nuvens. Quando finalmente saímos das nuvens, já sobre o mar, com o visual da restinga da Marambaia, Recreio dos Bandeirantes e Barra da tijuca, e a Pedra da Gávea à frente, ele se animou e exclamou: Terra à vista, sinto a alegria de Cabral! Fizemos uma aproximação linda, com as praias pelo lado esquerdo, até cruzar sobre Copacabana, sobrevoar o Shopping Rio Sul, deixando o Cristo à esquerda, o Pão de Açucar à direita, voando baixo sobre a enseada de Botagogo e o pouso no Santos Dumont. Isso tudo com o Macalé tocando e cantando o Samba do Avião: "Minha alma canta; vejo o Rio de Janeiro...Cristo Redentor braços abertos sobre a Guanabara...dentro de mais um minuto estaremos pousando...aperte o cinto, vamos chegar, agua brilhando, olha a pista chegando e vamos nós pousar...". Foi muito legal! Dias depois, também com meu instrutor, mas no trecho RJ-SP, novamente o Jards Macalé foi na cabine, porém sem seu violão. Na chegada em São Paulo, saindo das nuvens sobre a Av. Faria Lima para pouso em Congonhas, noite de garôa na cidade e ele cantarolando a melô de São Paulo: Ê São Paulo, ê São Paulo, São Paulo da garôa, São Paulo terra bôa. As perguntas dos passageiros costumam ser as mesmas: Como conseguimos saber a função de todos os "reloginhos", a quantos anos estamos voando, ou se o tempo está bom no destino. Hoje em dia, com todos os programas de "flight simulator" da microsoft, muitos passageiros possuem uma boa noção dos instrumentos da cabine, e principalmente os jovens surpreendem com perguntas bastante específicas relativas as técnicas de pilotagem. Muitas vezes quando o tempo de voo era longo, e a rota estava boa, sem turbulência, eu fazia uma saudação aos passageiros e dizia que a cabine estava à disposição para visitas. Era uma festa, a fila se formava no corredor, sendo que quando eram crianças os visitantes, tínhamos que controlá-los bem, pois se dependesse deles, eles mexeriam em tudo. Na maioria das vezes eram visitantes anônimos, mas de vez em quando vinha um político, que sempre dizia estar atento para os problemas da aviação, prometendo que estava lutando por nós. Mas as melhores estórias ficam por conta dos VIPs, famosos e Globais, que quando voltei para a Ponte Aérea em 1998, visitaram a cabine no trecho SP/RJ/SP. São tantas que ficam para a parte II.

4 comentários:

  1. Ouvi dizer que até Gizeli Binchen andou por sua cabine.

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  2. A Gi não, mas a Queiti Moz sim. Aguarde a parte II.

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  3. Já fui visita em sua cabine... Adorei.

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  4. Segundo caso que conheço de um Comandante convidando um músico violonista à cabine... Quero saber quando será meu dia (sempre faço questão de não despachar o instrumento)

    Parabéns pelo blog e pela profissão.

    Um dia acompanharei um pouso da cabine, conversando sobre os diversos procedimentos e ILS na prática.

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