sábado, 6 de fevereiro de 2010

O Professor de Balé

Durante um voo, a comissária veio na cabine e me informou que um passageiro queria falar comigo. O passageiro havia se identificado dizendo ter sido meu professor de balé nos anos 80.

Eu disse a ela que aquilo deveria ser uma brincadeira de algum amigo que por coincidência estava no vôo, ou então um grande engano onde o suposto professor de balé estava me confundindo com outra pessoa. De qualquer forma, visitas não são permitidas, então que dissesse a ele que seria um prazer recebê-lo na cabine após o pouso. A comissária disse que iria transmitir o recado, mas disse que havia uma terceira possibilidade. A de que ele realmente era meu ex-professor de balé, e eu estava com vergonha de admitir.

No desembarque, qual não foi a minha satisfação em encontrar o Crivellaro, que aguardou todos passageiros desembarcarem para me cumprimentar.

Ele havia sido Comandante na Varig, e eu fui seu co-piloto nos anos 86/87 quando voamos o Electra na Ponte Aérea. Lembro-me de um vôo de avaliação que fizemos juntos, quando ele, além de avaliar meus conhecimentos e pilotagem, ainda me ensinou algumas coisas naquelas 4 etapas RJ/SP. Este é o tipo de vôo de avaliação legal, quando além de mostrar o que você sabe, ainda tem a chance de aprender.

O Cmt. Crivellaro foi instrutor e checador em todos equipamentos em que voou na Varig, além de ter ocupado cargos junto à Diretoria de Operações. Um excelente piloto e muito querido por todos. Quando em 2003 eu fui voar o MD-11, ele já estava no Boeing-777. Com a crise da Varig, muitos pilotos foram voar no exterior, principalmente na Europa, Oriente Médio e Ásia. Alguns esperaram a “velha” Varig encerrar as operações para seguir a carreira lá fora, outros saíram antes disso. O Cmt. Crivellaro atualmente voa em uma grande empresa na Ásia.

Ele contou que a vida lá não é fácil, mas que está bem adaptado e feliz voando o B-777 para o mundo todo. Contou que a empresa é boa de se trabalhar, e que é incrível a falta de flexibilidade dos asiáticos. Para exemplificar, ele comentou um caso em que ainda durante o embarque, percebeu-se que o sistema de vídeo de um passageiro sentado na classe executiva não estava funcionando. Solução simples, pensou ele! Se a classe executiva não está lotada, e há vários assentos disponíveis, basta que o passageiro mude de assento. Mas não, não é assim que eles fazem por lá. O passageiro fica onde está e o vídeo deve ser consertado. Para isso, o pessoal da manutenção embarca com os devidos equipamentos e ferramentas e conserta o vídeo, ainda que isso represente um atraso no vôo!

Contou também que após o período de instrução, ele foi submetido ao vôo de avaliação por um comandante da empresa. Ele já havia voado na aviação internacional por muitos anos na Varig, e também já possuía experiência no B-777, portanto foi só uma questão de se adaptar à rotina operacional daquela empresa.

Neste voo de cheque, durante o “joint-briefing”, com toda a tripulação reunida antes mesmo de seguiram para o avião, ele fez os comentários de rotina a respeito do vôo. Sempre observado pelo comandante checador, falou sobre os procedimentos a serem adotados em caso de encontrarem turbulência durante a viagem. Comentou que conforme o procedimento da empresa, caso ele ligasse o luminoso de “apertar os cintos” (com apenas um aviso sonoro, ou seja, um “chime”, que é aquele “plim” que se ouve quando o luminoso é aceso) o aviso valeria somente para os passageiros, mas que se o luminoso fosse ligado duas vezes (uma logo após a outra, com dois “chimes” seguidos), então além dos passageiros, toda a tripulação de cabine também deveria permanecer sentada.

O vôo transcorreu sem problemas, sendo que em determinado momento em que eles iam enfrentar uma turbulência moderada, o Cmt. Crivellaro efetuou o tal procedimento, ligando o luminoso duas vezes seguidas para que todos se sentassem. Após o desembarque no destino final, o Crivellaro e o comandante checador se reuniram em uma salinha para o “de-briefing” e o veredicto sobre o vôo de avaliação. O checador parecia aflito, levando constantemente as mãos à cabeça, e disse que o vôo havia sido bom, mas que ele, Crivellaro, havia cometido um erro gravíssimo, e não sabia o que fazer! Disse que havia um procedimento especial com relação ao luminoso de apertar os cintos, em que em caso de turbulência moderada, além de ligar duas vezes o luminoso de atar os cintos, ele deveria ter feito um anúncio pelo sistema de som, confirmando a todos os passageiros e tripulantes da necessidade de retornar aos assentos. Que situação! Mas ele foi aprovado, tendo prometido que jamais repetiria aquele "grave" erro.

