segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Linha de Instabilidade

As frentes frias que vêm do sul do Continente estão sempre associadas a mau tempo. Isso ocorre porque a parte da frente da massa de ar frio que avança, ao se chocar com a massa de ar quente, gera muita instabilidade no ar, trazendo nuvens pesadas com tempestades, trovoadas e formação de gelo no interior delas. Algumas vezes, esta condição é tão intensa que estas nuvens, chamadas de TCU (towering cumulus nimbus), vêm em linha, uma ao lado da outra, deslocando-se em conjunto rapidamente. Os aviões em nível de cruzeiro podem precisar voar por muitas milhas à esquerda ou à direita da rota para poder contornar esta linha de instabilidade que pode ter 300 quilômetros ou mais de comprimento. Dependendo da situação, é possível cruzar este conjunto de formações meteorológicas passando entre uma nuvem e outra. Contornar por um lado ou outro, ou cruzar a linha, vai depender de uma série de fatores, entre eles a autonomia de vôo (quantidade de combustível nos tanques) e as condições meteorológicas do destino, alternativa e origem, já que o regresso ao aeroporto de saída pode ser a opção mais segura. Muito bem, há um tempo atrás decolei de Montevidéu para Porto Alegre por volta de das 3 hs da tarde considerando Curitiba como alternativa para o caso de não ser possível o pouso no destino. Havia uma previsão de tempo ruim em Porto Alegre justamente no horário de nossa chegada, pois uma linha de instabilidade já estava atuando no interior do Rio Grande do Sul, com muita chuva na região. Aumentamos a quantidade total de combustível com um adicional para o caso de um desvio muito longo em rota, ou até mesmo uma espera na área de P. Alegre caso chegássemos lá e o aeroporto estivesse com as operações suspensas devido ao mau tempo. Inicialmente, seguimos com tempo bom na rota, mas já visualizando na tela do radar a linha de instabilidade. A aproximadamente 250 quilômetros de P. Alegre, percebemos que o mau tempo já estava sobre a cidade, e naquele momento o controle de tráfego aéreo nos informou que os pousos e decolagens estavam suspensos. Algumas aeronaves já faziam espera aguardando a melhoria das condições, pois não apenas chovia forte, mas ventos de até 150 km/h castigavam o aeroporto. Nem iniciamos a descida, e como tínhamos combustível extra, poderíamos seguir para Curitiba ou Florianópolis, ou mesmo seguir direto para São Paulo- Guarulhos, que era o destino final da viagem após a escala em P. Alegre. Efetuamos um contato via rádio com a empresa para informar a situação, nossas opções, e obter alguma orientação. Há um setor nas empresas aéreas chamado de Coordenação, que possui uma série de informações que podem ser úteis ao decidir para onde desviar um vôo. Informações da malha de vôos, conexões, estoque de peças de manutenção para eventual atendimento, boletins meteorológicos atualizados e etc. Assim, este setor nos informa qual é a melhor opção do ponto de vista da companhia, se é aguardar a melhoria do tempo, seguir direto para o aeroporto A, B ou C, ou retornar ao local de origem. É claro que a decisão cabe sempre ao Comandante do vôo em função da segurança, e não da conveniência da Coordenação. Naquele dia, a orientação era para seguir direto para S.Paulo. Mas ainda havia a linha de instabilidade à frente, e cada vez mais próxima. Poderíamos contorná-la pela direita, mas o caminho seria muito longo, voando sobre o mar por muitas milhas, aumentando nosso consumo e impossibilitando o vôo direto a SP. Além disso, mesmo efetuando o contorno, a turbulência seria inevitável. Pelo lado esquerdo, encontramos uma boa distância entre duas grandes nuvens, logo, permitindo passar pelo mau tempo. Com um bom ajuste no radar meteorológico em termos de ângulo da antena, ganho, brilho e intensidade da imagem, informei à equipe de comissários e passageiros que iríamos passar por uma área de turbulência. Todos sentados, com cintos afivelados, ignição e sistema de anti-gelo dos motores ligados, e após menos de 10 minutos de turbulência leve a moderada encontramos novamente tempo bom em rota. Informei aos passageiros a situação, e que seguíamos para SP. O aeroporto de P. Alegre permaneceu fechado por mais de uma hora, sendo que os vôos que para lá seguiam foram desviados para Florianópolis, Curitiba e Caxias do Sul. Foi um fim de tarde terrível não só para a capital do Rio Grande do Sul, mas também para o interior do Estado. No final do dia os noticiários da TV mostravam o rastro de destruição nas cidades: árvores caídas, casas destruídas, queda de energia, alagamentos e caos no trânsito. Os passageiros que iam para São Paulo ficaram contentes, pois chegaram mais cedo, e evitaram uma escala. Já os passageiros que se destinavam a P. Alegre compreenderam a situação, especialmente quando após chegar em S. Paulo, efetuaram contato por telefone e ficaram sabendo que o tempo continuava muito ruim por lá. Procurei tranquilizá-los, dizendo que o vôo que os levaria para Porto Alegre só iria decolar por volta de nove e meia da noite, e ao pousar no destino, o mau tempo certamente já teria ido embora. Quanto a nós tripulantes, fomos dispensados, e chegamos mais cedo em casa para na noite seguinte ver aquela chuvarada cair sobre São Paulo.


