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O pouso mais fantástico que eu já vi
- A estória é um pouco comprida, mas vale a pena ser contada: Entre os Comandantes com quem voei no Airbus, o mais fascinante foi o Cmt Dahne. De origem Sueca, ele era um cara alto, forte, olhos claros e que estava sempre cheio de energia. Com 57 anos de idade, não perdia a oportunidade de jogar volley de praia quando estava pernoitando em Fortaleza, Manaus ou mesmo no Rio de Janeiro onde morava. Uma pessoa simpática que gostava de conversar e demonstrava um genuino interesse pelas pessoas. O Cmt Dahne era um "Vaca Sagrada" na Cruzeiro, ou seja, um dos mais antigos na empresa e portanto muito respeitado por todos. E não só por isso, ele tinha uma bela história na aviação e uma experiência invejável. Hoje em dia, por mais horas de voo que um piloto venha a trabalhar, não vai conseguir acumular durante uma carreira a quantidade de horas de voo que os pilotos da geração do Cmt Dahne acumularam. Hoje há limites quanto ao máximo de horas que se pode trabalhar por mês, trimestre ou ano. Ele pilotou os Catalinas, aviões anfíbios que voavam principalmente na região Amazônica. Pilotou também o YS-11 Samurai, e também o Caravelle, avião Francês que a Cruzeiro operou no Brasil. Ele foi da primeira turma de Comandantes da Cruzeiro a voar o Airbus A-300, que foi adquirido em junho de 1980, tendo inclusive feito todo o curso em Tolousse, França, para poder trazer o avião para cá. Além disso, estava na cabine de comando quando por duas ocasiões, seu voo foi sequestrado! O primeiro episódio, eu não tenho certeza se foi voando YS-11 ou o Caravelle, já que entre os anos de 1969 e 1971, ocorreram vários episódios de sequestro por parte dos militantes que lutavam contra o regime militar no Brasil. O segundo episódio foi em fevereiro de 1984, quando após a decolar o Airbus de São Luiz para Belém, o avião foi rendido por sequestradores, obrigando o voo a seguir para Cuba. Após conseguir convencer os sequestradores que a autonomia de vôo não era suficiente, pousaram em Paramaribo, trocando passageiros por combustível e seguiram para Cuba. Ele era um piloto muito habilidoso, não usava os cintos de segurança que passam sobre os ombros, e nem o que passa entre as pernas, somente usava o cinto sobre a cintura! Transmitia tanta segurança e confiança que se ele dissesse que iria fazer um voo de cabeça para baixo eu provavelmente o apoiaria, ávido por ver e aprender! Claro que ele não era louco para voar de cabeça para baixo, mas é bom que se diga, que ele e tantos outros pilotos contemporâneos dele, vinham de uma outra "escola de aviação". De uma época em que o Comandante podia tudo, ou quase tudo! Tinha-se muita liberdade para voar, sem muitos procedimentos padronizados e sistemas eletrônicos que hoje em dia, não apenas controlam o vôo, mas monitoram e informam se algum parâmetro ou procedimento do voo foi ultrapassado ou violado. Uma coisa que se fazia no passado, e que hoje em dia dificilmente se consegue fazer numa empresa aérea comercial, era o pouso "power off". A maioria dos pilotos em algum momento no passado já fez um pouso desses. É como se ,em um carro, você avistasse uma vaga a 400 metros de distância, em uma subida, e em ponto morto, só no embalo e usando o freio conseguisse uma manobra perfeita ao estacionar. Na verdade não é um procedimento recomendado, e nem autorizado pelas empresas. Mas é como eu disse, no passado era diferente, e os pilotos que já fizeram este tipo de pouso, certamente adquiriram um maior conhecimento da performance do avião, características e técnicas de pilotagem e até de suas próprias limitações. Voando em nível de cruzeiro, ao iniciar a descida, reduzimos a potência (power off) e assim voamos até cerca de 25 quilômetros da pista quando então aceleramos os motores para continuar na aproximação e pouso com um maior controle da velocidade do vôo. Pois no pouso PWR OFF, a potência permanece reduzida até o toque na pista. Efetua-se a descida numa rampa de planeio mais acentuada ou numa velocidade maior, ou uma combinação de ambas as condições, ou seja, alto e veloz! Requer habilidade, planejamento e uma certa dose de adrenalina. Meu voo com o Cmt. Dahne era para Manaus. No primeiro dia, fazíamos 3 pousos até Fortaleza e pernoite, no segundo dia mais 3 pousos até Manaus e outro pernoite, para no dia seguinte regressar ao Rio de Janeiro em 6 etapas com parada