Na semana seguinte, já aprovado e voando para Nova Iorque, ele percebeu que iriam passar por uma área com turbulência moderada, e além de ligar o luminoso por 2 vezes seguidas, também efetuou o anúncio aos passageiros. Horas depois, ao encontrar novas áreas de turbulência, o procedimento foi repetido. Foi então que o co-piloto olhou para ele com cara de quem não está entendendo, e perguntou qual era o motivo dele fazer tantos anúncios aos passageiros ao entrar em turbulência. Ele contou o caso, dizendo inclusive que havia sido repreendido no vôo de avaliação! Pois não é que o co-piloto disse que aquele procedimento era meramente usado em voos de cheques, quando em avaliação para mostrar serviço, e que ninguém usava este procedimento??? Coisas da aviação.

Quanto às aulas de balé? Nada contra, mas não, eu nunca dancei balé em minha vida.

8 comentários:

  1. Comandante, nos conte um pouco de como é feita a escala de vocês. O que define o piloto ser diurno ou noturno? Ou o piloto é obrigado a cumprir as escalas tanto de dia quanto de madrugada. Como vocês preparam o relógio biológicos de vocês para realizarem vôos de madrugada? Abração, Antonio Arcoverde

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  2. Acredito que e o mesmo esquema do tipo: Voce fazendo a prova pratica para tirar CNH, onde voce tem que dar uma mexida nos retrovisores do veiculo mesmo que nao haja necessidade!
    Coisas pra complicar a vida!!

    Grande abraço Comando!

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  3. Comandante, que prazer é nos dado a cada vez que lemos um "post" seu... tenho uma dúvida: esse seu amigo era CMD da Varig, como vc disse... se ele tivesse se identificado como tal, vc teria deixado ele visitar a cabine? Eu estou para começar meu PP... após a conclusão do mesmo, se eu me indentificar como um PP, poderei visistar algumas cabines em voo, se for o caso? Muito obrigado por mais um post que nos leva a olhar para o futuro, que nos alimenta da nossa sede de ares! Forte Abraço.

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  4. Caro Antônio Arcoverde, a nossa escala de voos é bem variada, sendo que voamos tanto de manhã, quanto no período da tarde e na madrugada. Vale tudo! O que pode ocorrer, é escala fixa nos voos da Ponte Aérea, ou solicitação para priorizar escalas com voos bate-volta, ou então com vários pernoites. Em ambos os casos, há muitas programações com voos de madrugada. Quando eu tenho um voo destes, eu me programo para dar uma boa dormida durante a tarde antes do voo, e no dia sequinte, ao chegar em casa ou em algum hotel, tenho que dormir para repor o sono. De qualquer forma, sempre que voo na madrugada o dia seguinte é meio esquisito. À noite durmo feito um pedra.

    Caro Danilo, no caso deste meu amigo, sendo ele Tripulante, ainda que de outra empresa, ele poderia ter ido na cabine. A regra diz que tripulantes podem entrar na cabine. Não diz se é tripulante desta ou daquela empresa, também não diz se o tripulante deve ou ñão estar uniformizado ou a serviço. Veja que o meu colega se identificou mas nem era a intenção dele ir na cabine, pois não estando uniformizado, ou com um crachá no peito que o identifique como tripulante, ele sabe que pode não ser legal, pois aos olhos de um passageiro, ele é apenas outro passageiro. Infeizmente hoje em dia, para evitar aborrecimento com possíveis autoridads aeronauticas que podem estar a bordo, e também para evitar reportes de passageiros que resultem em termos que nos explicar para a chefia de pilotos, a maioria nega sistematicamente qualquer visita na cabine, mesmo que o passageiro se identifique como piloto e etc... Coisas da aviação comercial de hj em dia. Mas não desista, há sempre alguém que poderá deixar, não custa tentar e pedir.
    Abç Roberto..

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  5. Tenho uma pergunta
    Pq a asa dos 777 nao tem winglet, como nos 737s ???

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  6. Olá Alê! É uma boa pergunta, e só tenho uma resposta: É poque os projetistas e engenheiros da Boeing preferiram assim! Quem talvez possa te dar uma resposta mais técnica é o Lito, que foi mecânico da Varig por muitos anos, e atualmente trabalha em uma grande empresa americana de aviação. Ele tem um Blog bem bacana chamado Aviões & Músicas. Acesse e mande sua pergunta para ele. http://www.avioesemusicas.com/ Abç, Roberto.

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  7. Olá Alê, não sou perito em Aviação, mas li algumas matérias sobre o Boeing 777 na época em que ele foi lançado e vi que a Boeing optou por integrar "Wingtips" na ponta de suas asas, uma leve inclinação da ponta de sua asa a qual também traria benefício bem próximos a uma "Winglet". Pode verificar que o o Triple 7 possui uma leve inclinação na ponta de sua asa. Grande abraço, Arcoverde

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  8. Olá Comandante. Trabalho em um aeroporto e vejo diversos comandantes ex- Varig embarcando para voar na asiática Eva Air, ou na européia Ryanair. É triste ver pessoas que tem o dom de voar nessas condições. O dono da Rayanair disse que os pilotos eram "Chaufer de Avião". Que insolência com pessoas que tem tamanha importância como os aviadores.

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