PS. Os posts intitudados "Mi Buenos Aires Querido" (abril) e "Sobre o acidente com o Air France"(maio), estão associados a uma linha de instabilidade.

10 comentários:

  1. Comandante Carvalho abaixo deixo um relato de um colega do forum da aerovirtual.

    salvei o blog dele por dois motivos (se referindo ao seu blog)

    Por 2 razões: uma porque meu pai , depois de para de voar em 1973 por um infarto, ficou responsavel tecnico da varig pela ponte aerea, até falecer em 1981. o electra é um dos avioes mais gostosos de voar, meu pai dizia depois dos DC-3 foi um dos aviões mais seguros que ele voou.

    Alem da saudade de ter voado muito na cabine do electra, pouco que consegui ler do blog do carvalho, me interessou muito, é como os post do betigio (piloto que voa na europa airbus), o cara tem aviao nao sangue, a forma que ele fala é só de trabalho mais sim de uma paixão.

    PALAVRAS DE SERGIO LUCERNA.

    Comandante seus relatos comovem os apaixonados por aviação e como nosso amigo sergio serve de nostalgia da epoca que seu pai voava os electras na ponte, continue nos alimentando atraves das palavras aqui colocadas e nos fazendo sonhar que estamos sentados no seu lugar um abraço comandante boa semana

    Ederson

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  2. Obrigado Sérgio, obrigado Ederson pelas palavras. Realmente o Electra foi um dos aviões mais gostosos de pilotar, e sem dúvida o que mais nos transmitia segurança. Abç, Roberto.

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  3. Comandante beto veja este lindo tributo ao electra feito pelo nosso amigo mecanico da american airliners o Lito, ele fez no FS2004, sua base de manutenção da AA é guarulhos, ele tem um blog bacana onde esta o video.

    http://www.smart.dj/blog/

    os videos estao na aba fligth simulator, muito bom o blog comandante,

    Ederson

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  4. Cmte. Carvalho, conheci seu Blog hoje e achei maravilhoso, gostaria muito inclusive de trocar alguns e-mails com o Sr. estou enviando meu e-mail, fico no aguardo de um contato para iniciarmos a troca de algumas ideias. cmte.danie.bittencourt@hotmail.com
    Forte Abraço.

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  5. Caro Ederson, já conhecia o Blog do Lito, muito bom mesmo. De qq. forma vou dar uma olhada neste video. Abç Roberto.

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  6. Capt. em AJU pode procurar-me no DO. Qualquer coisa podes anotar o mail gggsoares@golmail.com.br Abraços e bons voos.

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  7. Ok Giocondo, quando passar por lá eu te procuro Abç Roberto..

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  8. Parabéns pelo Blog cmte. Roberto, tenho acompanhada de pouco tempo atrás suas matérias e elas são ótimas! Sou frequentador assíduo daqui e um futuro cmte.! Abraço

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  9. Valeu Thiago, que bom que vc está gostando. Qualquer dia nos encontraremos nas aerovias. Abç Roberto

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  10. Vou contar um fato ocorrido em um voo no Electra,CGU/SDU.
    Estava para embarcar de volta para o Rio de Janeiro, com um colega de profissao. Chegamos em Congonhas e este meu amigo, foi logo tomar uma bebidinha, para digamos... conter o medo de voar. Já fiz até hoje mais de 200 voos como passageiro, curto bastante, voltando ao fato: Acompanhei meu colega, bebendo também um drinque. Embarcamos, e quando o Electra começou a taxiar, ele me falou baixinho: O trem de pouso está com problemas. E de fato, o comandante retornou e trocamos de aeronave, quando notei um vazamento de óleo no sistema hidraulico do trem de pouso. Apelidei este meu colega de Bunda Sensivel. O apelido pegou e até hoje, é conhecido como Engenheiro Bundinha.

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