em Fortaleza. Na ida até Manaus, o Cmt Dahne deixava para o co-piloto efetuar as 6 etapas. Isso no A-300 significava que não apenas pilotávamos o avião, mas sob a supervisão dele, comandávamos o voo! Diferente do que ocorria em outros aviões da empresa na época, no Airbus, o co-piloto efetuava a partida dos motores, fazendo a comunicação com o mecânico, e também "taxiava" o avião. A maioria dos aviões possuem o comando de "steering" (comando direcional para o trem de pouso do nariz do avião que permite o controle e portanto o movimentação durante as operações de taxi nos pátios do aeroporto) somente do lado esquerdo, ou seja para o comandante, mas o A300 possuia este comando também do lado direito, no lado do co-piloto. Eu me sentia poderoso pilotando aquela máquina! O Cmt Dahne nos deixava muito à vontade , e quando fazia comentários sobre nossa pilotagem era para ensinar, para acrescentar e motivar. Mas assim que pousávamos em Manaus, ainda correndo sobre a pista, ele não se aguentava e assumia (nunca deixou de ter) os comandos do avião! Dizia que a volta era dele, que ele tinha pressa e gostava de voar rápido. E a volta era uma aula de pilotagem, dava prazer em ver tanta técnica e precisão! No 5º e último dia de vôo, na última etapa para pousar no Galeão por volta de 13:30 hs, todos os tripulantes do vôo (éramos em 13: Cmt, co-piloto, mecãnico de voo e 10 comissários) demonstravam uma certa euforia, animados para chegar no RJ. O dia estava lindo, nenhuma nuvem no céu e de longe avistávamos toda a cidade, Baía de Guanabara e o Galeão com suas 2 pistas de pouso. O procedimento de chegada era quase sempre o mesmo, ou seja, após praticamente sobrevoar o aeroporto, passávamos sobre a região de Duque de Caxias, para então nos afastar até cerca de 35 quilômetros, e com uma curva pela direita, regressar em direção à pista 15 (rumo magnético 150 graus). Mas naquele dia de vento calmo, o controle de tráfego aéreo perguntou se tínhamos condições de efetuar uma aproximação direta para pousar na pista 28 (rumo magnético 280 graus). - Afirmativo! Disse o Cmt Dahne. Descida em condições visuais, alto e veloz, condições ideais para um power off, do jeito que ele gostava, encurtando o caminho, em alta velocidade! Assim autorizados, ficamos altos em relação à rampa ideal de descida. Para ajudar o avião a descer foram distendidos os "speed brakes" e empregada a máxima velocidade. Os "speed brakes" são superfícies que levantam sobre as asas, com a finalidade de destruir parcialmente a sustentação e assim ajudar no aumento da razão de descida e/ou redução de velocidade. Chegando próximo à pista iniciou-se a redução da velocidade de forma a voar da máxima para a mínima, que é a velocidade de pouso. Para ajudar foram abaixados os trens de pouso, e em seguida iniciado o arriamento dos flapes. Naquele momento estávamos apenas um pouco acima da rampa ideal, mas ainda velozes! No A-300 não era rotina voar com os "speed brakes" distendidos abaixo de 180 nós de velocidade, então, quando o velocímetro indicou 180; 178 e diminuindo, eu alertei o Cmt Dahne para aquela condição. Ele me disse para ficar tranquilo, pois como eu veria em seguida, o avião tinha um excelente comportamento mesmo com speed brakes e velocidade abaixo daquela. Fiquei tranquilo, observando e aprendendo. Foi um pouso lindo! Pouso "manteiga", "lambido", power off, no ponto certo da pista, na velocidade ideal! Nunca tinha visto algo semelhante. Isso foi no final de março de 1989, e o que eu não sabia naquele dia, era que aquele vôo viria a ser o meu último no Airbus, pois em abril eu iniciaria o curso para voar o 737-200, pois já estava chegando a hora da minha promoção para Comandante. Quanto ao Comandante Dahne, poucos anos depois ele se aposentou compulsoriamente ao atingir 60 anos de idade, mas nem por isso ele deixou de frequentar as quadras de volley de praia em Ipanema. No mês passado fiquei sabendo que ele faleceu há não muito tempo. Eu tive a honra de ser seu co-piloto, e pelo que eu o conheci, ele sempre vai estar nas alturas!
- Na sequência de fotos, um Catalina, um YS-11 Samurai, o Caravelle, e o Airbus, taxiando no aeroporto do Galeão. Há também um "croqui" que eu desenhei com o procedimento de chegada no Rio de Janeiro.
Imaginei mesmo esse pouso! Muito bom!
ResponderExcluirMuito boa a Postagem Comandante !!!
ResponderExcluirAbraços do Amigo Lisarb (Aeroblog).
Huau! Só de ler já perdi o fôlego!
ResponderExcluirBoa noite comandante, postei tres videos da maquina que o sr. pilotou, filmei o sr em congonhas preparando o 737-800, e por final o pouso manteiga, no video do pouso em 6 minutos tem um speack muito bacana do sr. comandante os paparazzo começaram caçar o sr. hehhe, para ver os videos de um click na minha foto que tirei com o sr onde tera acesso aos tres videos.
ResponderExcluirAlem de piloto o sr tem um dom para o desenho, sua carta ficou nota dez, eu vi um video os filhos eram pilotos da transbrasil e o pai que era comandante da transbrasil tbem voou dias antes da sua aposentadoria com seus dois filhos no A300, um deles era engenheiro de voo outro co-piloto, haja coração.
Cmt. EDERSON 737-700 GOL VIRTUAL
Obs: para ver os videos do sr. de um click sobre minha foto acima no blog, aguardo seu comentario hehehe, um abraço, há este final de semana o sul estava com uma frente fria, coisa boa para aproximação VFR, (no braço mesmo hehhe) um abraço cmt Beto.
ResponderExcluirEderson
Cmte. Esse procedimento também é conhecido como Embu, não?? Desculpe a palavra, mas nao perco a piada.. Embucetado.
ResponderExcluirBons Voos.
Giocondo, vc está certo, é a descida Embu, que foi precedida de subida Descá!
ResponderExcluirEderson, assisti os vídeos e fiquei surpreso! Já havia pensado em como é que sai minha voz pelo sistema de som, e... muito estranho. Já me disseram que eu falo um pouco rápido, é verdade, mas time is money, e a aviação é muito corrida. Um abraço Roberto..
Comandante vou dar um feed-back para o sr, seus speacks contagiam os clientes e a tripulação gerando um clima de conforto e descontração para aqueles que morrem de medo de voar, dias atraz eu vim de congonhas para navegantes com a gol e tinha uma moça do meu lado gelada, ela esta apavorada, pegamos uma formação onde o bichinho balançou forte as asas na turbulencia quase que ela infartou de medo hehe, um abraço comandante.
ResponderExcluirEderson
Prezado Cmte. Roberto,
ResponderExcluirPor acaso descobri este teu blog repleto de histórias interessantes... parabéns pelo conteúdo! Sou gestor de um blog comemorativo dos 40 anos da aeronave Emb-110 Bandeirante ( www.bandeirante40anos.blogspot.com )e tomei a liberdade de incluir uma de tuas histórias sobre tua experiência com o Bandeco (com os devidos créditos, é claro). Será um grande prazer receber tua visita e com certeza passaste a ganhar mais um leitor assíduo! Um abraço e obrigado.
Salve Carvalho!
ResponderExcluir"Passeando" pela internet, deparei-me com seu Blog. Que surpresa! Histórias curiosas e boas memórias. Queria deixar um abraço e desejar bons voos. Talvez nem se lembre de mim, mas dividimos a cabine do "brega" algumas vezes.
Saudações,
Ricardo Villanova
Olá Ricardo, é claro que me lembro de vc! Na cronologia da minha história na aviação, ainda não cheguei de fato ao período do "brega" mas estou quase lá! Saudade daquela época e de todas as outras. Espero que vc esteja bem e com um bom trabalho. Nos encontraremos qq. dia. Um grande abraço, Carvalho..
ResponderExcluirbuenas
ResponderExcluircmt roberto
sr conheçe cmt tolla que morreu no acidente com um avião da paradise no rio ?,e cara muito gente boa engenheiro de voo morão foi um dos primeirose agora ta morando na bahia ?
muito massa sua historia .
"Poutia queus parola".. Que topico massa comando!!
ResponderExcluirViajei aqui nessa estória, nesses procedimentos.. Estou me desviciando da internet, por isso só vim ver seu blog agora, mas como sempre nem é nota 10, é 11!!
Grande abraço
Deus abençoe
A foto do YS-11, não seria de um Convair 340? Abraços
ResponderExcluirAviação sempre com seus casos magníficos, leitura que nos prendem.
ResponderExcluirMais ou menos na época deste pouso, mas em Congonhas estava assistindo aos pousos e decolagens da sacada do restaurante do aeroporto quando presenciei uma manobra de pouso que por pouco não se torna acidente com um A-300 da Cruzeiro.
ResponderExcluirO avião pousou e parecia q. não ia parar, quando faltavam poucos metros para o fim da pista o piloto travou as rodas tirando fumaça dos pneus e parou a cerca de dez metros da cabeceira quase caindo na Av. Bandeirantes !
Com um certo trabalho o piloto fez uma curva de 180 graus e conseguiu retornar e pegar a saida para a taxiway que ele havia deixado para trás.
Abs. e parabens pelo Blog.
Marcus